A vida política nacional está como o país: pobre de temas que durem para além do telejornal ou do jornal do dia.
Limita-se a girar à volta de dois temas essenciais: a pandemia que tarda em se erradicar (agora com novas versões virais) e o cheque compensatório da UE, que já se percebeu ser hoje mais instrumento de propaganda que uma oportunidade para o país assentar num programa global de relançamento da economia.
Depois há ainda a espuma dos dias, com episódios como o do passageiro de uma viatura ministerial, simplesmente incapaz de gerir as consequências de um acidente em que se viu envolvido e onde, obviamente, não haveria assunto para além da tragédia da perda de uma vida humana, não fosse a inabilidade de gestão deste caso e de outros do ministro/passageiro.
Uma nação cuja vida se baseia e conforma com a abertura de telejornais tratando destas realidades. Mas a verdade, é que o país parece tranquilo. A mesma tranquilidade que faz recordar “mutatis mutandis” os anos que precederam a última intervenção da “troika” em 2011.
Não tivessem então faltado recursos para pagar a Administração Pública e a importação de combustíveis e ainda hoje nos perguntaríamos: “como foi possível que não tivéssemos dado por nada”?
Talvez, afinal, se viva o “consenso” de que falava o actual presidente da República, quando em Janeiro de 2016, ia animado o debate com o outro candidato, (Sampaio da Nóvoa) quando a moderadora (Clara de Sousa), perguntou a Marcelo qual a marca de água da sua candidatura.
Marcelo Rebelo de Sousa declarou sem hesitar que seria o “consenso, consenso, consenso".
Que se julgaria significar politicamente “consenso” naquela declaração ?
Busca de soluções conjuntas, trabalho para estabelecer pontes, ataque a problemas nacionais que se arrastam, “auctoritas” para invocar a sua legitimação eleitoral para mudar muita coisa na sociedade, contributo para elencar no confronto politico, diferentes modelos de sociedade.
Que significa afinal consenso, nos dias que passam ? Seis anos depois, este consenso de que falava Marcelo é tudo o que Portugal não precisaria.
Descobre-se sem dificuldade um pensamento equívoco quanto ao contrato celebrado com os eleitores, (por muito que a revalidação eleitoral se invoque) que não estava implícito no percurso político destes anos, até aqui chegarmos.
Eis um possível inventário dos “consensos” em 2021:
É então “consensual” que Portugal é maioritariamente de esquerda, não por haver maioria no parlamento, coerente politicamente, mas porque Marcelo alimentou a “normalização” de uma cultura de esquerda “ad hoc”, inovadoramente para-totalitária, que se auto-legitima, incluindo nas ameaças à liberdade. (Veja-se, a propósito essa nódoa imperecível que é o artº 6º da “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos da Época Digital” que trata da “desinformação”, subtileza que esconde uma “nova censura” ao digital e à internet, tocando fundamentos da própria concepção da vida em liberdade).
O Portugal dos consensos, “consensualizou-se” à volta de que Portugal precisa é de decretos-leis e leis conformes às negociatas políticas para manutenção no poder, (veja-se mais uma mexida para rigidificar o Código do Trabalho, servindo para mercadejar o voto do PCP no OE) e não de reformas profundas na saúde, na justiça, na administração do território, na captação de investimento.
Será também “consensual” a cada vez maior prevalência do cartão partidário em detrimento do mérito no Estado, com a vergonha da desactivação prática do Cresap, valorizando-se a porta das traseiras pelas nomeações “por urgente conveniência de serviço”;
Portugal é “consensual” quando julga com celeridade uma contra- ordenação incumprida e remete para a “normalidade” de decénios a decisão sobre processos de ex-primeiros ministros ou presidentes de bancos.
Portugal “consensual” é não ligar à canga de impostos que levam o salário até Junho de cada ano, tudo para ajudar bancos falidos e aviões em terra.
Parece também “consensual” que o país, surpreendentemente, desvalorize de novo a dívida, já que ela cresce e não se lembra um Conselho de Estado sobre o tema ou uma mensagem ao parlamento que abane consciências em nome do país não-governamental ou situacionista …
Enquanto isto ficam inesquecíveis os discursos sobre o perigo do “populismo”, segundo a cartilha esquerdóide, quando todos os santos dias desfila o “populismo” pelos corredores de S. Bento e Belém, nas cerimónias sobre a Champions, na presença “venezuelana” nos ecrans, nas 35 horas de trabalho na Administração Pública e por aí …
Este “consenso” só pode ser uma equivoca visão de consenso.
Isto é, renúncia ao necessário, indiferença pela cirurgia dos males nacionais, achando que o país pode sobreviver com base na pomada.
Consenso tem significado no dicionário, mas onde falta a outra dimensão do que pode significar nos dias de hoje: via para não agir, fazer, decidir em causas e problemas graves, renunciando …
Renúncia a um país governado para a modernidade e não para um conservadorismo que é o da esquerda, sem soluções para este tempo que exige muito mais liberdade e menos Estado.
Consenso em Portugal não é programa, é dilação crónica que se deixou implantar permitindo colocar-nos no fundo da Europa.
Esta a realidade da ilusão e da treta política que hoje comanda o nosso país.
Jurista