Sou uma ilha perdida num mar de jornalistas italianos. Os serviços da UEFA não deviam saber onde me meter neste Europeu que, de todos em que estive, e já lá vão mais de meia-dúzia, foi o que teve um contingente mais curto de malta da imprensa, obviamente também pelas estritas regras do covid impostas, por exemplo, pela Alemanha e pelo Reino Unido. Estão de cadeirinha, como se calcula, já com os olhos postos na final de domingo, e naturalmente a torcerem para que a Dinamarca não os obrigasse a jogarem com os ingleses da casa.
Os dinamarqueses amontoados atrás da baliza sul, mancha vermelha num plano branco, os ingleses a verem-se muito atrapalhados para os fazerem calar, ou para se fazerem ouvir por cima deles. Até que de súbito, mais de 55 mil pessoas entoaram… “touching me/touching you”. E o estádio por inteiro balançou ao ritmo de “Sweet Caroline/Good times never seemed so good/I’ve been inclined/To believe they never would…”
Será que nunca os tempos foram tão bons e não voltaram a ser? A pergunta ficava do lado inglês, 55 anos de frustrações desde 1966. A um passo da segunda final da sua história mais do que centenária, o momento imperdível da oportunidade única.
O ambiente de histeria vindo do público parecia ter sido injectado nas veias dos jogadores. Mais dos ingleses, como seria de esperar. Em breve, os nórdicos procuraram baixar o ritmo do jogo e foram-no conseguindo. O plano desenhou-se à nossa frente de forma perfeitamente adivinhável, para não dizer inevitável: um dos opositores atacava, o outro contra-atacava. Restava agora saber se o contra golpe dos dinamarqueses era suficientemente ameaçador para evitar que os Três Leões caíssem sobre a sua defesa com a voragem própria das feras sanguinárias.
Para já, iam defendendo o mais à frente possível. Mas notava-se que Kane recuava com presteza e se colocava no pouco espaço que haviam entre o meio-campo e a defesa da Dinamarca. Tal como a cerveja que a malta aqui da ilha gosta de beber morna, o jogo perdeu gás. Às tantas dei por mim a recordar-me do Assis Pacheco numa ida à Visita da Cornélia, ter posto numa comédia, um filho a perguntar ao pai: “Ó pai! O que é que vale mais? Um marquês ou um dinamarquês?”
Tenho ideia que o garoto levou um par de bofetadas, mas a pergunta fazia sentido ontem pelas oito e meia da noite. É verdade que uns e outros têm rainha e respectivas cortes, mas na Dinamarca não lhe dão tanto valor, disponíveis para serem mais popularuchos, aos contrário dos ingleses que, esses sim, gostam dos seus condes e duques e marqueses, pois então.
E, de repente Estava eu perdido nestes devaneios quando Damsgaard marcou um livre directo de deixar todos de boca aberta e a babar na camisa. Minuto 30. Um golpe no coração da velha Inglaterra. Resposta soberba, oito minutos depois com Saka a fugir pela direita e a tocar para o golo fácil de Sterling se Kjaer não se antecipasse e metesse a bola na própria baliza. Para não variar neste Euro, tínhamos jogo. E do bom!
O tempo foi passando e as disputas passaram a ser mais repartidas. Em muitos momentos, era a Dinamarca que levava o jogo para o meio-campo inglês, mas no geral o contrário era mais duradouro. Claro que à medida que os ponteiro do relógio andam para a frente ao vejo a vida a andar para trás com a tal complicação dos fechos do jornal que não dão azo a prolongamentos. Restava, portanto, perceber se iríamos ter um vencedor nos 20 minutos que faltavam. O facto é que o equilíbrio assentou.
E começou a perceber-se que só um gesto de audácia poderia desfazê-lo. Mas a audácia comporta riscos e não é no final do jogo que estes são trazidos à superfície. Mesmo sem querer, todos vão pensando, mal por mal, venha o prolongamento.
E o cronista, mais uma vez, pregado no madeiro de não poder concluir a sua crónica. Enquanto marqueses e dinamarqueses lutam pelo lugar que sobra na final de domingo, procuro nas teclas do qwert um sítio onde não cabe um ponto final e apenas reticências…