LONDRES – Na estação de Farringdon, na linha de metropolitano de Uxbridge, que nos deixa em Wembley Park, mesmo em frente àquela que ainda tem o nome de Imperial Way, a larga estrada que conduz à porta principal do estádio, embora agora estragada pelos prédios que a ladeiam, carregados de McDonalds, Stabuck’s, Costas e o diabo a quatro e não o espaço vago do qual se contemplavam as mágicas torres do que foi inaugurado em 28 de Abril de 1923 com o pomposo nome de Empire Stadium que o povo resolveu recusar e reduzir simplesmente a Wembley, uma horda de bêbados invadiu as carruagens aos gritos de “En-gre-land! En-gre-land! En-gre-land!”, algo que fazem naturalmente para obviar a menor musicalidade das apenas duas sílabas de England.
O ambiente torna-se frenético. Até pesado. Há um que esmurra com força as janelas para manter o ritmo dos embriagados que o seguem como apóstolos. Insatisfeito com o seu apoio à seleção inglesa, lança-se em cânticos de intuito provocatórios tais como “Scotland is betened wherever it goes”. Os murros na janela provam a segurança que o London Underground aplica nas suas vidraças, mas não vejo em redor nenhum escocês que possa ficar ofendido com os gritos do mamífero – talvez um rapazinho ruivo, tímido, com uma farda de um colégio qualquer – embora estes divirtam muito os seus compinchas. Penso cá para comigo que o berro é idiota, sobretudo se pensarmos que a Escócia foi, precisamente, a única seleção à qual a Inglaterra não ganhou neste Europeu, mas não faço tensões de aludir a este facto. Provocaria, certamente, uma cena de pancadaria, algo muito frequente entre adeptos britânicos, mas que não teria grande graça, pelo menos para mim, tal a desvantagem numérica em que me encontro, cerca de um para cem, ou algo do género.
Não se interprete pelo que digo que me sinto desconfortável. Bem pelo contrário. Sinto-me em casa, como me sinto geralmente em toda a parte, mas em Londres de uma forma especial, tantas foram as vezes que por cá passei. Enquanto a brigada de cavalaria desata a relinchar o inevitável “Football is Coming Home!”, vou prestando atenção à forma como todos estão armados com latas ou garrafas de cerveja e como as vão despejando com uma velocidade impressionante, digna do próprio Gargântua, se se visse metido numa destas. À medida que nos aproximamos da saída de Wembley, Wembley ganha, igualmente, mais uma sílaba: «Wem-ber-ley! Wem-ber-ley! Wem-ber-ley!” Nada os fará calar, embora um ou outro já apresentem uma notável e natural rouquidão. A carruagem estremece e pára. As portas abrem-se e deixo a onda ébria sair em correria pelas escadas que a espera, cantando o hino com a rainha aos saltos pelo caminho.. Não é altura de ter pressa. São quatro horas da tarde, faltam outras tantas para que o Inglaterra-Dinamarca tenha o seu início.
Novos tempos. O novo Estádio de Wembley pode muito bem ser o mais impressionante do mundo pela sua envergadura, mas está longe do charme fascinante, do tal que foi fundado em 1923, com o epíteto de “maior arena do mundo”. Foi construído em 300 dias e custou algo como 750 mil Libras. O jogo que o entregou aos adeptos foi a final desse ano da Taça de Inglaterra, entre o Bolton Wanderers e o West Ham, a final que ficou para a história como “The White Horse Final”. O motivo foi simples: mais de 127 mil pessoas invadiram indiscriminadamente o recinto, ultrapassando largamente a sua capacidade. Numa das fotografias que foi tirada nesse dia, vê-se um polícia, montado num cavalo branco, a tentar afastar os adeptos da sua frente. A foto deu-lhe o nome.
Há vinte cinco anos, nesse outro Wembley, vi os ingleses saírem daqui de monco caído, batidos nas grandes penalidades pelos alemães numa das meias-finais do Europeu de 1996. Não sei se dou azar à equipa dos três leões, mas já a vi perder três meias-finais. Além dessa, a do Mundial da Rússia, em Moscovo, frente à Croácia, e outra em Guimarães, por conta da Holanda, numa noite em que choviam cães e gatos e mais uns poucos de animaizinhos de pequeno porte. Os pinguços do metropolitano foram, entretanto, engolidos por milhares e milhares de bebedolas como eles. Cantam agora, “English we are proud of you”, com a música de Go West dos Pet Shop Boys.
Não há nada que tire o orgulho a um inglês.