La Liga. A ‘bazuca’ europeia que não veio da UE, mas sim dos investidores

La Liga. A ‘bazuca’ europeia que não veio da UE, mas sim dos investidores


Um acordo entre La Liga – que pode tornar-se uma das empresas mais valiosas de Espanha – e o fundo CVC garantiu uma injeção de 2,7 mil milhões de euros. É mais um sinal de que o futebol europeu se está a abrir ao mundo dos investidores internacionais.


Caiu uma verdadeira bomba atómica na principal liga de futebol espanhola, e até no futebol europeu. A La Liga – que viu partir, recentemente, Lionel Messi, devido às difíceis condições económicas do FC Barcelona – assinou um acordo com o fundo de investimento CVC, baseado no Luxemburgo, que garantia uma injeção de 2,7 mil milhões de euros nos clubes do campeonato espanhol, visando principalmente melhorias nas suas infraestruturas, bem como áreas de negócios fora dos campos.

Quem não gostou da negociação foi Florentino Pérez, o Presidente do Real Madrid, um dos mais destacados defensores da criação de uma Superliga europeia. O clube merengue, através de comunicado oficial, garantiu mesmo que irá avançar com ações legais contra Javier Tebas, presidente da La Liga, Javier de Jaime Guijarro, responsável pelo Fundo CVC e contra o próprio Fundo SICAV-FIS CVC Capital Partners. O conselho de administração do Real disse também levar a cabo as ações legais “necessárias” para “anular os eventuais acordos adotados pela Assembleia da La Liga, a realizar-se em 12 de agosto de 2021, relativos ao acordo entre a La Liga e a Fundo CVC”, como se pode ler no comunicado oficial.

O clube da capital espanhola queixa-se de não ter sido consultado sobre o acordo em questão, ao contrário do que afirma a própria liga espanhola, que garante ter ouvido 14 clubes que viabilizaram o acordo unanimemente, conforme avançou o Financial Times. O próprio FC Barcelona tinha-se também mostrado contra este acordo, na semana passada.

Em resposta, Javier Tebas não hesitou em criticar Florentino Pérez, através do Twitter. “O método ameaçante que Florentino Pérez utiliza há anos em privado é agora trasladado para o público. Clubes e instituições levamos anos a suportar as suas ameaças. Desde 2015 contra vendas centralizadas, constantes impugnações de acordos, a Superliga… o Real Madrid merece mais”, atacou o presidente da La Liga.

O acordo que está a ser desenhado entre a La Liga e o fundo CVC prevê uma injeção de 2,7 mil milhões de euros na competição, sendo criada uma empresa que gerirá comercialmente o campeonato, da qual o fundo possuirá 10%. Um acordo, aliás, que poderá tornar a La Liga numa das dez empresas mais valiosas da bolsa de Madrid. Os cálculos são do jornal espanhol El Economista, que garante que, caso a liga espanhola entre na bolsa, depois de completado o acordo com a CVC (que avaliou a competição em perto de 24 mil milhões de euros), ocupará logo o oitavo lugar na lista das 10 maiores empresas do índice Ibex 35 por capitalização de mercado. Uma lista onde ficariam para trás empresas como o CaixaBank, a Endesa ou a Repsol.

Desses 2,7 mil milhões de euros, segundo tem sido revelado, 15% serão distribuídos diretamente para a compra de jogadores, com mais 15% para o pagamento de dívidas. Os restantes 70% desta “bazuca” económica são direcionados a investimentos nas infraestruturas e tecnologia.

 

O início do novo modelo

Este é, para Daniel Sá, diretor do Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM) e especialista em marketing desportivo, mais um degrau na “evolução do modelo de negócio no desporto, não só no futebol”. O CVC “não é o primeiro nem será o último” fundo de investimento a entrar no futebol europeu, garante o especialista, que dá conta de um contexto onde a pandemia da covid-19 e as difíceis situações financeiras dos clubes “aceleraram” uma “necessária” mudança do modelo de negócios do futebol profissional.

Este “é um investimento de médio a longo prazo dentro da ideia inicial de investir para tornar rentável” o futebol profissional, continua Daniel Sá, que defende que “o futebol, apesar de ser a modalidade mais mediática, é das que consegue ser também mais conservadoras o que é, no mínimo, estranho”. Sá faz a comparação com o VAR, que entrou em várias modalidades desportivas anos antes de fazer o seu debute no futebol profissional. “É como o VAR. Aqui é parecido. O futebol é conservador por natureza”, conclui.

 

Superliga, textor, cvc…

Pouco a pouco, e como que sem querer levantar alarmes, ouve-se falar cada vez mais em investidores externos no futebol europeu. Desde a tentativa de criação de uma Superliga europeia – com o apoio da Goldman Sachs, como explica Daniel Sá – até à hipótese de compra de 25% do Benfica por parte do investidor norte-americano John Textor, a entrada da CVC (que tentou, sem sucesso, entrar na liga alemã e na liga italiana de futebol) no futebol espanhol é só mais um passo na internacionalização do futebol europeu, e mais um sintoma da mudança do paradigma de negócios da modalidade.

“Eu ponho tudo no mesmo movimento. Se aqui falamos da CVC, na Superliga falamos da Goldman Sachs”, explica o especialista, antes de afirmar, sem hesitação, que “vamos ter Superliga, inevitavelmente”. “Chame-se o que se chamar. Seja pela UEFA ou por um conjunto de clubes, é inevitável. E é inevitável porque temos uma discrepância muito grande no futebol europeu, porque há uma elite com mais dinheiro e boas equipas”, remata.