De regresso a Almograve, após o tribalismo mediático


Em Almograve como em tantos outros pontos do território, veja-se o Pinhal Interior dos incêndios de 2017, o tribalismo mediático foi incapaz de gerar respostas imediatas para a realidade das dinâmicas comunitárias mínimas e para os desafios estruturais.


A realidade é uma coisa tramada. Tem a capacidade de se sobrepor aos impulsos e aos vómitos das narrativas que cavalgam a espuma das ondas mediáticas, sem qualquer preocupação realistas com a realidade do quotidiano das pessoas e dos territórios.

É claro que após o furacão mediático em torno do território de Odemira, há respostas que por serem estruturais demoram tempo a concretizar, mas a relevância dos impactos negativos imediatos está bem presente e nenhum dos surfistas de ocasião está preocupado com eles. É o costume. Em todas as ocasiões mediáticas, há sempre quem fale, quem cavalgue a onda, sem estar preocupado com o que permanece após o desligar dos holofotes, na expressão de um quotidiano sempre demasiado afastado das preocupações e das decisões cruciais do poder em Lisboa.

O drama é o de sempre quando estão em causa populações integradas em contexto rural, fora dos grandes centros urbanos e em territórios de baixa densidade, não há nenhuma concretização palpável de alternativa para a vida das pessoas que cá vivem, apenas o fustigar de que não devem prosseguir o caminho que seguiram enquanto em Lisboa se discutiam as reivindicações dos pequenos interesses para viabilizarem Orçamentos de Estado.

E os resultados do mediatismo inconsequente estão à vista na vida concreta de quem dá alento aos 365 dias do ano destes territórios: menos gente e menos atividade económica, logo, menos capacidade de gerar encaixe nestes meses de verão que tornassem a insipiência do resto do ano sofrível.

Uma vez mais sem o  Meo Sudoeste, agora sem o diabolizado ZMAR e com o panorama da habitação disponível e dos estabelecimentos comerciais estagnados, as vendas voltaram a tombar, o ânimo resume-se à máxima “ao menos que haja saúde” e  a comunidade entra na espiral depressiva que nenhuma beleza do território por si só compense.

Se o país quer ser um pouco mais que Lisboa, o Litoral e os recantos dos interesses parciais que os partidos colocam em cima da mesa aquando de cada negociação do Orçamento de Estado ou de qualquer outro instrumento financeiro de modulação da realidade, tem de encontrar forma de assegurar sustentabilidade aos 365 dias destas comunidades e dos seus territórios.

Não se pode limitar a proibir, a condicionar ou a ignorar como faz há demasiado e não hesita quando tem uma oportunidade de conquistar um tempinho mediático por conta de qualquer situação concreta que, por ação ou por omissão, ajudou a construir.

Não pode acordar estremunhado para as violações de direitos, liberdades e garantias, porque o exercício político tem de ser informado e consciente da realidade a que se destina, além das clientelas partidárias e eleitorais, dos nichos temáticos e de outras extravagâncias alheias ao interesse geral e aos equilíbrios de bom senso, tolerância e sentido de coesão nacional.

Em Almograve como em tantos outros pontos do território, veja-se o Pinhal Interior dos incêndios de 2017, o tribalismo mediático foi incapaz de gerar respostas imediatas para a realidade das dinâmicas comunitárias mínimas e para os desafios estruturais. Ultrapassada a fase dos holofotes e da comoção política com uma realidade e de uma tensão que estava aos olhos de todos, perduram os de sempre, os que garantem os mínimos para que determinadas partes do território nacional sejam uma espécie de pátio do recreio da escola da vida urbana e do centralismo. Tem sido assim, mas não pode persistir, contando apenas com o esforço dos autarcas para contrariar uma dinâmica avassaladora negativa. Boa parte da sementeira da extrema-direita no território nacional radica na perceção de abandono da população em relação ao poder central e da incapacidade de o Estado assumir uma ação consequente perante as realidades concretas, na prevenção, na coesão e na fiscalização.

O problema é que mesmo os resilientes nestes territórios começam a revelar sinais de cansaço e a ter a perceção da insustentabilidade da situação no futuro, razão maior para prestar anualmente o tributo a quem como o senhor Carlos do talho, o senhor Caetano do restaurante Lavrador ou o senhor Manuel do peixe ainda vão dando alma a um território que, em Lisboa e para alguns partidos, só não deve dar problemas nem ser notícia para que tudo flua de acordo com a ordem vigente. E, entretanto, o país definha, em gente e na gente que está no território fora dos grandes centros urbanos do Litoral. É o que continuam a dizer os Censos, como se fosse preciso um inquérito nacional para constatar a falta de senso nacional das opções político-partidárias na abordagem à demografia e à coesão territorial. Esta gente precisa de mínimos e de sustentabilidade nos 365 dias do ano.

 

NOTAS FINAIS

OMELETES QUASE SEM OVOS. É a sina do desporto nacional, além do futebol. A participação olímpica em Tóquio foi a melhor de sempre, a cada medalha de qualquer quilate, os políticos exultam com os feitos de portugueses excecionais para depois se reconfigurarem ao distanciamento da realidade diária da preparação, da formação e da competição nas diversas modalidades. Elogiam os resultados, cortam nos apoios como acontece com as federações, num quadro de grande dificuldade presente e para o futuro, quando a formação e a competição nesses patamares estiveram interrompidas devido à pandemia. Vamos andar anos a pagar esta fatura.

OMELETES SEM OVOS. Ainda sobre os Olímpicos, é inacreditável o que se passou em torno dos medalhados. Há uma parte que resulta do ambiente populista gerado pela extrema-direita e pelo exercício político em torno de cidadãos portugueses não nascidos em território nacional, mas há outra que teve palco em espaços institucionais e na estação de televisão pública, paga com o dinheiro dos contribuintes, que não pode nem deve ficar impune, apesar do silêncio invulgar da turba dos indignados do costume. O que se passou com Pedro Pablo Pichardo é inaceitável. Os comentários e os silêncios. O racismo e a xenofobia não podem ser de geometria variável.

SEM OVOS. O esforço nacional de vacinação é assinalável. O essencial dos resultados resulta dos profissionais de saúde no terreno, da existência de vacinas para distribuir em fluxos determinados pelo exterior, da capacidade de alocar as mesmas ao território e do apoio de muitos autarcas ao processo. Agora é inaceitável o que se está a passar com alguns jovens de 18 e 19 anos que fizeram auto-agendamento a 28 de julho para 4 de agosto, ficaram à espera do SMS de confirmação e a 8 de agosto ainda não sabem quando serão vacinados. Se não tinham vacinas ou se a prioridade passou a ser a vacinação dos 16 e 17 anos no fim de semana de 14 de agosto, porque criaram a expectativa a uma das gerações mais dinâmicas no dia-a-dia?

Escreve à segunda-feira


De regresso a Almograve, após o tribalismo mediático


Em Almograve como em tantos outros pontos do território, veja-se o Pinhal Interior dos incêndios de 2017, o tribalismo mediático foi incapaz de gerar respostas imediatas para a realidade das dinâmicas comunitárias mínimas e para os desafios estruturais.


A realidade é uma coisa tramada. Tem a capacidade de se sobrepor aos impulsos e aos vómitos das narrativas que cavalgam a espuma das ondas mediáticas, sem qualquer preocupação realistas com a realidade do quotidiano das pessoas e dos territórios.

É claro que após o furacão mediático em torno do território de Odemira, há respostas que por serem estruturais demoram tempo a concretizar, mas a relevância dos impactos negativos imediatos está bem presente e nenhum dos surfistas de ocasião está preocupado com eles. É o costume. Em todas as ocasiões mediáticas, há sempre quem fale, quem cavalgue a onda, sem estar preocupado com o que permanece após o desligar dos holofotes, na expressão de um quotidiano sempre demasiado afastado das preocupações e das decisões cruciais do poder em Lisboa.

O drama é o de sempre quando estão em causa populações integradas em contexto rural, fora dos grandes centros urbanos e em territórios de baixa densidade, não há nenhuma concretização palpável de alternativa para a vida das pessoas que cá vivem, apenas o fustigar de que não devem prosseguir o caminho que seguiram enquanto em Lisboa se discutiam as reivindicações dos pequenos interesses para viabilizarem Orçamentos de Estado.

E os resultados do mediatismo inconsequente estão à vista na vida concreta de quem dá alento aos 365 dias do ano destes territórios: menos gente e menos atividade económica, logo, menos capacidade de gerar encaixe nestes meses de verão que tornassem a insipiência do resto do ano sofrível.

Uma vez mais sem o  Meo Sudoeste, agora sem o diabolizado ZMAR e com o panorama da habitação disponível e dos estabelecimentos comerciais estagnados, as vendas voltaram a tombar, o ânimo resume-se à máxima “ao menos que haja saúde” e  a comunidade entra na espiral depressiva que nenhuma beleza do território por si só compense.

Se o país quer ser um pouco mais que Lisboa, o Litoral e os recantos dos interesses parciais que os partidos colocam em cima da mesa aquando de cada negociação do Orçamento de Estado ou de qualquer outro instrumento financeiro de modulação da realidade, tem de encontrar forma de assegurar sustentabilidade aos 365 dias destas comunidades e dos seus territórios.

Não se pode limitar a proibir, a condicionar ou a ignorar como faz há demasiado e não hesita quando tem uma oportunidade de conquistar um tempinho mediático por conta de qualquer situação concreta que, por ação ou por omissão, ajudou a construir.

Não pode acordar estremunhado para as violações de direitos, liberdades e garantias, porque o exercício político tem de ser informado e consciente da realidade a que se destina, além das clientelas partidárias e eleitorais, dos nichos temáticos e de outras extravagâncias alheias ao interesse geral e aos equilíbrios de bom senso, tolerância e sentido de coesão nacional.

Em Almograve como em tantos outros pontos do território, veja-se o Pinhal Interior dos incêndios de 2017, o tribalismo mediático foi incapaz de gerar respostas imediatas para a realidade das dinâmicas comunitárias mínimas e para os desafios estruturais. Ultrapassada a fase dos holofotes e da comoção política com uma realidade e de uma tensão que estava aos olhos de todos, perduram os de sempre, os que garantem os mínimos para que determinadas partes do território nacional sejam uma espécie de pátio do recreio da escola da vida urbana e do centralismo. Tem sido assim, mas não pode persistir, contando apenas com o esforço dos autarcas para contrariar uma dinâmica avassaladora negativa. Boa parte da sementeira da extrema-direita no território nacional radica na perceção de abandono da população em relação ao poder central e da incapacidade de o Estado assumir uma ação consequente perante as realidades concretas, na prevenção, na coesão e na fiscalização.

O problema é que mesmo os resilientes nestes territórios começam a revelar sinais de cansaço e a ter a perceção da insustentabilidade da situação no futuro, razão maior para prestar anualmente o tributo a quem como o senhor Carlos do talho, o senhor Caetano do restaurante Lavrador ou o senhor Manuel do peixe ainda vão dando alma a um território que, em Lisboa e para alguns partidos, só não deve dar problemas nem ser notícia para que tudo flua de acordo com a ordem vigente. E, entretanto, o país definha, em gente e na gente que está no território fora dos grandes centros urbanos do Litoral. É o que continuam a dizer os Censos, como se fosse preciso um inquérito nacional para constatar a falta de senso nacional das opções político-partidárias na abordagem à demografia e à coesão territorial. Esta gente precisa de mínimos e de sustentabilidade nos 365 dias do ano.

 

NOTAS FINAIS

OMELETES QUASE SEM OVOS. É a sina do desporto nacional, além do futebol. A participação olímpica em Tóquio foi a melhor de sempre, a cada medalha de qualquer quilate, os políticos exultam com os feitos de portugueses excecionais para depois se reconfigurarem ao distanciamento da realidade diária da preparação, da formação e da competição nas diversas modalidades. Elogiam os resultados, cortam nos apoios como acontece com as federações, num quadro de grande dificuldade presente e para o futuro, quando a formação e a competição nesses patamares estiveram interrompidas devido à pandemia. Vamos andar anos a pagar esta fatura.

OMELETES SEM OVOS. Ainda sobre os Olímpicos, é inacreditável o que se passou em torno dos medalhados. Há uma parte que resulta do ambiente populista gerado pela extrema-direita e pelo exercício político em torno de cidadãos portugueses não nascidos em território nacional, mas há outra que teve palco em espaços institucionais e na estação de televisão pública, paga com o dinheiro dos contribuintes, que não pode nem deve ficar impune, apesar do silêncio invulgar da turba dos indignados do costume. O que se passou com Pedro Pablo Pichardo é inaceitável. Os comentários e os silêncios. O racismo e a xenofobia não podem ser de geometria variável.

SEM OVOS. O esforço nacional de vacinação é assinalável. O essencial dos resultados resulta dos profissionais de saúde no terreno, da existência de vacinas para distribuir em fluxos determinados pelo exterior, da capacidade de alocar as mesmas ao território e do apoio de muitos autarcas ao processo. Agora é inaceitável o que se está a passar com alguns jovens de 18 e 19 anos que fizeram auto-agendamento a 28 de julho para 4 de agosto, ficaram à espera do SMS de confirmação e a 8 de agosto ainda não sabem quando serão vacinados. Se não tinham vacinas ou se a prioridade passou a ser a vacinação dos 16 e 17 anos no fim de semana de 14 de agosto, porque criaram a expectativa a uma das gerações mais dinâmicas no dia-a-dia?

Escreve à segunda-feira