Um dos setores que mais sofreu com a pandemia da covid-19 foi o desporto de formação. O futebol e os seus escalões jovens congelaram, tentaram sobreviver com treinos online e motivação, mas a realidade é que milhares de jovens de Norte a Sul viram interrompida a sua vida desportiva.
Em abril deste ano, no entanto, deu-se a luz verde para o regresso aos relvados, e pouco a pouco os jovens retomaram o lugar nos campos de treino. Um pouco tarde para os campeonatos nacionais, apesar de se terem organizado pequenos torneios e competições para poder dar um “toque” de rivalidade antes do fim da temporada. Pelo meio, no entanto, chegaram as férias de Verão, e, agora, quatro meses depois do regresso oficial aos relvados, está na hora de preparar os campeonatos das camadas jovens que começam ao longo dos próximos tempos, e o que não falta é motivação.
Que o diga João Eusébio, coordenador técnico dos escalões de formação no Leixões Sport Club, em Matosinhos. As competições estão prestes a começar, e os treinos já estão a todo o vapor para recuperar o terreno perdido ao longo de praticamente ano e meio de paragem nos diferentes escalões. Um ano e meio, no entanto, em que o clube manteve treinos online, “onde pelo menos os atletas estavam em grupo e em partilha, em vivência com os colegas”, e onde “se via a necessidade e a ansiedade dos atletas de voltar aos treinos”.
As regras de higiene, como o uso de máscaras e o distanciamento social, defende o coordenador, estão já entranhadas nos atletas, facilitando o trabalho aos “adultos”, que são os “responsáveis por assegurar que cumprem estas medidas de segurança”.
Assim, a hesitação e o receio sobre possíveis surtos – uma realidade que já fustigou o Leixões e, atualmente, a equipa sub-19 – continua efetivamente viva, mas não afasta os atletas dos treinos e dos jogos, garante João Eusébio. “Os atletas estão é ansiosos por jogar. Isto é uma alegria para eles. Estar fechados sem estar a jogar e sem fazer desporto, a coisa que os motiva mais, não dá… o regresso foi a maior alegria que lhes podiam dar. Nós [equipa técnica] é que temos de ter a responsabilidade que eles cumpram as regras”, continua, reforçando, ainda assim, e apesar do otimismo sobre o regresso aos relvados, a preocupação com as consequências que a paragem nos treinos terá nos atletas, tanto a nível clubístico como a nível de seleção nacional.
“A minha preocupação tem a ver é com a parte de crescimento como jogador, não tanto como pessoa e como humano, mas sim como atleta. Não jogando, não crescem”, alerta o mesmo, que adverte para os efeitos a longo prazo da covid-19, nomeadamente no contexto desportivo. Recorde-se que o plantel principal do Leixões foi alvo de um surto de covid-19 recentemente, e, neste preciso momento, a equipa sub-19 do clube está também fustigada com o novo coronavírus, impedida de participar – para já – no campeonato nacional que arrancou na semana passada.
Novos surtos e problemas físicos “Agora vêm os reflexos que nós podemos eventualmente ter, principalmente os atletas. Eu próprio já apanhei [covid-19], a equipa também, e depois da retoma há sempre dificuldades, nomeadamente respiratórias. Tenho preocupação com os efeitos que [o covid-19] possa ter”, lamenta Eusébio, que partilha ainda uma outra preocupação com os jovens atletas: “O que me preocupa é que, depois da paragem, havendo retoma, haja um surto ou algo parecido outra vez”.
O Leixões, no entanto, muniu-se para combater a pandemia e os seus efeitos, nomeadamente através da ativação de dois novos gabinetes. O Gabinete de Alto Rendimento e Performance onde, como explica João Eusébio, o clube se dedica a fazer trabalhos específicos com atletas que demonstrem potencial particular, de forma a recuperar o terreno perdido pelo ano e meio de paragem, e o Gabinete de “crise”, focado na parte emocional e psicológica dos atletas, com o objetivo de fazer um “trabalho de casa paralelo” para garantir que os jogadores se mantêm em forma não só fisicamente, mas também psicologicamente, “para estarem mais estimulados”, como defende o mesmo. “Todos os atletas querem fazer um trabalho suplementar”, revela João Eusébio, garantindo que os mesmos, “por eles, na parte funcional, quase todos procuram fazer esse trabalho extra, o que significa que sabem e têm a consciência do que é perder um ano e tal de ação desportiva”.
Desistências não são uma realidade A pandemia levou milhares de atletas a desistir da vida desportiva, e os clubes de Norte a Sul sofreram com a perda de jogadores. Em Matosinhos, no entanto, segundo defende João Eusébio, esta realidade não atacou tão intensamente o seu emblema. “Não sentimos desistências, até pelo contrário. É evidente que quem não tem qualidade optou por outro desporto, mas quem tem paixão não desistiu de forma nenhuma”, garante o coordenador, antes de recordar que “nas reuniões de Zoom, com os treinadores de cada escalão e os atletas, via-se a necessidade e a ansiedade de voltarem aos treinos”.
Vontade não falta Já um pouco mais a sul, na cidade de Águeda, o panorama no Recreio Desportivo de Águeda (RDA) é semelhante, onde as camadas jovens do clube voltam aos poucos ao relvado, preparando o arranque dos campeonatos nacionais. “Havia uma vontade muito grande de regressar aos relvados. Os jovens estiveram afastados durante um longo período, e sabemos que nestas idades a paixão pelo futebol é enorme. Privá-los disso acaba por ser muito complicado de gerir”, começa por explicar ao i fonte do RDA.
A paragem nos treinos, no entanto, deixou mazelas nos atletas, e o Recreio não foi exceção. “Estamos a falar de praticamente um ano sem atividade regular. Os treinadores prepararam muito bem a retoma de competição de modo também a evitar lesões, mas o corpo já não está habituado aos treinos regulares e acaba por haver uma maior propensão a possíveis lesões”, lamenta o clube, que se diz preparado para lidar com esta realidade. “Vai ser difícil, mas toda a estrutura do clube delineou planos para que os atletas possam recuperar o tempo perdido”, começa por referir o RDA. “Há atletas que poderão ter mais dificuldades em atingir os níveis que prometiam, no entanto, vamos trabalhar para que voltem sobretudo a divertir-se a praticar um desporto de que tanto gostam”, continua fonte do clube.
Famílias preocupadas Por trás de cada jovem atleta há uma família a apoiar, e, no contexto pandémico, a preocupação com a saúde dos jogadores é ainda maior. “Os clubes perdem vida sem os jovens jogadores. Ainda assim, havia a preocupação generalizada com a saúde dos atletas e das suas famílias”, revela o RDA, que se regozija com a obrigatoriedade da realização de testes covid antes da retoma, aplicada pela Federação Portuguesa de Futebol, o que os deixa “sempre mais descansados”.
Ainda assim, “paira sempre o receio de um possível contágio nos plantéis e até mesmo de um novo cancelamento dos campeonatos”, reforçando que “a época que passou foi frustrante para os atletas” exatamente devido a essas constantes preocupações.
Vive-se um clima misto entre motivação e ansiedade nos relvados do Recreio Desportivo de Águeda, nestes meses em que os escalões vão lentamente regressando ao ativo. Os jogadores, apesar de ansiosos por voltar à competição, vivem um momento em que, neste caso específico, defende o clube, “o medo acaba por ser bom”. “Algo que nos surpreendeu bastante foi o sentido de responsabilidade sobretudo dos atletas mais novos. Não querem prejudicar a equipa, as suas famílias e amigos e, por isso, têm muito cuidado, seguindo todas as regras e aconselhamentos das entidades competentes”, revela o RDA, que garante que desde cedo impôs “regras apertadas para evitar a contaminação de todos os agentes desportivos”.
Prováveis desistências Uma das principais consequências da paragem nos treinos das camadas jovens foram as desistências de vários atletas. Agora, com o regresso dos treinos, “ainda é cedo para ter a certeza, mas é difícil não haver algumas desistências”, augura o clube. “Foi uma época e meia praticamente sem competição, quando havia treinos eram muito condicionados, e isso, quer queiramos, quer não, afeta muito a motivação dos atletas no desporto em geral. Haverá alguns que tenham mudado de desporto cujas condicionantes não eram tão acentuadas, como desportos de prática individual, outros que tenham optado por outra atividade não desportiva”.