Libertados ou talvez não?


Estamos presos ao sistema e em demasiados casos ligados à máquina, sem que os protagonistas percebam que é preciso ir mais além do imediato e explicar tudo com transparência.


Parece que ao dia de hoje estamos mais libertos, rumo à “libertação total da sociedade” anunciada pelo primeiro-ministro. O conceito, tal como o desígnio, é um disparate total, mas faz parte da forma de estar na política efabulação constante, pouco preocupado com os impactos sucedâneos e colaterais das opções e das ações presentes.
Não há nenhuma libertação total quando os pressupostos de retoma das dinâmicas estão dependentes de testes ou certificados digitais e ainda bem.

Da mesma forma que nunca houve prisão total, verdadeiramente nunca há libertação total, desde logo porque o exercício da minha liberdade individual deve ter sempre em conta as esferas de liberdade dos outros. É esse um sentido basilar do exercício individual integrado numa comunidade, mas não, prefere-se passar a ideia de que vai ser possível fazer tudo o que fazíamos, aditivado pela ânsia de normalidade acumulada e pelos receios consolidados da vida em comunidade.

Não há mesmo nenhuma libertação total quando estamos rodeados de realidades que cativam o bom senso, os pressupostos básicos do Estado de Direito, os contribuintes e o respeito pelos pilares da vida em comunidade. Desde logo, o funcionamento da justiça, cada vez mais arbitrária, nas mãos de supostas autoridades morais configuradas para quererem ir muito mais além da mera aplicação do direito, que convivem bem com arguidos que reiteram os atestados gerais de estupidez aos portugueses, como acontece com os alegados sinais de demência de Ricardo Salgado enquanto passeia na Sardenha ou com disfunções do sistema judicial corporativo como é evidenciado por um juiz negacionista armado em Dartacão que insulta tudo e todos.

Estamos presos ao sistema e em demasiados casos ligados à máquina, sem que os protagonistas percebam que é preciso ir mais além do imediato e explicar tudo com transparência, sem contemplações com os interesses particulares.

O país, com a ajuda de alguns media, das redes sociais e de alguns interesses presentes na sociedade, entrou numa deriva de higienização, de politicamente correto, mas aos solavancos, com dois pesos e várias medidas, sem ter em conta que, por essa via, ainda gera mais queixume popular, degradação do ambiente geral e oportunidades para os populistas, divergentes da afirmação dos pilares democráticos.

Querem saber a velocidade dos carros dos ministros, mas convivem bem com as violações do segredo de justiça, desde que sirva para vender jornais e não envolva ninguém da sua órbita. Não se importam de violar a privacidade dos visados ou de respeitar mínimos pelo alegado bem maior de informar, mas amofinam quando eles próprios estão sujeitos a impulsos similares.

Não há nenhuma libertação quando o exercício político e a participação cívica são deficitários no rigor, na exigência e no escrutínio a que se deviam estar obrigados. Falta racional em muito do que se vê e não há explicação linear. Sendo certo que, como diz Daniel Innerarity, não há respostas simples para realidades complexas, não assegurar o mínimo de racional, de explicação e de envolvimento é meio caminho andado para os alheamentos, as incompreensões e os aprisionamentos.

Não estamos libertos de uma governação assente na falta de visão estratégica, esgotada em alguns aspetos e setores; de uma oposição quase inexistente e inconsequente na salvaguarda do interesse geral; de opções políticas que sufocam os contribuintes e os que querem fazer; e de expressões mediáticas e cívicas que desqualificam o ambiente geral de cansaço.

A sociedade portuguesa pós-Cavaco e pós-troika distendeu, descomprimiu e ganhou um ânimo que está a esvair-se por caminhos que misturam o cansaço pandémico com a irritação com o exercício política, as opções e as injustiças, na forma sentida ou percecionada. Perpassa um sentimento negativo que poderá ter expressão na degradação do ambiente geral, mas ter também expressões eleitorais, com impactos nas opções de governação das comunidades locais.

Não é despiciendo ter eleitos comprometidos com a construção de soluções ou ter autarcas que sublinham os problemas, reivindicam, sacodem a água do capote ou pulverizam a realidade com respostas que são inexequíveis no quadro de um Estado de Direito Democrático. O problema é que o ambiente geral, mesmo com muitos anúncios governamentais resultantes da bazuca, pode ter consequências nas eleições autárquicas, com relevância para as comunidades locais. 

O Governo não corre nenhum risco político nas autárquicas, tal é a vantagem atual do PS, mas as comunidades locais correm e os seus eleitos também, mas isso é coisa menor para os instalados de circunstância no poder central. Aliás, essa perceção de uma certa impunidade espelha-se em algumas listas de candidatos em que as regras democráticas de sempre, o pluralismo e a diversidade de opiniões foram decapitadas.

Portugal reforçou na pandemia a perceção de que o contributo individual é fundamental para o todo. Não há e nunca haverá uma “libertação total da sociedade”, porque não há libertação total em sociedade, porque existem várias esferas de liberdade individual e há mínimos de respeito a observar nas interações comunitárias. Aliás, por diversas ocasiões nos últimos anos, a troco da sobrevivência política e das negociações com parceiros da solução governativa, as nossas esferas de liberdade individual foram objeto de bullying e continuam a sê-lo em muitas áreas, da justiça aos impostos nos combustíveis. Não nos venham, portanto, com conversas de “libertação total” que não existem na vida em comunidade.

Notas finais

Heróis do mar. Queremos resultados excecionais com pouco investimento. É assim nos Jogos Olímpicos como na vida. Por exemplo, a Federação Portuguesa de Andebol, liderada pelo Miguel Laranjeiro, que tem feito um trabalho excecional, viu as verbas para este ano serem cortadas pelo Estado. E o problema não é só de sustentação quando são atletas feitos, é nos escalões de formação e em todo o território nacional. O drama é que a pandemia ainda descalçou mais a base do trabalho que apresentamos, a formação. Vai ter consequências e não estão a ser mitigadas, mas queremos resultados.

Não se governam, nem se deixam governar. A morte de Otelo sublinhou a natureza da nação. Não consegue encontrar base de entendimento em relação ao passado, mas também não o faz em relação ao futuro. E no caso do luto nacional, como em tantas outras questões, só há questão porque não há critério, é tudo arbitrário, dependente dos estados de alma de quem governa.

Mil novecentos e troca o passo. Portugal tem um problema sério de ausência de visão estratégica de futuro e de desfasamento dos modelos de organização em relação à realidade. É quase tudo estático na organização quando a realidade é dinâmica. Há regras da organização eleitoral, das campanhas e do tempo eleitoral completamente ultrapassadas, da publicitação da obra feita ao dia de reflexão.

Libertados ou talvez não?


Estamos presos ao sistema e em demasiados casos ligados à máquina, sem que os protagonistas percebam que é preciso ir mais além do imediato e explicar tudo com transparência.


Parece que ao dia de hoje estamos mais libertos, rumo à “libertação total da sociedade” anunciada pelo primeiro-ministro. O conceito, tal como o desígnio, é um disparate total, mas faz parte da forma de estar na política efabulação constante, pouco preocupado com os impactos sucedâneos e colaterais das opções e das ações presentes.
Não há nenhuma libertação total quando os pressupostos de retoma das dinâmicas estão dependentes de testes ou certificados digitais e ainda bem.

Da mesma forma que nunca houve prisão total, verdadeiramente nunca há libertação total, desde logo porque o exercício da minha liberdade individual deve ter sempre em conta as esferas de liberdade dos outros. É esse um sentido basilar do exercício individual integrado numa comunidade, mas não, prefere-se passar a ideia de que vai ser possível fazer tudo o que fazíamos, aditivado pela ânsia de normalidade acumulada e pelos receios consolidados da vida em comunidade.

Não há mesmo nenhuma libertação total quando estamos rodeados de realidades que cativam o bom senso, os pressupostos básicos do Estado de Direito, os contribuintes e o respeito pelos pilares da vida em comunidade. Desde logo, o funcionamento da justiça, cada vez mais arbitrária, nas mãos de supostas autoridades morais configuradas para quererem ir muito mais além da mera aplicação do direito, que convivem bem com arguidos que reiteram os atestados gerais de estupidez aos portugueses, como acontece com os alegados sinais de demência de Ricardo Salgado enquanto passeia na Sardenha ou com disfunções do sistema judicial corporativo como é evidenciado por um juiz negacionista armado em Dartacão que insulta tudo e todos.

Estamos presos ao sistema e em demasiados casos ligados à máquina, sem que os protagonistas percebam que é preciso ir mais além do imediato e explicar tudo com transparência, sem contemplações com os interesses particulares.

O país, com a ajuda de alguns media, das redes sociais e de alguns interesses presentes na sociedade, entrou numa deriva de higienização, de politicamente correto, mas aos solavancos, com dois pesos e várias medidas, sem ter em conta que, por essa via, ainda gera mais queixume popular, degradação do ambiente geral e oportunidades para os populistas, divergentes da afirmação dos pilares democráticos.

Querem saber a velocidade dos carros dos ministros, mas convivem bem com as violações do segredo de justiça, desde que sirva para vender jornais e não envolva ninguém da sua órbita. Não se importam de violar a privacidade dos visados ou de respeitar mínimos pelo alegado bem maior de informar, mas amofinam quando eles próprios estão sujeitos a impulsos similares.

Não há nenhuma libertação quando o exercício político e a participação cívica são deficitários no rigor, na exigência e no escrutínio a que se deviam estar obrigados. Falta racional em muito do que se vê e não há explicação linear. Sendo certo que, como diz Daniel Innerarity, não há respostas simples para realidades complexas, não assegurar o mínimo de racional, de explicação e de envolvimento é meio caminho andado para os alheamentos, as incompreensões e os aprisionamentos.

Não estamos libertos de uma governação assente na falta de visão estratégica, esgotada em alguns aspetos e setores; de uma oposição quase inexistente e inconsequente na salvaguarda do interesse geral; de opções políticas que sufocam os contribuintes e os que querem fazer; e de expressões mediáticas e cívicas que desqualificam o ambiente geral de cansaço.

A sociedade portuguesa pós-Cavaco e pós-troika distendeu, descomprimiu e ganhou um ânimo que está a esvair-se por caminhos que misturam o cansaço pandémico com a irritação com o exercício política, as opções e as injustiças, na forma sentida ou percecionada. Perpassa um sentimento negativo que poderá ter expressão na degradação do ambiente geral, mas ter também expressões eleitorais, com impactos nas opções de governação das comunidades locais.

Não é despiciendo ter eleitos comprometidos com a construção de soluções ou ter autarcas que sublinham os problemas, reivindicam, sacodem a água do capote ou pulverizam a realidade com respostas que são inexequíveis no quadro de um Estado de Direito Democrático. O problema é que o ambiente geral, mesmo com muitos anúncios governamentais resultantes da bazuca, pode ter consequências nas eleições autárquicas, com relevância para as comunidades locais. 

O Governo não corre nenhum risco político nas autárquicas, tal é a vantagem atual do PS, mas as comunidades locais correm e os seus eleitos também, mas isso é coisa menor para os instalados de circunstância no poder central. Aliás, essa perceção de uma certa impunidade espelha-se em algumas listas de candidatos em que as regras democráticas de sempre, o pluralismo e a diversidade de opiniões foram decapitadas.

Portugal reforçou na pandemia a perceção de que o contributo individual é fundamental para o todo. Não há e nunca haverá uma “libertação total da sociedade”, porque não há libertação total em sociedade, porque existem várias esferas de liberdade individual e há mínimos de respeito a observar nas interações comunitárias. Aliás, por diversas ocasiões nos últimos anos, a troco da sobrevivência política e das negociações com parceiros da solução governativa, as nossas esferas de liberdade individual foram objeto de bullying e continuam a sê-lo em muitas áreas, da justiça aos impostos nos combustíveis. Não nos venham, portanto, com conversas de “libertação total” que não existem na vida em comunidade.

Notas finais

Heróis do mar. Queremos resultados excecionais com pouco investimento. É assim nos Jogos Olímpicos como na vida. Por exemplo, a Federação Portuguesa de Andebol, liderada pelo Miguel Laranjeiro, que tem feito um trabalho excecional, viu as verbas para este ano serem cortadas pelo Estado. E o problema não é só de sustentação quando são atletas feitos, é nos escalões de formação e em todo o território nacional. O drama é que a pandemia ainda descalçou mais a base do trabalho que apresentamos, a formação. Vai ter consequências e não estão a ser mitigadas, mas queremos resultados.

Não se governam, nem se deixam governar. A morte de Otelo sublinhou a natureza da nação. Não consegue encontrar base de entendimento em relação ao passado, mas também não o faz em relação ao futuro. E no caso do luto nacional, como em tantas outras questões, só há questão porque não há critério, é tudo arbitrário, dependente dos estados de alma de quem governa.

Mil novecentos e troca o passo. Portugal tem um problema sério de ausência de visão estratégica de futuro e de desfasamento dos modelos de organização em relação à realidade. É quase tudo estático na organização quando a realidade é dinâmica. Há regras da organização eleitoral, das campanhas e do tempo eleitoral completamente ultrapassadas, da publicitação da obra feita ao dia de reflexão.