Liberté, égalité, fraternité et…?


Não pintou um clima na Constituição francesa. O calculismo dos partidos políticos derrotou o projecto de Macron para um referendo verde.


Pelo hexágono as eleições presidenciais de 2022 não serão monótonas. As de 2017 também não o foram: pela primeira vez durante a V República um presidente não se re-candidatou, o candidato da direita escolhido em eleições primárias sucumbiu aos escândalos dos empregos “em família” e um candidato sem partido (Macron) passou à segunda volta. No plano da normalidade a esquerda dividiu-se, auto-fagocitou-se e o Front National passou à segunda volta. 

Tudo leva a crer que em 2022 estes dois elementos de “normalidade” irão manter-se. As recentes eleições regionais atestaram o absoluto desinteresse dos franceses pela coisa pública eleitoral e permitiram o ressuscitar da direita, com o emergir de um candidato (Xavier Bertrand) com reais possibilidades de passar à segunda volta das presidenciais. Macron corre o risco de se ver obrigado a repetir a prudência de François Hollande e não se re-candidatar. Para o evitar tenta agarrar uma qualquer bandeira que o mantenha à tona nas sondagens. 

A tentativa mais recente passou pelo ensaio de revisão constitucional para incluir no artigo 1º da Constituição de 1958 um manifesto verde: “La République garantit la préservation de l’environnement et de la diversité biologique et lutte contre le dérèglement climatique”. A proposta foi trabalhada numa iniciativa dos movimentos ecologistas, fortemente apoiada pelo Eliseu, a “Convention citoyenne pour le climat” e parecia uma pluma destinada a ser enfiada no chapéu do candidato presidencial Macron.

De revisões a Constituição de 1958 já conta 24, dando fé da imorredoira crença dos franceses nas possibilidades de modificação da realidade pelo recurso à lei escrita. Também o conteúdo da proposta de revisão, no melhor estilo feel good, parecia garantir uma aprovação pacífica.

Os tribunais também ajudavam, em França, na Holanda e até o Tribunal Constitucional alemão, instando em decisões recentes os respectivos Governos a aprovarem medidas destinadas a mitigar os efeitos das alterações climáticas. Macron contava com a aprovação nas duas câmeras do parlamento e, de seguida, propunha-se convocar um referendo de vitória fácil. Um presidente que vencesse um referendo seria um presidente merecedor da re-eleição (o arquétipo gaullista ainda paira sobre a V República).

Hélas non. O Senado, controlado pela direita, propôs várias alterações ao texto, retirando a dimensão garantista e varrendo para debaixo do tapete os custos financeiros associados a uma obrigação de resultado quanto à tutela do ambiente. A revisão constitucional só é possível com o acordo da Assembleia Nacional e do Senado. Esta semana o Primeiro Ministro, temendo a revolta dos ecologistas face a um texto “desnaturado”, constatou o óbito da proposta de revisão constitucional. 

Do ponto de vista político, Macron não arregimentou nem os “verdes” nem a esquerda e cavou mais uma trincheira à direita. Do ponto de vista jurídico, a concretização dos direitos económicos, sociais e culturais pode ser feita por via dos direitos civis e políticos como acontece com a tutela do ambiente no sistema da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. As obrigações assumidas pela República Francesa no plano internacional, desde logo o Acordo de Paris, vinculam, como recordou recentemente o Conseil d’Etat, o Estado francês. 

Por França nada de muito grave aconteceu à tutela do ambiente. Mas o clima ficou mais pesado para Macron.

Liberté, égalité, fraternité et…?


Não pintou um clima na Constituição francesa. O calculismo dos partidos políticos derrotou o projecto de Macron para um referendo verde.


Pelo hexágono as eleições presidenciais de 2022 não serão monótonas. As de 2017 também não o foram: pela primeira vez durante a V República um presidente não se re-candidatou, o candidato da direita escolhido em eleições primárias sucumbiu aos escândalos dos empregos “em família” e um candidato sem partido (Macron) passou à segunda volta. No plano da normalidade a esquerda dividiu-se, auto-fagocitou-se e o Front National passou à segunda volta. 

Tudo leva a crer que em 2022 estes dois elementos de “normalidade” irão manter-se. As recentes eleições regionais atestaram o absoluto desinteresse dos franceses pela coisa pública eleitoral e permitiram o ressuscitar da direita, com o emergir de um candidato (Xavier Bertrand) com reais possibilidades de passar à segunda volta das presidenciais. Macron corre o risco de se ver obrigado a repetir a prudência de François Hollande e não se re-candidatar. Para o evitar tenta agarrar uma qualquer bandeira que o mantenha à tona nas sondagens. 

A tentativa mais recente passou pelo ensaio de revisão constitucional para incluir no artigo 1º da Constituição de 1958 um manifesto verde: “La République garantit la préservation de l’environnement et de la diversité biologique et lutte contre le dérèglement climatique”. A proposta foi trabalhada numa iniciativa dos movimentos ecologistas, fortemente apoiada pelo Eliseu, a “Convention citoyenne pour le climat” e parecia uma pluma destinada a ser enfiada no chapéu do candidato presidencial Macron.

De revisões a Constituição de 1958 já conta 24, dando fé da imorredoira crença dos franceses nas possibilidades de modificação da realidade pelo recurso à lei escrita. Também o conteúdo da proposta de revisão, no melhor estilo feel good, parecia garantir uma aprovação pacífica.

Os tribunais também ajudavam, em França, na Holanda e até o Tribunal Constitucional alemão, instando em decisões recentes os respectivos Governos a aprovarem medidas destinadas a mitigar os efeitos das alterações climáticas. Macron contava com a aprovação nas duas câmeras do parlamento e, de seguida, propunha-se convocar um referendo de vitória fácil. Um presidente que vencesse um referendo seria um presidente merecedor da re-eleição (o arquétipo gaullista ainda paira sobre a V República).

Hélas non. O Senado, controlado pela direita, propôs várias alterações ao texto, retirando a dimensão garantista e varrendo para debaixo do tapete os custos financeiros associados a uma obrigação de resultado quanto à tutela do ambiente. A revisão constitucional só é possível com o acordo da Assembleia Nacional e do Senado. Esta semana o Primeiro Ministro, temendo a revolta dos ecologistas face a um texto “desnaturado”, constatou o óbito da proposta de revisão constitucional. 

Do ponto de vista político, Macron não arregimentou nem os “verdes” nem a esquerda e cavou mais uma trincheira à direita. Do ponto de vista jurídico, a concretização dos direitos económicos, sociais e culturais pode ser feita por via dos direitos civis e políticos como acontece com a tutela do ambiente no sistema da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. As obrigações assumidas pela República Francesa no plano internacional, desde logo o Acordo de Paris, vinculam, como recordou recentemente o Conseil d’Etat, o Estado francês. 

Por França nada de muito grave aconteceu à tutela do ambiente. Mas o clima ficou mais pesado para Macron.