Nikolai Gogol era um daqueles imensos escritores russos maiores do que a Sibéria. Tinha um medo profundo de ser enterrado vivo pelo que dormia sentado na beira da cama, tendo deixado em testamento que, depois de morto, só lhe fizessem o funeral quando estivesse em adiantado estado de decomposição. Uma situação pouco agradável, na verdade. A paranóia tem um nome: tafofobia.
Dostóiveski que, esse sim, esteve enterrado vivo na Sibéria, considerava que todos os escritores russos após Gogol tinham na sua literatura o traço inconfundível de Gogol. Foi em Sampetersburgo que Nikolai conheceu Puschkin que vivia convencido de que iria morrer às mãos de um homem branco e de cabeça branca. Puschkin também foi desterrado, não para a Sibéria mas para o sul, para o Cáucaso e para a Crimeia.
Aleksandr Puschkin foi um escrito e poeta absolutamente maravilhoso, que tanto rabiscava um calembur como um soneto ou uma ode monumental. Acreditava nos demónios e voltava para trás se, pelo seu caminho, se cruzasse um qualquer animal de forma inesperada. Por causa de uma lebre, não chegou a Sampetersburgo no dia da Revolução Dezembrista e safou-se de ir dar com os costados à Sibéria, passando muito do seu tempo de exílio em Chisinau, na Moldávia. “O nosso encontro era sombrio/E ele sorria com o olhar/Cheio de escárnio ao me instilar/Dentro da alma um veneno frio”, escreveu sobre o Demo.
Em Fevereiro de 1837, os comentários maldosos sobre a vida leviana de sua mulher Natalia, dezasseis anos mais nova do que ele, levou-o a desafiar para um duelo um dos supostos amantes dela: o barão George d’Anthés, oficial francês instalado junto da corte russa. O nosso Camilo diria que o barão não era tão parvo como se pensa do título. A bala saída da sua pistola furou o abdómen do poeta que veio a morrer de peritonite.
Foi a enterrar inequivocamente morto, o que provocou um desgosto terrível em Gogol que fez um esforço para terminar a obra que lhe fora sugerida por Aleksandr, Almas Mortas, mas não conseguiu. D’Anthés era branco e tinha cabelos brancos. Não sei porque me lembrei, agora mesmo, desta história. Talvez porque, cada uma no seu canto da sala, as colunas cantassem aos meus ouvidos: “Quand il est mort le poète”. E porque há campos de milho para lá dos arrozais onde podia ser enterrada a sua estrela…