No passado dia 30 de junho, terminou a presidência portuguesa do Conselho da UE.
Importa, a esse respeito, ressaltar a importância dada por Portugal aos planos de digitalização da Justiça a nível europeu e, portanto, também, a nível de cada um dos países que integram a EU.
Na verdade, não é possível desligar os dois planos de intervenção neste domínio, pois a digitalização da justiça europeia depende sempre do que a nível de cada país for possível fazer também.
Isso significa que, a nível nacional, vai ser necessário um investimento considerável de recursos para que o nosso país possa, de facto, integrar-se com êxito no planeamento e na execução prática das medidas que vierem a ser adotadas e concretizadas pelas diversas instituições e agências europeias, no que respeita à digitalização da justiça e dos seus instrumentos de cooperação.
O plano de recuperação e resiliência parece destinar fundos importantes para esse fim e ainda bem.
Só com o funcionamento regular de plataformas digitais destinadas à troca rápida e segura de meios de prova e de pedidos de cooperação – sejam eles os que decorrem dos instrumentos de reconhecimento mútuo, sejam os que, por exemplo, se referem às mais clássicas cartas rogatórias – se poderá acelerar a justiça criminal atual.
Esta, como sabemos, tem, hoje, de atuar em espaços muito mais vastos do que os dos territórios nacionais e da compatibilidade das tecnologias digitais usadas nos diferentes países e da rapidez das traduções dos pedidos e documentos enviados ou solicitados, dependem muito da sua tempestividade, eficácia e credibilidade.
Note-se, a este propósito, porém, que, só no seio da UE, são usados mais de vinte idiomas diferentes, o que exige uma cuidadosa e rigorosa tradução dos documentos trocados e de muitas das legislações existentes nos distintos países.
Todavia, a dinâmica do crime moderno e, por isso, das investigações criminais, não se fecha, agora, apenas no seio das fronteiras da UE.
Esse âmbito é muito mais vasto e, para além do espaço europeu extracomunitário, ele alarga-se a todos os continentes e, por exemplo, só no que, mais diretamente, nos diz respeito, ele inclui as zonas geográficas próximas do Mediterrâneo Sul, as áreas dos países de língua portuguesa e as de todos os da América Latina.
Nesse sentido, foi, também, significativo o empenho da presidência portuguesa na criação e desenvolvimento de projetos de plataformas digitais – compatíveis e complementares com as europeias – em países de continentes e culturas diferentes.
Ainda no final do passado dia 30, se concluiu, em Lisboa, uma conferência para celebrar e incentivar a concretização do Pacto de Medellín, que visa, precisamente, criar uma plataforma digital de cooperação judiciária em matéria criminal que sirva os países da América Latina e os países ibéricos e possa ainda, de futuro, vir a conectar-se com idêntica plataforma em vias de concretização na UE: a e-EDES/e-Codex.
Obviamente, todos estes processos não são simples e lineares e, a nível da UE, provindos de diferentes instituições e departamentos, surgem projetos de plataformas e de bases de dados, que, não sendo totalmente sobreponíveis, abrangem, por vezes, funcionalidades coincidentes.
Refiro-me, no caso, à já citada e-EDES e à plataforma Sirius, para a qual alguns almejam incluir algumas funcionalidades, que poderão tender a fazê-las concorrer entre si.
Acresce que se estudam e, nalguns casos, se criaram já, outras plataformas e bases de dados de acesso autónomo, que, sendo verdadeiramente importantes para acelerar o trabalho das autoridades judiciais, implicam, ainda assim, um ingresso e um processamento distintos dos daquelas plataformas.
Alguma coerência de projetos exigir-se-ia, portanto, a fim de evitar duplicação e dispersão de conhecimentos, esforços e energias de técnicos e utilizadores e, também, dos fundos dos contribuintes europeus.
Tenhamos, todavia, em consideração – e isso parece que na UE nem sempre é evidente – que uma coisa é a comunicação rápida de pedidos e respostas ou de elementos de prova necessários às investigações e outra, bem diferente, é a necessidade de coordenação das investigações que decorrem em diferentes países da Europa, ou fora dela, por parte das autoridades judiciárias que as tutelam.
Para isso, é necessário continuar a investir nas instituições dedicadas a essa relevante função e que tão cedo não haverá possibilidades de substituir, com êxito.
Refiro-me, claro, à Eurojust, que, neste plano de trabalho é, ainda hoje, e num futuro próximo, também, insubstituível.
Tanto mais assim que não parecem curiais e realistas os sonhos dos voluntaristas que julgam poder edificar, de cima para baixo, uma cultura judiciária única e esbater assim, de uma assentada, as barreiras históricas e culturais em que se fundam os diferentes sistemas jurídicos e judiciários existentes no seio da UE e, bem assim, os dos outros países que, com estes, têm de colaborar.
É verdade que o trabalho sereno e mais discreto da Eurojust – assim o desejam, aliás, as autoridades judiciárias nacionais que a ela recorrem – não se presta muito a parangonas de jornais; não é sexy.
Ela não promove, pois, o ego e ambições dos que, circunstancialmente, a nível europeu, assumem responsabilidades várias nesta área.
Todavia, o seu trabalho é, comprovadamente, cada vez mais apreciado pelos procuradores e juízes de instrução europeus e, curiosamente, ou talvez não, pelas autoridades judiciárias extracomunitárias e internacionais.
Di-lo a sempre crescente quantidade de casos e de reuniões de coordenação de investigações criminais que, sob a sua égide, ocorreram nos últimos anos, não obstante a pandemia, ou talvez por sua causa.
Di-lo, também, a nomeação e colocação de um cada vez maior número de magistrados de ligação provindos de países terceiros, na Eurojust.
Saber combinar o uso de meios digitais mais eficazes de cooperação, no domínio da troca de pedidos e de provas, com o mais refinado e exigente trabalho jurídico da coordenação das investigações, levado cabo pela e na Eurojust, tem de ser, pois, o caminho sensato e responsável a percorrer por todos os que querem, no final dos julgamentos, que haja resultados palpáveis e seguros e não apenas números enganadores, mesmo que fantásticos.