Os EUA e a UE entram num bar…


Não devemos desdenhar a capacidade humana para reproduzir em diferentes geografias e tempos as mesmas (não) soluções para problemas que só na aparência seriam diferentes.


A bibliografia que compara os processos evolutivos dos EUA e da União Europeia é um universo em expansão. As conclusões variam entre a inutilidade do exercício comparativo dadas as diferenças entre os objectos de estudo (o excessivo peso da história europeia face à leveza de uns  EUA sem passado e disponíveis para o futuro) e a candura da descoberta da homonimia entre a união dos Estados na América e a união dita Europeia.

Talvez o estudo das patologias seja mais promissor na caracterização das diferenças menos evidentes entre as duas uniões de cada uma das margens do Atlântico. A suposta juventude dos EUA tem vindo a ser curada com a passagem do tempo e a manutenção da Federação. Não esqueçamos o peso da história de cada Estado federado e muito menos a tensão permanente entre o  movimento centrípeto do poder em direcção à federação e o movimento centrífugo em benefício das prerrogativas dos Estados federados. A federação ganha poderes em tempos de crise económica (a grande depressão, a crise do subprime) ou política (a guerra é o principal factor de reforço do poder de Washington, desde as guerras mundiais às aventuras na periferia do império, do Vietname ao Afeganistão). Não obstante a sucessiva acumulação de poderes em Washington, os Estados federados vão conseguindo manter intactas algumas áreas. A legislação eleitoral estadual continua mais ou menos incólume. Tal é tanto mais estranho quanto esta intangibilidade do poder dos Estados tem enormes consequências na escolha dos titulares dos órgãos do poder federal (desde logo do Presidente e do Congresso).

Tomemos como exemplo as práticas profundamente discriminatórias de muitos Estados federados em matéria de recenseamento eleitoral, delimitação dos círculos (Gerrymandering) e exercício do direito de voto (número, localização, funcionamento, horário e acesso a assembleias de voto). As prerrogativas estaduais têm resistido às tentativas de federalização do direito eleitoral e o Supreme Court não tem sido espantosamente eficaz no combate às práticas discriminatórias.

Do lado europeu do oceano Atlântico a patologia também se manifesta na resistência dos Estados-membros contra o Diktat de Bruxelas. Com a não pequena diferença de o ordenamento jurídico da UE ter sido criado para defesa de liberdades económicas, só indirectamente protegendo direitos civis e políticos. O acesso dos cidadãos europeus à tutela jurisdicional no quadro das instituições da UE dos direitos fundamentais que não revistam uma dimensão económica ainda é mais difícil do que nos EUA. O acesso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem oferece, bastas vezes, uma protecção mais efectiva (ou mesmo única) do que aquela que seria possível junto da ordem jurídica da UE, mesmo depois do alargamento das matérias cobertas pelos Tratados e da consagração da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.

À semelhança do que se passa nos EUA, o núcleo duro da cizânia entre Estados-membros da UE gera discussões e reprimendas mas não conduz à defenestração do Estado mal-comportado. Quer os EUA quer a UE sentam à mesa “iguais” e entre iguais não se impõem medidas coercivas que não desejam ver aplicadas a si próprios.

Quer a reacção nos EUA contra a legislação infra-federal que discrimina certos eleitores, quer a reacção na UE contra legislação nacional que discrimina o proselitismo de uma orientação sexual serão deixadas para os tribunais. Não é a solução ideal mas é a solução politicamente possível.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


Os EUA e a UE entram num bar…


Não devemos desdenhar a capacidade humana para reproduzir em diferentes geografias e tempos as mesmas (não) soluções para problemas que só na aparência seriam diferentes.


A bibliografia que compara os processos evolutivos dos EUA e da União Europeia é um universo em expansão. As conclusões variam entre a inutilidade do exercício comparativo dadas as diferenças entre os objectos de estudo (o excessivo peso da história europeia face à leveza de uns  EUA sem passado e disponíveis para o futuro) e a candura da descoberta da homonimia entre a união dos Estados na América e a união dita Europeia.

Talvez o estudo das patologias seja mais promissor na caracterização das diferenças menos evidentes entre as duas uniões de cada uma das margens do Atlântico. A suposta juventude dos EUA tem vindo a ser curada com a passagem do tempo e a manutenção da Federação. Não esqueçamos o peso da história de cada Estado federado e muito menos a tensão permanente entre o  movimento centrípeto do poder em direcção à federação e o movimento centrífugo em benefício das prerrogativas dos Estados federados. A federação ganha poderes em tempos de crise económica (a grande depressão, a crise do subprime) ou política (a guerra é o principal factor de reforço do poder de Washington, desde as guerras mundiais às aventuras na periferia do império, do Vietname ao Afeganistão). Não obstante a sucessiva acumulação de poderes em Washington, os Estados federados vão conseguindo manter intactas algumas áreas. A legislação eleitoral estadual continua mais ou menos incólume. Tal é tanto mais estranho quanto esta intangibilidade do poder dos Estados tem enormes consequências na escolha dos titulares dos órgãos do poder federal (desde logo do Presidente e do Congresso).

Tomemos como exemplo as práticas profundamente discriminatórias de muitos Estados federados em matéria de recenseamento eleitoral, delimitação dos círculos (Gerrymandering) e exercício do direito de voto (número, localização, funcionamento, horário e acesso a assembleias de voto). As prerrogativas estaduais têm resistido às tentativas de federalização do direito eleitoral e o Supreme Court não tem sido espantosamente eficaz no combate às práticas discriminatórias.

Do lado europeu do oceano Atlântico a patologia também se manifesta na resistência dos Estados-membros contra o Diktat de Bruxelas. Com a não pequena diferença de o ordenamento jurídico da UE ter sido criado para defesa de liberdades económicas, só indirectamente protegendo direitos civis e políticos. O acesso dos cidadãos europeus à tutela jurisdicional no quadro das instituições da UE dos direitos fundamentais que não revistam uma dimensão económica ainda é mais difícil do que nos EUA. O acesso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem oferece, bastas vezes, uma protecção mais efectiva (ou mesmo única) do que aquela que seria possível junto da ordem jurídica da UE, mesmo depois do alargamento das matérias cobertas pelos Tratados e da consagração da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.

À semelhança do que se passa nos EUA, o núcleo duro da cizânia entre Estados-membros da UE gera discussões e reprimendas mas não conduz à defenestração do Estado mal-comportado. Quer os EUA quer a UE sentam à mesa “iguais” e entre iguais não se impõem medidas coercivas que não desejam ver aplicadas a si próprios.

Quer a reacção nos EUA contra a legislação infra-federal que discrimina certos eleitores, quer a reacção na UE contra legislação nacional que discrimina o proselitismo de uma orientação sexual serão deixadas para os tribunais. Não é a solução ideal mas é a solução politicamente possível.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990