O país real não é animador


Uma análise realista das nossas circunstâncias não permite grandes otimismos, se o país não mudar totalmente de rumo.


1. Os dados preliminares do recenseamento nacional confirmam o que já se sabia: somos cada vez menos. Em 10 anos, desapareceram 400 mil portugueses nativos (ou seja cerca de 0,4% ao ano). O saldo da imigração corrigiu sensivelmente metade. Perdemos, portanto, cerca de 200 mil habitantes no território nacional. Nada disto é estranho. Assim como também não é a circunstância da migração interna para o litoral se acentuar sistematicamente. O despovoamento da província e dos Açores tem dezenas de anos. Já vem do tempo da outra senhora com a emigração em massa para a Europa e para as colónias, nos anos 60. Já em democracia, as crises sucessivas foram outro fator para as saídas, nomeadamente dos que chamamos a geração mais bem preparada de sempre. A realidade do Censos permite constatar também o gigantesco desequilíbrio populacional e de desenvolvimento entre o litoral e o interior. É a prova acabada que falharam as políticas de fixação de gente no interior, apesar de sucessivos governos e autarquias terem proclamado supostos projetos destinados reverter a situação. Nada funcionou. O Portugal profundo e distante do litoral pode ser pitoresco, pode ter coisas muito boas, pode chamar estrangeiros avant-garde, pode ter projetos fotovoltaicos gigantes, agricultura intensiva, mas não é atrativo para os portugueses. Em regra, tudo o que estiver a mais de 50 quilómetros do mar está desertificado, tem pessoas mais velhas, mais pobres, com problemas de toda a espécie e com escassos meios de assistência de saúde e apoio social. Poucos conseguem sobreviver por lá com qualidade de vida. Contra factos não há argumentos. A litoralização está para durar.

2. Os países são o que são e estão onde estão. É a estúpida da geografia, como diria alguém. Nós, portugueses, constatamos sistematicamente que estamos a ser ultrapassados por nações do Leste ou dos Bálticos, recém-chegadas à União Europeia, onde já estamos formalmente desde janeiro de 86. Algumas delas nem existiam no tempo da URSS. O progresso desses estados é tão óbvio como a nossa estagnação ou crescimento incipiente. Esta divergência vai continuar, apesar da ‘‘bazuca’’. Portugal será, tendencialmente, como sempre foi, o país mais pobre e mais periférico da Europa. Só quando nos virámos para o mar é que as coisas se alteraram significativamente. Foi um tempo de glória que durou 200 anos, uma insignificância em termos históricos. Muitos comentadores citam os países bálticos para termo de comparação, tendo-os como exemplo de desenvolvimento. Esquecem, normalmente, que são estados que têm uma situação geográfica propícia, com vizinhos riquíssimos. Além disso, têm um potencial de disciplina e de estudo que nós, portugueses e latinos, não tivemos, não temos e provavelmente nunca teremos. Estar no Báltico e ter os escandinavos à mão de semear (Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia) e uma enorme Rússia como mercado nas costas é diferente de ter como pontos de comércio imediatos nações espanholas como a Galiza, a Estremadura ou a Andaluzia, todas elas objetivamente pobres. O vizinho mais desenvolvido e interessante em termos económicos é Castela e Leão, que nos serve mais de passagem para a Europa do que de outra coisa qualquer. Houve um tempo não muito recuado em que o Portugal democrático procurou, e de algum modo conseguiu, sair do seu colete de forças geográfico. Foi nos anos 80, com o apoio de uma então CEE que realmente ajudou. Hoje, a União tem mais que fazer e dá sinais recorrentes de estar farta de nos aturar. Teremos de ser nós a descobrir novas opções, fazendo das fraquezas forças. Simplesmente, com as circunstâncias que temos do ponto de vista político (falta de visão e liderança), económico (falta de empresários e investidores), social (falta de qualificação, população dependente do Estado e envelhecida), judicial (corrupção e justiça lenta), administrativo (Estado burocrático e demorado), parece uma missão absolutamente impossível diminuir a tendência para ficarmos em último, penúltimo ou (vá lá!) antepenúltimo da UE. Este é, obviamente, um retrato pessimista. Mas venha alguém com os discursos otimistas e os projetos/promessa de há 10/15/20 anos e compare-se com a realidade. Sonhámos alto, mas concretizámos pouco. Portugal é, historicamente, o ponto mais pobre da Europa, da mesma forma que Marrocos é um dos mais ricos de África. A nossa geografia é uma condicionante. Deve-se combatê-la, investindo nas pessoas, numa verdadeira internacionalização, abrindo parcerias com novos mercados (Ásia e Oriente não exclusivamente chinês) captando investimento, desenvolvendo projetos ágeis, indústrias inovadoras ou centros de investigação, além, claro, do inevitável turismo. Para tanto, aligeirando a burocracia e a fiscalidade de uma vez por todas. Esse desígnio exige planificação e estratégia, não tendo o retorno rápido das operações especulativas que destruíram as poucas empresas e instituições minimamente portuguesas que ainda tínhamos há 20 anos. O primeiro problema está evidentemente na óbvia falta de capacidade e de visão das nossas elites, pouco dadas a rasgos.

3. A análise das listas coligadas PSD/CDS/ mais uns quantos permite tirar conclusões que não abonam as capacidades de alguns negociadores sociais-democratas. Em Lisboa, o PSD cedeu ao CDS a Assembleia Municipal, o segundo e o quinto lugar na vereação a apoiantes de Rodrigues dos Santos, quando os centristas estão moribundos, balcanizados e quando os acertos de contas internos se sucedem e se agravarão após as eleições, infernizando a governação local. Esta cedência ao CDS sucedeu também em zonas chave de Lisboa, com a entrega de assembleias de freguesia. A prática marsupial de transportar na bolsa um CDS pequenino ocorreu também em Cascais. Já em Sintra Baptista Leite não deu aos centristas o topo na lista da Assembleia Municipal, como sempre acontecia. A escolha recaiu sobre o histórico António Capucho, um símbolo do PSD. Voltando a Lisboa, assinale-se a dinâmica de campanha do regressado Daniel Gonçalves, candidato nas Avenidas Novas. Sucedem-se apoios, de Bagão Félix a Dias Ferreira. Gonçalves já liderou a freguesia e deixou obra, totalmente descurada por quem lhe sucedeu.

4. Zeca Afonso e os seus inolvidáveis Vampiros são sempre atuais. Veja-se: em poucos dias a mulher de Cabrita foi nomeada para a suculenta autoridade dos transportes, de seguida o papá Boaventura e respetivo filhote foram indicados para o Conselho Nacional de Ética (logo esse!). E como se não bastasse, o não católico, bloquista e vereador da Câmara de Lisboa, José Sá Fernandes, foi promovido a coordenador das Jornadas Mundiais da Juventude, o maior evento católico internacional do mundo. Realmente eles comem tudo e não deixam nada.

Escreve à quarta-feira