Marilyn Manson. Da escuridão no palco ao pesadelo na vida

Marilyn Manson. Da escuridão no palco ao pesadelo na vida


É uma das figuras mais controversas da música. Transformou os seus palcos e videoclipes em filmes de terror e agora todos têm sido transportados para a vida real. 


Acusações de violência doméstica, abusos sexuais, agressões psicológicas, torturas e consumo de drogas… Há muito tempo que Marilyn Manson se encontra no centro de várias polémicas, lendas e mitos que, não só lhe têm manchado a carreira, como têm vindo a confirmar o que muitos suspeitavam: há alguma coisa que não está certa nesta figura considerada o “anticristo do rock”.

 

O mandado de captura

Em maio a polícia do estado americano de New Hampshire, Nova Inglaterra, tornou público um mandado de prisão contra o cantor relacionado com acusações de agressão. O artista, de 52 anos, foi acusado de duas “agressões simples” que envolveram um produtor de vídeos durante um concerto em Gilford em 2019. Nessa altura, em comunicado, a polícia revelou que o cantor e os seus agentes “já tinham conhecimento do mandato há algum tempo”, mas que Manson nada tinha feito para responder às acusações. O departamento da polícia de Gilford adiantou também que cada acusação acarreta uma possível sentença de prisão de menos de um ano e uma multa de até 1630 euros (2000 dólares).

À estação de televisão afiliada da ABC licenciada para Manchester, New Hampshire, WMUR-9, o chefe de polícia de Gilford, Anthony Bean Burpee, explicou, dias mais tarde, que tinha sido realizado um acordo entre as autoridades de New Hampshire e o advogado de Manson, Howard King, para que o cantor se entregasse… Mas só agora, passados dois meses, é que Manson o decidiu fazer. Na sexta-feira passada, 2 de julho, entregou-se voluntariamente em Los Angeles e essa atitude levou o juiz encarregue do caso a decretar a sua liberdade, de forma condicionada. O cantor foi libertado poucas horas depois sob fiança, aguardando agora julgamento em New Hampshire.

 

Abusos sexuais e perversões

Este mandado de prisão que acabou por se tornar público é apenas a última questão legal de uma lista crescente de acusações contra Marilyn Manson. Segundo a revista norte-americana, The Hollywood Reporter, Manson também está a ser investigado pelo Departamento do Xerife do Condado de Los Angeles por acusações de violência doméstica.

Essas alegações vieram à tona depois da atriz Evan Rachel Wood, uma das suas ex-companheiras, ter quebrado o silêncio relativamente à relação abusiva que de que tinha sido vítima durante o período em que esteve com o artista. Em 2018, a também ativista testemunhou perante um Subcomité Judiciário da Câmara em defesa da adoção de mais estados à Declaração de Direitos dos Sobreviventes de Violência Sexual. “A minha experiência com violência doméstica acarretou abuso mental, físico e sexual tóxico. Começou devagar, mas aumentou ao longo do tempo. Sofri ameaças, vários abusos e lavagens cerebrais de um homem que afirmava amar-me, abusando de mim” revelou, embora não tenha mencionado o autor do crime.

No ano seguinte, Wood continuou a apoiar a causa, testemunhando desta vez perante legisladores da Califórnia em nome do Phoenix Act, legislação que alterou o estatuto de limitações para crimes envolvendo violência doméstica.

Mais recentemente, nas suas redes sociais, a atriz decidiu revelar o nome do seu agressor, mencionando Manson: “Ele começou a ‘preparar-me’ enquanto eu era adolescente e abusou terrivelmente de mim durante anos. Fui submetido a uma lavagem cerebral e fui manipulada até à submissão. Cansei-me de viver com medo de retaliação, calúnia ou chantagem”, explicou a artista que se envolveu com Manson quando tinha 18 anos e ele 36, acrescentando que ficaria do lado “de todas as vítimas que acabassem por quebrar o silêncio”. E foi exatamente isso que aconteceu. Em demonstração de solidariedade, várias outras mulheres publicaram as suas acusações contra Manson, detalhando experiências angustiantes que afirmam incluir agressão sexual, abuso psicológico e / ou várias formas de coerção, violência e intimidação.

A cantora norte-americana de 37 anos, Phoebe Bridgers, afirmou que o cantor lhe falou de um “quarto de violação” que possuía em sua casa, chegando a visitá-lo quando era adolescente. Em abril, a atriz Esmé Bianco da série ‘Game of Thrones’, alegou que o cantor lhe ofereceu oportunidades de trabalho fraudulentas e usou “força e ameaças de força” para conseguir o que queria. Seguiram-se então as histórias contadas pelas modelos Sarah McNeilly e Ashley Lindsay Morgan, da artista Gabriela Accarino, da atriz Jenna Jameson, da estilista Love Bailey e inclusive a sua própria ex-assistente, Ashley Walters, que o processou por alegada agressão sexual.

 

Destruição da carreira

A partir daí, o cantor tem enfrentado uma rápida queda na sua carreira. A sua agência, Creative Artists Agency,  confirmou em Fevereiro à revista Vanity Fair que o deixou como cliente; a sua produtora, Loma Vista Records, anunciou que também havia “cortado os laços” com o artista. Para além de músico, Manson possui uma longa carreira como ator que também está agora em causa: uma fonte da CAA disse à revista Vanity Fair que Manson não seria mais seu cliente; Starz anunciou a retirada do ator do seu episódio na série American Gods e um porta-voz da AMC Networks, que o havia destacado para aparecer numa nova temporada da série de terror, Creepshow, disse que a empresa não passará as imagens de Manson.

Em resposta às alegações relativas aos abusos sexuais, Manson postou uma declaração na sua conta de Instagram, negando todas as afirmações e defendendo que todas os seus “relacionamentos íntimos foram consensuais”.

 

Quem é na verdade Brian Hugh Warner?

O mundo conhece-o pela sua estética gótica, pelas maquilhagens extravagantes, os cenários mórbidos, os comportamentos macabros e os seus olhos de duas cores. Há quem o associe à escuridão, acreditando que este fez um “pacto com o diabo”,  e há quem o compreenda e admire, afirmando que tudo isso não passa do necessário para a criação de “uma personagem”.

Pode parecer paradoxal, mas Brian Hugh Warner, mais conhecido como Marilyn Manson, nasceu no seio de uma família católica em Canton, Ohio, em 1969. Durante toda a sua infância frequentou colégios religiosos seguindo uma educação bastante restrita ancorada nos valores bíblicos. Mas apesar de, desde cedo, Brian ter evitado “todas as tentações das trevas”, o jovem depressa começou a questionar todas as histórias que lhe eram contadas, descobrindo os seus próprios pontos de vista “escuros” e “sombrios”. Apaixonado pela cultura pop, procurou um nome que se adequa-se à “personagem” que desejava criar de si mesmo e inspirado no famoso ícone de beleza Marilyn Monroe e no famoso criminoso, Charles Manson, chegou ao ‘Marilyn Manson’: “Eles representam perfeitamente a leveza da cultura misturada com o lado negro da vida”, explicou o artista em várias entrevistas após ascender às luzes da ribalta.

Antes de músico, Manson era jornalista. Tendo começado por escrever artigos relacionados com música, na revista do Sul da Florida, 25th Parallel, a sua primeira entrevista dada como músico foi realizada por si mesmo, sem que as pessoas o soubessem. Antes do público o conhecer, chegou também a escrever a sua própria biografia com a certeza de que mais tarde todo o mundo o conheceria. As suas principais inspirações musicais incluíam os artistas David Bowie, Prince, Madonna e Alice Cooper e, foi precisamente juntando características dos quatro, que Manson começou a criar a sua própria identidade, começando por pintar o cabelo de preto.

Em 1989 na Florida, junto com o guitarrista Scott Putesky, formou o Marilyn Manson & the Spooky Kids, conhecida mais tarde apenas por, Marilyn Manson. Mas apesar de comporem e fazerem atuações para pequenos públicos, só em 1993 a banda chamou a atenção do produtor Trent Reznor, que iria produziu o seu álbum de estreia um ano mais tarde – Portrait of an American Family. O grupo depressa começou a desenvolver um grande culto em redor dos seus admiradores que “explodiu” com o lançamento de Smells Like Children, o seu segundo álbum em 1995. Esse EP rendeu à banda o primeiro grande sucesso exibido pela MTV com “Sweet Dreams”, um cover do Eurythmics lançado em 1983.

Em 96, Antichrist Superstar (co-produzido por Trent Reznor) foi um sucesso ainda maior, levando Marilyn Manson e sua banda ao sucesso mundial. Depois do terceiro álbum, seguiram-se mais 11, tendo sido o último lançado em 2020.

 

O perigo de Manson  

Manson é muitas vezes chamado de “anticristo do rock” e o motivo é a admiração por Anton LaVey, fundador da Igreja de Satã, que nomeou o cantor como um reverendo honorário, dando-lhe as boas vindas “à Igreja de Satanás”.

Existem muitas fotografias que provam a união dos dois, mas apesar disso, o artista já declarou em várias entrevistas que não é adorador do demónio. Nos primeiros anos de sucesso, a banda chegou a causar bastantes manifestações de comunidades católicas e de pais que o acusavam de influenciar os seus filhos. O caso mais conhecido, foi o Massacre de Columbine, onde os estudantes, Eric Harris e Dylan Klebold mataram a tiro 12 alunos e um professor, em abril de 1999,  na Columbine High School, uma escola no Colorado, nos Estados Unidos. Os dois jovens foram apontados como admiradores das músicas góticas, bandas de metal e “dark music”, e as autoridades chegaram a apontar esse facto como motivação para o atentado e isso quase destruiu a carreira de Marilyn Manson. “Assassinos eram adoradores do maníaco do rock Manson”, ou “O maníaco adorador do demónio disse para crianças matarem”, leu-se em algumas manchetes.

Uma carreira onde “o feitiço se virou contra o feiticeiro” e que deixa a pergunta: será o fim de Marilyn Manson?