Até então, acreditava-se que a cidade inca de Machu Picchu, no sul do Peru, tinha sido construída por volta do ano 1440/1450. Agora, um estudo realizado por uma equipa de arqueólogos americanos, liderados pelo professor de antropologia da Universidade de Yale, EUA, Richard Burger, dá uma reviravolta na história, concluindo que aquele que é um dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo, é 20 anos mais antigo do que os registos históricos apontam. As conclusões do estudo foram publicadas na passada terça-feira, 3 de julho, na revista académica Antiquity e resultaram de uma investigação de datação por radio carbono.
UMA NOVA DESCOBERTA
Richard Burger e a sua equipa usaram a espectrometria de massa com aceleradores (AMS) para a datação dos restos mortais humanos recuperados durante o início do século XX no famoso complexo do imperador inca, Pachacuti, localizado na face leste da Cordilheira dos Andes, que revelaram que a localidade foi ocupada, aproximadamente entre 1420 e 1530 (ano em que se deu a conquista espanhola). Através desta datação por radio carbono, os arqueólogos alcançaram datas muito mais precisas sobre a sua história, desde o momento das primeiras conquistas de Pachacuti (uma parte importante da expansão do Império Inca na América pré-colombiana): “Esta nova data não só ajuda a estabelecer a antiguidade da cidade, mas também a entender outras conquistas incas”, explicaram os arqueólogos ao canal americano CNN. Além disso, os responsáveis pela descoberta elucidaram que a técnica AMS pode datar ossos e dentes que contenham até mesmo “pequenas quantidades de material orgânico”, expandindo o reservatório de resíduos adequados para análises científicas.
No estudo, foram analisadas amostras humanas de 26 indivíduos recuperados de quatro cemitérios diferentes em Machu Picchu em 1912, durante escavações lideradas pelo professor de Yale Hiram Bingham III, que havia “redescoberto” o local nesse mesmo ano.
De acordo com o estudo, os corpos foram enterrados sob pedras, penhascos salientes ou cavernas rasas, selados com paredes de alvenaria. Com eles, haviam também outros objetos de sepultura, como cerâmicas e alfinetes de bronze e prata para xale. Os ossos e dentes utilizados na análise provavelmente pertenceriam a “criados” ou “assistentes” que foram designados aos governantes e, o facto dos restos mortais mostrarem poucos indícios de envolvimento em “trabalhos físicos pesados”, tal como a construção, adiantam que estes talvez pertencessem ao período em que o local era utilizado como um “palácio de campo”. Segundo Richard Burger, “é o primeiro estudo baseado em evidências científicas que fornece uma estimativa da fundação de Machu Picchu e da duração de sua ocupação”.
O QUE NOS DIZIA A HISTÓRIA?
Até ao momento, os historiadores baseavam as suas teorias nos registos feitos pelos conquistadores espanhóis, depois da sua chegada ao “Novo Mundo”. As fontes históricas, datam por isso, a invasão espanhola ao Peru e indicam que Pachacuti tomou o poder em 1438 d.C. e posteriormente conquistou o vale do baixo Urubamba, onde Machu Picchu está localizada. Com base nesses registos, os especialistas estimavam que o local havia sido construído depois de 1440 d.C., e talvez até 1450 d.C., dependendo de quanto tempo levou até Pachacuti dominar a região e construir o palácio de pedra.
O teste de AMS indica que a linha do tempo histórica é imprecisa. “Até agora, as estimativas da antiguidade de Machu Picchu e da duração de sua ocupação baseavam-se em relatos históricos contraditórios escritos por espanhóis no período após a conquista espanhola”, salientou Burger, o professor de antropologia na Faculdade de Artes e Ciências da Universidade Yale. “Este é o primeiro estudo baseado em evidências científicas que fornece uma estimativa da fundação de Machu Picchu e da duração de sua ocupação, dando-nos uma imagem mais clara das origens e da história do local”, defendeu.
A descoberta sugere então que Pachacuti, cujo reinado orientou os incas no caminho de transformação do maior e mais poderoso império da América pré-colombiana, ganhou poder e começou as suas conquistas décadas antes do que as fontes textuais indicam. “Os resultados sugerem que a discussão sobre o desenvolvimento do Império Inca com base principalmente nos registos coloniais precisa de revisão”, afirmou. “Os métodos modernos de radio carbono fornecem uma base mais sólida do que os registos históricos para a compreensão da cronologia inca”, continuou.
Embora os investigadores estejam cientes das “limitações” da datação por radio carbono, acreditam que esta é mais confiável do que qualquer evidência documental: “Talvez tenha chegado a hora de as evidências de radio carbono assumirem prioridade nas reconstruções da cronologia dos imperadores incas e na datação de sítios monumentais incas como Machu Picchu”, acrescentou.
A “MAGIA” DE MACHU PICCHU
Referenciado como um dos maiores e mais famosos sítios arqueológicos do mundo, Machu Picchu está situado entre duas montanhas. O local é composto por cerca de 200 estruturas de pedra, cujas paredes de granito se mantêm em bom estado, embora os telhados de colmo já tenham desaparecido. Nele podem ser ainda vistas réstias de “divisões” que se acreditam ser restos de uma casa de banho cerimonial, templos, celeiros e aquedutos. Acredita-se que uma delas, conhecida como Cabana do Zelador da Rocha Funerária, tenha sido usada para embalsamar aristocratas mortos.
A REDESCOBERTA DE MACHU PICCHU HÁ 110 ANOS
No dia 24 do mês passado, comemoraram-se os 110 anos da redescoberta de Machu Picchu, pelo explorador americano Hiram Bingham III, que encontrou as ruínas históricas no topo de uma montanha e o anunciou ao mundo. “Será que alguém acreditará no que encontrei aqui?”, escreveu Hiram, na altura, no seu diário.
Segundo o jornal britânico Independent, em 2008, Bingham foi financiado pela National Geographic Society e alguns colegas da Universidade de Yale, para uma expedição ao Peru. Após convencer os financiadores, Bingham levou consigo uma vasta equipa, da qual faziam parte geólogos, naturalistas, cirurgiões, topógrafos, engenheiros e assistentes. Por alguns dias, explorou a localidade e, após enfrentar os obstáculos da selva, descobriu um morador local, Melchor Arteaga que, finalmente, lhe deu “a dica crucial para encontrar a cidade”. Depois de lhe pagar, soube que o que procurava estava em cima da montanha.
Segundo o National Geographic, foram necessárias sete horas de caminhada para que o americano se tenha deparado com Machu Picchu (no 12.º dia da viagem). A região estava localizada no topo de uma montanha e escondida no final de uma ponte de troncos (o segundo o lugar mais bem preservado da cultura pré-colombiana). Pela sua grandiosidade, durante muito tempo, Bingham tentou entender a razão pela qual a cidade foi abandonada, mas ainda hoje não se percebe ao certo o porquê. A sua descoberta rendeu-lhe ainda o livro Lost City of the Incas, publicado em 1948, onde o autor e explorador descreve toda a sua expedição peruana e dá a conhecer tudo o que se sabe sobre Machu Picchu, desde a sua origem, à maneira como foi perdida e como finalmente foi descoberta.
A POLÉMICA EM TORNO DE BINGHAM
Mas nem tudo foi maravilhoso. O explorador, ao analisar o local, decidiu levar artefactos, esculturas de pedra e relíquias dos incas para serem analisadas pela Universidade de Yale. Esse ato causou controvérsia, já que as autoridades peruanas exigiram imediatamente a repatriação dos objetos, afirmando que estes nunca foram entregues aos EUA.
Na altura, o especialista foi também considerado uma fraude. Segundo o mesmo jornal, “há quem não dê valor à ‘descoberta’ americana, alegando que Bingham precisou de pagar para saber onde estava a cidade perdida”. Ao mesmo tempo, outros investigadores também se chegaram à frente, reivindicando a descoberta. Como foi o caso de Thomas Payne, um inglês que morou no Peru durante quase cinco décadas e afirmou que não só encontrou Machu Picchu, como disse a Hiram onde é que se situava.
Na década de 1870, veio ainda à tona outra polémica, em torno do engenheiro alemão, Augusto Berns, que supostamente teria registado e roubado a cidade sagrada dos incas. Mas o caso foi arquivado pela Universidade de Yale, que descobriu que o próprio Governo peruano financiou o roubo.
Apesar de todas estas teorias em torno da redescoberta de Machu Picchu, o nome que entrou para a História foi precisamente o de Hiram Bingham III, considerado o responsável oficial por expor a “cidade perdida”.
Em 30 de novembro de 2010, a Universidade Yale e o Governo peruano chegaram a um acordo para a devolução ao Peru dos materiais arqueológicos que Bingham escavou em Machu Picchu. Em 11 de fevereiro de 2011, Yale assinou um acordo com a Universidade Nacional de San Antonio Abad del Cusco estabelecendo o Centro Internacional para o Estudo de Machu Picchu e da Cultura Inca, que se dedica à exibição, conservação e estudo das coleções arqueológicas das escavações de Bingham, em 1912. Todos os restos humanos e outros materiais arqueológicos que foram utilizados no estudo recente da Universidade de Yale, foram devolvidos a Cusco, a antiga capital do Império Inca e mantêm-se conservados no Museu Machu Picchu.