Covid-19. Falta de imigrantes deixa a Nova Zelândia em crise

Covid-19. Falta de imigrantes deixa a Nova Zelândia em crise


Esta nação insular, que conteve o vírus e fechou as suas fronteiras, sofre escassez de mão-de-obra na saúde, serviços e agricultura. O Governo promete um plano para reabrir.


A política de eliminação da covid-19 na Nova Zelândia, que impediu o alastrar do vírus na comunidade e fechou as suas fronteiras, apresentada por todo o mundo como com modelo de sucesso, está a ter um custo elevado. Esta pequena nação insular, dependente de mão-de-obra estrangeira, enfrenta uma escassez brutal de recursos humanos, em setores que vão da saúde, à agricultura, produção de laticínios, serviços e administração pública. Agora, o Governo da primeira-ministra Jacinta Arden, consciente que a Nova Zelândia não pode ficar isolada para sempre, tem que decidir quando e como reabrir fronteiras, e qual o nível de vacinação que permitirá fazê-lo com alguma segurança. A promessa é que será apresentado um plano para a reabertura esta quinta-feira, apesar das contas terem sido dificultadas pelo receio da variante Delta, muito mais transmissível.

Está muito em jogo. Após um estrito confinamento no início da pandemia, foi o fecho de fronteiras – com proibição de viagens ou obrigando todos a fazer quarentena, incluindo cidadãos neozelandeses – que permitiu que este país com quase cinco milhões de habitantes não batesse os três mil casos registados e tivesse apenas 28 mortes. E é por isso que os neozelandeses já mal se lembram da ansiedade de estar à espera de saber quais as próximas restrições, de não poder conviver com familiares, amigos, colegas, sem medo da covid-19.

“Na nossa primeira noite em Auckland, fomos a uma festa tipo-discoteca numa escola básica. Um mar de crianças e pais estava a dançar debaixo de luzes coloridas e bolas de espelhos”, escreveu uma jornalista do Washington Post, que tem cidadania neozelandesa, e que pôde visitar o país em dezembro – na altura, Portugal estava sempre acima dos quatro mil casos diários, sem sonhar com a tragédia que seria janeiro – para ver um familiar doente, após uma quarentena de duas semanas. “No dia seguinte, fomos a uma feira de artesanato, almoçámos num café e um desfile de natal. Tudo sem máscara”, continuou a jornalista. “Coronavírus? Qual vírus?”.

Hoje, a Nova Zelândia vive um cenário semelhante, com a diferença que se sentem mais os estragos económicos e sociais da pandemia. Ainda esta segunda-feira uns 1500 especialistas em obstetrícia fizeram greve, devido a uma “escassez crítica” de pessoal, e mais de 30 mil enfermeiros deverão fazer o mesmo este mês.

“Nós dependemos de enfermeiros internacionalmente qualificados para ir de encontro às nossas necessidades de pessoal, e não estamos a receber nenhuns”, explicou Glenda Alexander, representante da Organização de Enfermeiros da Nova Zelândia”, à Reuters. “Os neozelandeses não estão a entrar em enfermagem porque são afastados pela carga de trabalho e baixos salários”, avisou. “Os enfermeiros estão a entrar em burn-out”.

Já no que toca ao setor agrícola, a situação não é muito diferente, tendo levado o Governo neozelandês a permitir uma viagem sem quarentena a trabalhadores sazonais de Samoa, Tonga e Vanuatu, pequenas nações insulares que praticamente não têm tido casos. Mas, de resto, Jacinta Arden tem-se mantido cautelosa, recusando-se a comprometer-se com uma percentagem concreta de população vacinada a partir da qual poderia reabrir de novo as fronteiras.

Não que alguma vez tenha sido fácil imigrar para a Nova Zelândia, mesmo antes da covid-19 – o país tem um sistema de imigração por pontos, onde escolhe que imigrantes quer, com base nas suas qualificações, idade, fluência em inglês, se têm uma oferta de emprego à sua espera ou não, e quanto ganhará nesse emprego. Agora, a estimativa é que só o ano passado mais de 55 mil estudantes e trabalhadores imigrantes qualificados tenham saído do país sem regressar, segundo o Guardian.

 

A calma saiu caro

Países como a Nova Zelândia ou a vizinha Austrália, que não passaram pelo pior da pandemia, não tiveram a mesma pressa que países como Portugal, onde se vacinou para conter surtos em curso, para salvar vidas no sentido mais imediato. Por cá, mesmo após uma significativa dificuldade na obtenção de fornecimento de vacinas, mais de 60% da população já está completamente imunizada, enquanto a Austrália não chegou aos 30% da população, e a Nova Zelândia mal passou dos 20%.

Os australianos estão a pagar bem cara essa demora. Em 2021, as infeções de covid-19 registadas no país mal batiam as dezenas, até que em junho uma falha no sistema de quarentena – suspeita-se que o primeiro caso tenha sido um condutor de uma limusina, infetado quando levava um viajante até ao hotel onde ia fazer quarentena, avançou a BBC – permitiu à variante Delta furar as defesas da Austrália, causando centenas de casos diários desde então, com a população de novo obrigada a usar máscara, manter o distanciamento e a confinar.

“Olhando para a Austrália, em vez de nos sentirmos sortudos por não estar nessa posição, é o mesmo sentimento que viver numa rua onde a tua casa está bem mas a do vizinho está a arder”, comparou Arden, numa entrevista ao site neozelandês Stuff, esta semana – aliás a bolha de viagens que a Nova Zelândia mantinha com a Austrália, livre de quarentena, teve de ser suspensa. “A realidade é que isto não vai desaparecer, e é difícil. É difícil para os negócios que precisam de pessoas. E é difícil para as pessoas que precisam de ver os seus amigos e familiares”.