A existência de dois surtos graves de infecção em lares portugueses, em Almodôvar e Proença-a-Nova, em ambos os casos com vítimas mortais, faz lembrar os piores tempos da Covid-19 em Portugal em que se sucediam os surtos nos lares, com muitas perdas de vidas a lamentar, não tendo o país sido capaz de preparar uma estratégia de protecção adequada dos seus cidadãos mais vulneráveis. As recentes notícias de que a protecção imunitária conferida pelas vacinas pode desaparecer ao fim de seis meses, especialmente no caso dos cidadãos mais idosos, justifica que se pondere imediatamente a administração nos lares de uma terceira dose da vacina, como já foi decidido por Israel em relação aos maiores de 60 anos.
Não se compreende, por isso, a hesitação do Governo que, pela voz do secretário de Estado da Saúde, referiu que não se deveria “abrir expectativas em relação a algo que ainda não está sobre a mesa”, uma vez que “precisamos de robustez científica, precisamos de dados devidamente consolidados e só depois podemos ouvir os nossos organismos técnicos, nomeadamente, a DGS e depois, em conformidade com as decisões tomadas com o órgão técnico, podermos planear e actuar”.
Este, infelizmente, corresponde a um padrão comum em Portugal na gestão da pandemia, que já levou ao adiamento de decisões necessárias, e a decisões absolutamente contraditórias. Basta recordar que em 15 de Janeiro de 2020, a DGS dizia que não havia “grande probabilidade de o vírus chegar a Portugal” e que “mesmo na China, o surto foi contido”. Em Março de 2020, a DGS recomendava que não se usasse máscaras, porque davam uma “falsa sensação de segurança”, tendo depois o Parlamento legislado para tornar obrigatório o uso de máscara até na via pública. Em Fevereiro deste ano, a DGS dizia que a vacina da AstraZeneca não era recomendada para os maiores de 65 anos, depois em Abril veio dizer que afinal só os maiores de 60 anos a poderiam receber. E finalmente a DGS hesita em permitir a vacinação dos adolescentes entre os 12 e os 15 anos, quando em todo o mundo já está a ser praticada, o que inviabiliza a adequada preparação do novo ano lectivo, a um mês do seu início.
Todas estas hesitações, avanços e recuos foram naturalmente muito prejudiciais na preparação do país para enfrentar e debelar a pandemia, quando noutros países se tomam as precauções adequadas logo que surge o mínimo risco. Veja-se, por exemplo, o recente caso de Macau, que decidiu testar toda a sua população depois de ter descoberto quatro casos da variante Delta no território, felizmente com resultados integralmente negativos. Esta medida de precaução até pode ter sido injustificada, mas permitiu tranquilizar a população e tomar as medidas adequadas para a contenção do vírus, evitando que este circulasse no território.
Em Portugal, depois da enorme tragédia que já se verificou nos lares portugueses, seria impensável que o país não adoptasse todas as medidas necessárias para proteger os nossos idosos. Se de facto se verifica que a vacina deixa de fornecer a adequada imunização ao fim de seis meses, então a administração de uma terceira dose tem que passar a estar sobre a mesa. O país não pode deixar que se repita a gravíssima situação que já ocorreu nos lares portugueses.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990