Fazendo inveja às árvores


Foi então que eu percebi que ia fugindo da infância, mesmo sem querer, porque os passos que dava eram cada vez mais largos. Depois ficaram tão largos que a infância se transformou no país de Saint-Exupéry, esse país onde voltamos de vez em quando para pegar ao colo os meninos que fomos.


A minha avó Cândida tinha um sinal na cara de um tom tão violeta como as flores dos jacarandás. Mas a flor dela ficou-lhe para sempre, enquanto os jacarandás são suficientemente egoístas para se desfazerem das suas flores pouco depois delas nascerem e encherem as ruas de uma cor que não existe se não nas profundezas da nossa imaginação. Há muitas cores que não existem: apenas as inventamos. Depois convencemo-nos da verdade da nossa criação e agarramo-nos a ela como a um ramo quebradiço da infância. Havia muitas flores roxas pelo chão da minha infância.

No Funchal, por exemplo, na Avenida do Infante. Eu e o Luís Sá Pereira ficávamos horas a tentar apanhar moscas nas vidraças do Golden Gate enquanto os nossos pais se entretinham em conversas infinitas porque esse tempo era um tempo de cafés e de conversas infinitas. O ritual repetia-se, durante as férias, em, Águeda, no Café Moderno, em Campo d’Ourique, no Meu Café ou no Ruacaná. Mas aí sem moscas. Já não era preciso esperar pelo fim das conversas dos adultos como quem espera que caiam as folhas dos jacarandás.

Foi então que eu percebi que ia fugindo da infância, mesmo sem querer, porque os passos que dava eram cada vez mais largos. Depois ficaram tão largos que a infância se transformou no país de Saint-Exupéry, esse país onde voltamos de vez em quando para pegar ao colo os meninos que fomos. “Ils viennent du bout du monde/Apportant avec eux/Des idées vagabondes/Aux reflets de ciels bleus”, cantava Aznavourian e eu sei precisamente onde me encontrar se tiver uma vontade súbita de falar comigo mesmo sob o reflexo tão azul de céus infinitos que quase cegam de tanto brilho. Não sei porque me lembro de tanta coisa que para nada me serve. Mas sei porque me lembro da flor de jacarandá cair devagarinho sobre a face de pergaminho da minha avó Cândida e ficar ali, para sempre, a fazer inveja às árvores…


Fazendo inveja às árvores


Foi então que eu percebi que ia fugindo da infância, mesmo sem querer, porque os passos que dava eram cada vez mais largos. Depois ficaram tão largos que a infância se transformou no país de Saint-Exupéry, esse país onde voltamos de vez em quando para pegar ao colo os meninos que fomos.


A minha avó Cândida tinha um sinal na cara de um tom tão violeta como as flores dos jacarandás. Mas a flor dela ficou-lhe para sempre, enquanto os jacarandás são suficientemente egoístas para se desfazerem das suas flores pouco depois delas nascerem e encherem as ruas de uma cor que não existe se não nas profundezas da nossa imaginação. Há muitas cores que não existem: apenas as inventamos. Depois convencemo-nos da verdade da nossa criação e agarramo-nos a ela como a um ramo quebradiço da infância. Havia muitas flores roxas pelo chão da minha infância.

No Funchal, por exemplo, na Avenida do Infante. Eu e o Luís Sá Pereira ficávamos horas a tentar apanhar moscas nas vidraças do Golden Gate enquanto os nossos pais se entretinham em conversas infinitas porque esse tempo era um tempo de cafés e de conversas infinitas. O ritual repetia-se, durante as férias, em, Águeda, no Café Moderno, em Campo d’Ourique, no Meu Café ou no Ruacaná. Mas aí sem moscas. Já não era preciso esperar pelo fim das conversas dos adultos como quem espera que caiam as folhas dos jacarandás.

Foi então que eu percebi que ia fugindo da infância, mesmo sem querer, porque os passos que dava eram cada vez mais largos. Depois ficaram tão largos que a infância se transformou no país de Saint-Exupéry, esse país onde voltamos de vez em quando para pegar ao colo os meninos que fomos. “Ils viennent du bout du monde/Apportant avec eux/Des idées vagabondes/Aux reflets de ciels bleus”, cantava Aznavourian e eu sei precisamente onde me encontrar se tiver uma vontade súbita de falar comigo mesmo sob o reflexo tão azul de céus infinitos que quase cegam de tanto brilho. Não sei porque me lembro de tanta coisa que para nada me serve. Mas sei porque me lembro da flor de jacarandá cair devagarinho sobre a face de pergaminho da minha avó Cândida e ficar ali, para sempre, a fazer inveja às árvores…