Combater o calor em pandemia. “Não é preciso inovar nem inventar muito”

Combater o calor em pandemia. “Não é preciso inovar nem inventar muito”


Com o aumento do número de casos ativos diários de covid-19, a proteção do calor pode parecer uma tarefa árdua. No entanto, para o médico Ricardo Mexia, especialista em Saúde Pública, tal é possível “desde que as pessoas mantenham as cautelas”.


Em diversos países, como no Pacífico, os seres humanos lutam pela sobrevivência perante a ocorrência de ondas de calor. O corpo está preparado para regular a temperatura a 37 graus e, quando enfrenta temperaturas elevadas, ocorre um sobreaquecimento do mesmo. No entanto, existem medidas para combater este fenómeno ou, pelo menos, lidar com ele. 

Segundo a Direção-Geral da Saúde, no seu site oficial, existem alguns pontos essenciais que não devemos esquecer na hora de nos protegermos do calor.  Hidratarmo-nos frequentemente, mesmo que não tenhamos sede, bebendo um copo de água a cada hora, torna-se essencial, tal como evitar a exposição solar ou atividades ao ar livre entre as 11h e as 17h.

Por outro lado, devemos manter-nos em lugares frescos com ar condicionado, se tal for possível, e as roupas claras e largas, assim como o chapéus e os óculos de sol, são grandes aliados.

À sua vez, o protetor solar, os alimentos mais frescos, tal como evitar consumir bebidas alcoólicas ou com cafeína – que podem levar à desidratação – e as mudanças bruscas de temperatura são medidas a ter em mente. Também não devemos colocar de parte a necessidade de borrifar a pele com água ou o controlo da temperatura da casa.

Contudo, a medida que pode ser menos consensual prende-se com a permanência em espaços com ar condicionado, como centros comerciais. Como é que poderá ser contornada ou adaptada ao período pandémico? “Há um equilíbrio que tem de ser atingido e enquadrado na atualidade. Por um lado, temos de reduzir o risco de transmissão, mas não queremos que as pessoas corram riscos pelas temperaturas altas”, elucida Ricardo Mexia, médico de Saúde Pública e epidemiologista.

“No exterior, temos menor probabilidade de transmitir a doença, mas atendendo a que as temperaturas podem atingir outros valores, temos de nos proteger. Há espaços com sombra e mais próximos do mar em que esta pode ser mais baixa”, lembra o membro do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge que explora, com particular atenção, a área das doenças transmissíveis, tendo estado envolvido na investigação e controlo de diversos surtos (como o da Doença dos Legionários no Hospital de São Francisco Xavier em 2017).

“Existem pessoas que não se podem deslocar até estes sítios mais arejados e têm de encontrar outras soluções, mas há que referir que há espaços climatizados com temperaturas mais amenas que podem ser frequentados em segurança, a solução passa por evitar os ajuntamentos nos mesmos”, afirma o profissional de saúde responsável pela vigilância epidemiológica de diversos eventos de massas como o Festival BOOM, o Festival Andanças ou o Centenário da Peregrinação a Fátima.

“Na praia, sendo no exterior, a probabilidade de haver transmissão é baixa desde que não haja aglomerações. Mesmo os acessos à praia não se tratam de um fator de risco muito elevado para transmitir a doença. Não me parece problemático desde que as pessoas mantenham as cautelas”, alerta Ricardo Mexia, referindo-se às normas em vigor no âmbito da pandemia, como a manutenção da distância de segurança, a utilização de equipamentos de proteção individual ou a desinfeção regular das mãos. 

Temperaturas máximas elevadas versus ondas de calor de 2020 ”Temos de olhar pelos idosos e pelas crianças com menor idade, pois são aqueles com menor capacidade de se proteger”, apela, indo ao encontro da DGS que, no seu site oficial, pede que, nos períodos de exposição a calor intenso, sejam privilegiados as crianças nos primeiros anos de vida, as pessoas idosas, os portadores de doenças crónicas (nomeadamente doenças cardiovasculares, respiratórias, renais, diabetes, alcoolismo), as pessoas obesas, as pessoas acamadas, as pessoas com problemas de saúde mental, as pessoas a tomar alguns medicamentos, como anti-hipertensores, antiarrítmicos, diuréticos, anti-depressivos, entre outros,., os trabalhadores expostos ao sol e/ou ao calor e as pessoas que vivem em más condições de habitação.

“Não é a primeira vez que vamos ter esta situação. Lidamos tipicamente com temperaturas mais elevadas e acredito que não é preciso inovar nem inventar muito”, conclui, evocando a onda de calor que durou 10 dias, em julho do ano passado, e levou à perda da vida de 396 pessoas, mais 120 do que a média dos dez anos anteriores.

À época, o Nascer do SOL esclareceu que esta informação constava no sistema nacional de Vigilância da Mortalidade (eVM), onde são reportadas em tempo real declarações de óbito, mas não discrimina as causas de morte por doença – uma análise que é feita à posteriori pelo INE e DGS. Ainda assim, a plataforma permite percecionar que o aumento da mortalidade aconteceu sobretudo na população mais idosa, acima dos 85 anos. 

A DGS reforçou os alertas e admitiu, na terceira semana de julho, ao Nascer do SOL, que “a análise dos dados preliminares aponta para um incremento do número de óbitos por todas as causas, em relação à média do quinquénio, no período homólogo». Também a diretora-geral da Saúde adiantou que desde o início de julho e até ao dia 16 foi calculado um excesso de 919 mortes em relação à média dos últimos cinco anos, “quase todos relacionados com dias de intenso calor”. 

Já final de maio de 2020, a DGS tinha associado uma primeira onda de calor a 510 mortes acima do esperado naquela altura do ano. Diversas estações meteorológicas do país registaram esta onda, variando entre 6 e 12 dias, com valores de temperatura máxima do ar superiores a 35 graus em alguns dias.

Naquele mês, em comunicado, o IPMA explicitou que “neste período muito quente”, “em 28 de maio encontravam-se 36 estações meteorológicas em onda de calor com o número de dias a variar entre 6 e 12, abrangendo as regiões do interior Norte e Centro, Lisboa e Vale do Tejo e grande parte da região Sul”.

De acordo com o IPMA, entre os dias 20 e 28 de maio verificaram-se noites tropicais, isto é, com valores de temperatura mínima do ar igual ou superior a 20 graus.