Não obstante os esforços dos comercializadores de electricidade para informar os consumidores quanto à origem das diversas parcelas que integram o total da factura, a explicação, longa de várias páginas, não é completa. Os comercializadores procuram fazer boa figura junto dos clientes, tornando claro que a factura integra impostos de que são cobradores em nome do Estado. Percebe-se o esforço mas o mesmo não está completo. Para além do IVA e do Imposto Especial sobre o Consumo (IEC), na componente de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), há taxas e taxinhas (a taxa de exploração da Direcção Geral de Energia e Geologia e a Contribuição para o Audiovisual, o novo nome da velhinha taxa da televisão).
De fora da factura ficam os elementos de cabalística financeira cuja explicação exigiria muitas mais folhas. O preço integra a obrigação fixada pela União Europeia para os produtores de electricidade de compensarem as emissões de gases com efeito de estufa (a tonelada de carbono está a custar mais de 50 euros e uma central térmica de ciclo combinado a gás natural emite em média 350 kg de CO2 por cada MW produzido). O preço da electricidade inclui também os custos das opções políticas tomadas no passado (o favorecimento das renováveis e a protecção, reconhecida pelo legislador e concretizada pelo regulador, dos contratos de aquisição de energia dos produtores incumbentes), poeticamente referidos como “custos de interesse económico geral” (CIEG). Estes custos são vertidos para tarifas com adesão à realidade do sistema eléctrico nacional, nomeadamente a tarifa de uso geral do sistema (TUGS), suportada por todos os consumidores por via do preço da electricidade.
Em cada ano fiscal o preço da electricidade tem elementos de valor pré-definido (IVA, ISP, taxas, taxinhas) e variável (TUGS, preço do carbono e da matéria-prima: gás natural e biomassa, tendo quase desaparecido o fuelóleo, estando a ser feito o phase out do carvão e não incluindo na equação a energia nuclear importada, cujos custos têm uma contabilização problemática e a amortização das infra-estruturas alocadas às renováveis (hídrica, eólica, solar).
Estando a OPEP+ a conseguir cartelizar a produção de hidrocarbonetos, os respectivos preços não param de subir e deverão continuar em alta até ao final do ano. O mercado de carbono foi objecto de uma intervenção legislativa por parte da UE destinada a aumentar os preços, que passaram de 20 para 50 euros por tonelada. A combinação destes dois elementos tem feito oscilar os preços do MW em Portugal e Espanha em torno dos 98 euros, quando a previsão da ERSE apontava para 49 euros.
Por Espanha o Governo decidiu proteger os consumidores e suprimiu o IVA no consumo de electricidade. A ministra da Transição Ecológica também propôs restringir, via UE, a subida do preço do carbono. Não vejo por Bruxelas grande apetite por esta iniciativa mesmo que limitada ao exclusivo do acesso dos produtores de emissões ao mercado de carbono (afastando a financeirização e a especulação). Teresa Ribera também quer modificar o mecanismo nacional de formação marginal de preços, onde a oferta mais cara aceite fixar o preço final para todos os produtores (e a oferta mais cara é, por estes dias e também em Portugal, a das centrais a gás natural, necessárias para a estabilidade da rede).
Admitindo que o Governo português não pode abrir mão do IVA sobre a electricidade, fica a curiosidade em saber o que pensa dos projectos espanhóis, que, a serem concretizados, redefinirão o mercado ibérico de electricidade.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990