Surf Adaptado. Onda de superação

Surf Adaptado. Onda de superação


“Nós não queremos saber se é difícil, apenas se é possível!”. Esta é a mensagem da SURFaddict, associação que concretiza sonhos e fabrica sorrisos as pessoas com deficiência.


Nuno Vitorino fundou, em 2012, a SURFaddict – Associação Portuguesa de Surf Adaptado – com o objetivo de proporcionar a pessoas com deficiência física ou outra uma experiência de surf, sempre acompanhada por monitores com competências específicas. Não há barreiras físicas nem cadeira de rodas que impeçam de apanhar uma onda, basta aparecer na praia! 

Tetraplégico desde os 18 anos, Nuno Vitorino, atual campeão europeu de surf adaptado e ex-nadador paralímpico, quer mudar mentalidades, facilitar a inclusão social e proporcionar bem-estar físico e mental a pessoas com deficiência. Ao logo de nove anos de atividade, os voluntários da associação levaram mais de sete mil pessoas com deficiência ao mar, são muitas e muitas as histórias de superação. As pessoas que pretendam ter essa experiência podem consultar o programa de atividades no site www.surfadaptado.pt ou nas redes sociais Instagram surfaddict_oficial e www.facebook.com/SurfAdaptadoPortugal.

A presença nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004 influenciou-o a criar a SURFaddict?

Essa participação foi o princípio de tudo. Deu-me maior visibilidade, tornei-me um empreendedor social e moldou-me o caráter, fiquei mais resiliente e responsável. O reconhecimento é bom, mas mais importante é saber que posso fazer alguma coisa com significado na vida das pessoas. Essa é a minha medalha. Estavam lá profissionais que ganhavam muito dinheiro a fazer desporto, e outros atletas, caso dos portugueses – pessoas com dificuldade em arranjar emprego e para quem o final do mês é difícil – que eram tão bons ou melhores do que os outros. Em condições de igualdade muito dificilmente alguém nos ganha. 

De que forma a Associação Portuguesa de Surf Adaptado faz as pessoas felizes?

O surf adaptado é muito mais do que colocar pessoas com deficiência dentro de água, proporciona sorrisos e alegria a quem queira estar connosco. Queremos que as pessoas experimentem o surf e que as famílias tenham um dia diferente, para isso deslocamo-nos às praias de norte a sul do país e ilhas onde realizamos as nossas atividades. Qualquer pessoa pode participar, só tem que aparecer na praia. Além disso, temos o Polo Surf Terapêutico, em Carcavelos, onde seis pessoas fazem uma recuperação ativa da sua patologia usando o mar, e o Polo Experimentação, em Matosinhos, nestes dois casos é necessário fazer marcação porque temos menos recursos. No período pré-pandemia, realizávamos cerca de 250 ações por ano, e queremos voltar a esse número. 

Que mensagem pretendem passar?

Nós não queremos saber se é difícil, apenas se é possível. Focamos o nosso discurso e as ações nos aspetos positivos. Passei por fases traumáticas, estive muito tempo no hospital, e com isso aprendi a valorizar a vida. Digo às pessoas com deficiência para se concentrarem nas suas capacidades e não nas incapacidades. A principal barreira não está na parte física, está na mente.

Têm apoios para manter a atividade ao longo do ano? 

A associação nasceu para servir e não cobramos nada aos participantes. Por essa razão, só conseguimos realizar as ações com o apoio dos patrocinadores e das autarquias, em especial da Câmara Municipal de Cascais. 

O desporto é uma mais-valia para as pessoas com deficiência? 

Toda a prática desportiva é muito importante porque essas pessoas têm menos oportunidades. Além disso, a atividade física torna a pessoa mais confiante, resiliente e dá-lhe a noção de que tendo um objetivo pode alcançá-lo se trabalhar. O querer e a determinação prolongam-se por toda a sua vida. A componente da concentração e responsabilidade é igualmente importante. Para uma pessoa que tem deficiência ir buscar a prancha, vestir o fato, estar atento ao mar e arrumar o material quando a atividade acaba ajuda a criar rotinas e a ganhar confiança para enfrentar o dia-a-dia. Há o caso de uma rapariga que melhorou as notas na universidade desde que está connosco porque está mais concentrada e confiante. Digo-lhe muitas vezes que ela é capaz [de surfar] onde os colegas sem deficiência são incapazes. É fantástico o efeito que o desporto tem nas pessoas com deficiência.

Socialmente é importante utilizar o termo adequado quando nos referimos a pessoas com incapacidade? 

É bastante importante. Não há pessoas deficientes, a expressão é pejorativa, nem portadoras de deficiência, como também não há invisuais, há pessoas cegas. O termo correto para todas as situações é pessoa com deficiência, esse é o termo usado pela OMS.

Há situações marcantes que justificam a existência da SURFaddict?

São muitas as histórias de resiliência, algumas emocionantes, que são a razão de existir da associação. Há uma que me marca muito de um miúdo introvertido e com deficiência que tinha medo da água. Falámos com ele, foi para a beira-mar ver as outras pessoas a surfar, e depois de entrar na água já não queria sair, foi o cabo dos trabalhos para o tirar de lá. Tivemos também um rapaz com trissomia 21, que não falava há dez anos, depois da morte do pai. Colocámo-lo na água e quando conseguiu surfar de joelhos começou a gritar “Eu consegui! Eu consegui!”, a mãe desatou a chorar. Temos também pessoas que não mexem as pernas e fazem surf com ondas de dois metros. Tentamos sempre puxar as coisas para o lado do sorriso e da superação, mas, às vezes, há muitas noites mal dormidas…

A SURFaddict foi a primeira associação de surf adaptado na Europa e é uma história de sucesso. Ainda há objetivos por concretizar?

Claro que sim. Quero ser o próximo Campeão do Mundo de Surf Adaptado. Estava nos Estados Unidos para concretizar esse desafio quando foi declarada a pandemia e tivemos que vir embora. Dentro da associação, o que estamos a fazer é bom, mas não é o suficiente. Queremos ter meios para alargar as nossas ações. Queremos ter equipas em todas as praias durante o Verão, e dar formação durante o Inverno. Queremos dar significado à vida das pessoas.