Quis o acaso meteorológico que no dia em que a Comissão Europeia apresentou o seu pacote de medidas para garantir a redução em pelo menos 55% de emissões de gases com efeito de estufa até 2030 (FIT 55) e a neutralidade carbónica até 2050, se tenha iniciado um fenómeno climático extremo que provocou uma precipitação anormal no centro da Europa, em particular na Bélgica e na Alemanha com vasta destruição de património, muitos desalojados, desaparecidos, feridos e cerca de duas centenas de mortos.
Fenómenos climáticos extremos ocorrem cada vez com mais regularidade no planeta. A destruição é maior nas regiões mais pobres e com infraestruturas mais frágeis, mas quando a natureza se descontrola vigorosamente, nem mesmo os territórios mais ricos e desenvolvidos ficam a salvo, como se verificou, entre muitos outros exemplos, com os incêndios nos Estados Unidos e na Austrália, as cheias recorrentes no Japão e como se viu agora com as inundações e derrocadas na Bélgica e na Alemanha.
A pouco mais de dois meses de eleições legislativas, com uma indústria tradicional potente, depois de uma corajosa opção de desistência da exploração das centrais nucleares, mas que em consequência tornou o gás mais estratégico para a transição para as energias limpas, a Alemanha tem estado no centro do debate sobre os impactos económicos e sociais das medidas de descarbonização. Com as tempestades recentes viu-se literalmente no centro de dois furacões interligados. O furacão programático e o furacão climático.
As reduções de emissões que são necessárias não se atingem com medidas cosméticas. A União Europeia foi a primeira potência global a fazer do combate às alterações climáticas uma aposta de sobrevivência necessária, mas ao mesmo tempo uma oportunidade de reposicionamento estratégico global e de modernização e transformação interna. O Acordo de Paris é uma marca de água desta escolha e terá a sua prova de fogo, de passagem das palavras e das medidas simbólicas à ação concreta, na cimeira do Clima de Glasgow a realizar naquela cidade escocesa em novembro deste ano.
Da forma como for concretizado o FIT 55 resultará o crédito ou o descrédito da União Europeia no seu esforço de liderança externa e transformação externa, num quadro em que a adaptação aos impactos pode ser definida numa lógica territorial, mas a mitigação dos efeitos do aquecimento climático não respeita fronteiras.
Não é este o espaço para avaliar os méritos e os riscos das várias medidas que englobam o pacote de descarbonização. Chegámos a um nível de risco em que já não há transição sem dor. O mercado do carbono como instrumento de política pode ser efetivo, mas as experiências recentes de descontrolo especulativo obrigam a ter redobrada atenção.
Como referi no debate com a Comissária da Energia no Parlamento Europeu, a propósito da aplicação do FIT 55, o seu sucesso depende da justiça e da capacidade mobilizadora que tiver. É inaceitável o aumento da pobreza energética em contexto de transição verde. O mesmo se diga da eventual quebra de empregos qualificados. Estamos no centro dos furacões. Temos que usar todos os recursos e todos os saberes de que dispomos, para sairmos da forte borrasca com uma sociedade mais sustentável, mais saudável, mais equilibrada e mais feliz.
Eurodeputado do PS