Paz quente


Acredito que há um corredor estreito de oportunidade para que a paz quente seja um trajeto compatível com a evolução para uma globalização sustentável.


O mundo evoluiu nas últimas décadas de uma situação de guerra fria para um contexto de paz quente. Em ambas as circunstâncias o risco de catástrofe e destruição global apenas são contidas pela paralisia do terror e pela perceção da impossibilidade de haver um vencedor, mas muitas coisas mudaram. 

Em primeiro lugar a guerra fria configurava uma fratura, com blocos bem definidos e com lideranças reconhecidas, enquanto a guerra quente se afigura mais a uma amálgama, com alianças variáveis e construídas de forma volátil para cada circunstância ou potencial conflito. Em segundo lugar, à catástrofe bélica juntou-se outro risco global que pode conduzir a uma situação sem vencedor; o aquecimento climático.

As circunstâncias antes descritas tornam mais complexas as análises das dinâmicas geopolíticas que por estes dias se vão disseminando. Muitas dessas análises ainda não ultrapassaram as ferramentas conceptuais da fratura, estabelecendo dicotomias entre agrupamentos de potências em que a China e a Rússia ora funcionam como variáveis determinantes, ora se instituem como pilares estruturantes. 

Como observador, profundo defensor das vantagens do multilateralismo e da interdependência, e tendo em conta a importância agregadora que pode ter o desafio climático, acredito que há um corredor estreito de oportunidade para que a paz quente seja um trajeto compatível com a evolução para uma globalização sustentável.

Para isso é necessário que a complexidade do contexto gere uma resposta política de igual complexidade, na linha de pensamento do filósofo político Daniel Innerarity, que considera que a simplicidade dos conceitos políticos que continuamos a aplicar ignoram a complexidade crescente em que a nossa sociedade se desenvolveu (Uma Teoria da Democracia Complexa – Ideias de Ler – 2021.

Como é que isso se pode traduzir na prática? Fomentado as redes de interdependência múltipla, em que para além das alianças políticas base que sempre existirão, se desenvolvam também alianças científicas, económicas ou tecnológicas setoriais de geometria variável, criando um intrincado de dependências que impeçam a emergência de vencedores globais, salvaguardem as condições de vida no planeta e a sua biodiversidade e promovam o combate às desigualdades e a defesa dos direitos humanos.

A necessidade de concertação pelo clima poderá ser neste contexto uma forte alavanca para uma modernização e transformação social em rede, induzindo fortes parcerias científicas, tecnológicas e económicas. 

Obviamente que nestas minhas deambulações sobre o que há de vir me interrogo bastas vezes sobre se a democracia também será uma emanação natural da paz quente. Gostaria de estar certo de que sim, mas a minha sensibilidade é que o melhor que conseguiremos, dando tudo por ela, é que seja parte forte da identidade de uma das alianças políticas de base. Que se mantenha como uma porta aberta para os povos do mundo e para um tempo desejado em que a guerra deixe de fazer sentido e a paz de precisar de adjetivos. 

Paz quente


Acredito que há um corredor estreito de oportunidade para que a paz quente seja um trajeto compatível com a evolução para uma globalização sustentável.


O mundo evoluiu nas últimas décadas de uma situação de guerra fria para um contexto de paz quente. Em ambas as circunstâncias o risco de catástrofe e destruição global apenas são contidas pela paralisia do terror e pela perceção da impossibilidade de haver um vencedor, mas muitas coisas mudaram. 

Em primeiro lugar a guerra fria configurava uma fratura, com blocos bem definidos e com lideranças reconhecidas, enquanto a guerra quente se afigura mais a uma amálgama, com alianças variáveis e construídas de forma volátil para cada circunstância ou potencial conflito. Em segundo lugar, à catástrofe bélica juntou-se outro risco global que pode conduzir a uma situação sem vencedor; o aquecimento climático.

As circunstâncias antes descritas tornam mais complexas as análises das dinâmicas geopolíticas que por estes dias se vão disseminando. Muitas dessas análises ainda não ultrapassaram as ferramentas conceptuais da fratura, estabelecendo dicotomias entre agrupamentos de potências em que a China e a Rússia ora funcionam como variáveis determinantes, ora se instituem como pilares estruturantes. 

Como observador, profundo defensor das vantagens do multilateralismo e da interdependência, e tendo em conta a importância agregadora que pode ter o desafio climático, acredito que há um corredor estreito de oportunidade para que a paz quente seja um trajeto compatível com a evolução para uma globalização sustentável.

Para isso é necessário que a complexidade do contexto gere uma resposta política de igual complexidade, na linha de pensamento do filósofo político Daniel Innerarity, que considera que a simplicidade dos conceitos políticos que continuamos a aplicar ignoram a complexidade crescente em que a nossa sociedade se desenvolveu (Uma Teoria da Democracia Complexa – Ideias de Ler – 2021.

Como é que isso se pode traduzir na prática? Fomentado as redes de interdependência múltipla, em que para além das alianças políticas base que sempre existirão, se desenvolvam também alianças científicas, económicas ou tecnológicas setoriais de geometria variável, criando um intrincado de dependências que impeçam a emergência de vencedores globais, salvaguardem as condições de vida no planeta e a sua biodiversidade e promovam o combate às desigualdades e a defesa dos direitos humanos.

A necessidade de concertação pelo clima poderá ser neste contexto uma forte alavanca para uma modernização e transformação social em rede, induzindo fortes parcerias científicas, tecnológicas e económicas. 

Obviamente que nestas minhas deambulações sobre o que há de vir me interrogo bastas vezes sobre se a democracia também será uma emanação natural da paz quente. Gostaria de estar certo de que sim, mas a minha sensibilidade é que o melhor que conseguiremos, dando tudo por ela, é que seja parte forte da identidade de uma das alianças políticas de base. Que se mantenha como uma porta aberta para os povos do mundo e para um tempo desejado em que a guerra deixe de fazer sentido e a paz de precisar de adjetivos.