José Luís Peixoto: “Foi a poesia que me desencalhou”
José Luís Peixoto foi um dos escritores que mais cedo entrou em contacto com a escura realidade da pandemia da covid-19. Em fevereiro de 2020, participou na última conversa pública com Luís Sepúlveda, o escritor chileno que acabou por ser vitimado pelo vírus. “Colaborava com várias publicações que cessaram esse vínculo ou que me fizeram a proposta de reduzir consideravelmente o pagamento pelo mesmo trabalho. Isto para além do impacto que a situação teve ao nível dos receios ligados à saúde”, conta. O processo criativo também foi impactado pelos consequentes confinamentos e isolamentos, mas nem sempre da pior forma. “No início da quarentena, estava já a trabalhar no romance Almoço de Domingo e, então, senti que não tinha condições para continuar esse trabalho. Então, foi a poesia que me ‘desencalhou’ e comecei a escrever poemas, que acabariam por constituir o livro Regresso a Casa”, revela o escritor. Este livro, confessa, “começou por dedicar-se à própria quarentena, mas passou a ser um livro sobre a ideia de casa, procurando consolo para tudo o que estávamos a viver”.
Alex D’Alva Teixeira: “Houve uma altura de choque em que fomos abaixo”
Vocalista dos D’Alva, Alex Teixeira explica como as limitações da pandemia conduziram a novos modelos de trabalho. “Além dos motivos óbvios, como a redução do número de espetáculos, há uma série de dinâmicas que mudaram de forma drástica. Como não podíamos trabalhar no modo presencial, tivemos de reinventar muitos dos métodos de trabalho”, começa por explicar, dando o exemplo prático do mais recente single da banda, ‘Honesty Bar’. “O processo de fazer esta colaboração foi muito diferente do que poderia ter sido em condições habituais, mas nós aproveitamos estas limitações”. Do ponto de vista psicológico, Alex D’Alva Teixeira revela a sua receita para manter-se ativo durante o confinamento: “O acesso a terapia psicológica, uma alimentação mais saudável e a prática de exercício físico ajudam bastante nesta equação”. “Houve uma altura em que, emocionalmente, as coisas foram um pouco abaixo, mas foi uma questão de me aperceber que este é, de facto, um novo normal”, conclui.
São José Correia: “Fui uma felizarda por ter tido trabalho”
Uma das caras mais conhecidas da televisão nacional, São José Correia considera-se “uma das felizardas” por nunca ter parado de trabalhar durante o período de pandemia. Durante 11 meses consecutivos trabalhou na produção da TVI Bem me Quer. “Portanto, a nível profissional não tive prejuízo”, revela. Contudo, admite que “este novo método de trabalho condicionado” acabou por exigir muito mais de si e dos seus colegas: “Somos uma equipa muito grande, foram muitas as testagens, muito tempo com a máscara (que só tirávamos na maquilhagem e nas gravações), foi muito desgastante. Não existia a possibilidade de ir passear, desanuviar. Era trabalhar e ir para casa…”, descreve. A atriz considera que “o grupo de trabalho excecional, unido, que sempre cumpriu com todas as normas”, foi determinante para a sua saúde mental. Tal como a personagem que interpretou: “A Mercedes é uma personagem tão bonita, tão alegre, tão “estúpida”! E da mesma forma que ela passa alegria para os telespetadores, também me alegrava a mim. Se há alguém a quem eu tenho de agradecer é à Mercedes”, graceja.
Nuno Gonçalves: “Não faz sentido criar música sem palco”
Membro dos The Gift, Nuno Gonçalves explica-nos de que modo a pandemia afetou as suas rotinas profissionais. “Concertos cancelados, a ausência de público e dos aplausos” são as principais mudanças que o músico sentiu com a chegada dos confinamentos. Passou, no início da pandemia, “muito tempo em casa”, com “pouca paciência para ouvir música”. Mas esta nova realidade acabou por espoletar novas formas de se expressar, e de continuar a fazer música. “Pensei numa app para os Gift, e do papel à estreia foram 5 meses”, revela, falando da REV, a aplicação digital desenvolvida pela banda, com conteúdos exclusivos. Musicalmente, Nuno Gonçalves admite achar que “não faz sentido criar música sem palco”. Daí que os isolamentos tenham causado alguma “apatia geral” – a motivação para sentar-se ao piano era pouca. “Não componho sem objetivos, sem que alguma coisa brilhe”, explica. “Criar para uno é quase sempre um exercício de ego, e para levantar o ego brinco com a minha filha”, defende, atribuindo ao REV a responsabilidade pela sua “salvação”.
Pedro Caeiro: “O teatro necessita das pessoas”
Tem dedicado os últimos anos da sua vida ao teatro, às ditas “tábuas de madeira” de onde surgem histórias que nos fazem sentir. “A pandemia impactou a minha vida, tal como todos os outros que não têm a possibilidade de trabalhar em teletrabalho. No teatro é impossível fazê-lo, porque nós lidamos com a presença, com a interação com as pessoas, com o calor e com a proximidade”, nota Pedro Caeiro. E, no seu caso, sentiu-o na pele com os vários espetáculos cancelados ou adiados e vários colegas em isolamento. Apesar de ter beneficiado dos apoios disponibilizados pelo Ministério da Cultura, aponta lacunas no auxílio prestado aos artistas: “Até agora sobrevivi, mas há muitos colegas meus que estão a passar bastante mal silenciosamente. Tenho noção que é uma fase bastante difícil para algumas pessoas, principalmente a nível emocional. Está tudo muito mais frágil e os problemas mentais são doenças aparentemente invisíveis, mas graves”, alerta. Acrescenta que o mais difícil para si foi “gerir a frustração” por, durante tanto tempo, se ter visto impedido de fazer aquilo que mais ama.
Lola Bunny: “A criação de conteúdos online ajudou-me”
Antes da pandemia, a sua segunda casa era a discoteca Trumps, onde atuava durante a noite. Com o encerrar de portas, viu-se obrigada a colocar a sua arte performativa “em pausa”. E conta ao i quais estão a ser as suas maiores dificuldades: “Com a pandemia os estabelecimentos noturnos fecharam portas e de portas fechadas se mantêm, logo, as oportunidades de trabalho são escassas ou mesmo inexistentes”, lamenta aquela que é uma das drag queens mais conhecidas do país. “Isto não aconteceria se a sociedade conseguisse ver a arte drag pelas suas polivalências” e não como um “show noturno”. Desde cabelos, maquilhagem, construção de personagem, dança, música… Segundo a artista, novas oportunidades surgiriam se se rompesse o estigma inerente a esta profissão. Para combater a impotência, tristeza, frustração, continuou a criar conteúdos online “para manter as pessoas informadas que aqui estou e aqui ficarei”. E foi precisamente por essa resiliência que surgiram oportunidades de trabalho no mundo da maquilhagem e do styling. Contudo, interroga: “Mas até quando a arte, a cultura continuará a ser o setor mais afetado?”.
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