Neste caso concreto, pouco interessa se, até hoje, enquanto governante, o Ministro Eduardo Cabrita tem tido um papel de relevo positivo ou negativo, aqui a história é claramente outra. E, nessa história de final muito infeliz, a polémica aumentou por estes dias após a Brisa ter vindo a público contrariar a nota do gabinete do Ministro Eduardo Cabrita que dava conta da inexistência de sinalização no local do trágico acidente.
Então, assim sendo, que sabemos sobre a sinalização?
A Brisa esclareceu que o fornecedor estava a cumprir todas as regras de segurança em ambiente de autoestrada, sendo que isto implica a sinalização da via direita onde estavam a decorrer os trabalhos de manutenção de faixa e também uma carrinha com a respetiva sinalização dos trabalhos. Aqui fica logo uma grande dúvida porque esta informação é oposta ao que o gabinete do Ministério da Administração Interna deu, em comunicado, em que garantiu que não havia qualquer tipo de sinalética que alertasse os condutores para aqueles trabalhos em curso.
Esta é a primeira dúvida que ficou, de onde, sobretudo, há o lamento maior da aparente desculpabilização de um órgão oficial do Governo sobre a vida humana que se perdeu.
Sobre a questão do excesso de velocidade, que parece evidente, é importante assinalar alguns factos que, por vezes, fazemos por desconhecer. Primeiramente, só as viaturas de emergência médica podem não cumprir as regras de trânsito desde que assinalem a marcha de urgência. Todo o país sabe que a maioria das viaturas do Governo estão equipadas com sirenes e luzes azuis (stroms) e, mais sabemos, nem era preciso esclarecimentos, as viaturas do Estado raramente respeitam os limites máximos de velocidade permitidos por Lei nas autoestradas. Sobre este caso, noticiam vários órgãos de comunicação social que, após ouvirem fonte do Governo, o veículo do Ministério da Administração Interna não seguia em marcha de urgência.
Aqui há vários mini-casos que se perpetuam que devemos refletir. Primeiro, a banalização das regras de trânsito em marcha de urgência que as viaturas do Estado maioritariamente fazem. Seja que governo for, não vamos agora entender que só este governo o faz e não vamos competir a ver se foram mais os governos de centro-direita ou os de centro-esquerda que incumpriram na velocidade. Todos fazem, ou a maioria faz. E está, claramente, errado. A vários níveis. Desde o exemplo que se transmite ao cidadão comum e, até, pelo atropelo do significado de “urgência” que só deveríamos conceber (salvo exceções), de facto, às viaturas de emergência médica. Afinal, as viaturas de emergência médica transgridem as regras para impedir a morte humana (em muitos casos) ao passo que a transgressão de qualquer outra viatura de Estado força e aumenta a probabilidade do oposto, ou seja, de ferir ou matar alguém como ocorreu no sentido Évora-Lisboa, cerca das 13h de 18 de junho passado.
Sobre ainda a velocidade da viatura, sabemos que o carro está apreendido como meio de prova e será analisado para averiguar a velocidade em que seguia ao momento do fatídico atropelo na A6.
Para os curiosos, como fui, isto é possível através da centralina [dispositivo eletrónico utilizado no controlo de uma grande variedade de dispositivos mecânicos e elétricos/eletrónicos de um automóvel], uma vez que quando rebenta o airbag num acidente fica registada a velocidade a que circulava nesse momento. Portanto, ficaremos a saber a velocidade precisa a que circulava a viatura do Estado.
Não me irei pronunciar sobre a prática de crime neste caso, isso caberá aos procuradores do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, que trabalha em conjunto com o Núcleo de Investigação Criminal em Acidentes de Viação da GNR neste acidente específico. Isso caberá à justiça e creio que ninguém sem conhecimento académico e técnico deve pronunciar-se.
Porém, há várias coisas que devemos mesmo nos pronunciar após este acidente.
Primeiro, a questão do exemplo que incorre na prática de transgressão rodoviária por excesso de velocidade. Que sirva de exemplo para, ao contrário do que ocorre, não sejam a maioria das viaturas, mas sim, talvez, por claros motivos maiores, apenas uma minoria destas viaturas possa incorrer na lei por marcha de urgência. Seguramente, até por aí, a credibilidade aumentaria. Não me refiro a que um governante, com agenda de Estado a cumprir, fique parado numa fila de trânsito! Há mínimos e nesses casos as conhecidas “luzes azuis” serviriam para abertura de caminho à passagem de qualquer viatura do Estado. Mas, por norma, que se circule à velocidade permitida mesmo que isso diminua qualquer agenda. Isto deveria ser retórico, mas não é.
Segundo, a dignidade humana que aqui fica exposta. Não deveria o Governo, em virtude de o acidente ter sido causado por uma viatura do Estado, assumir de imediato a culpa ao invés de tentar desculpabilizar (que não tinha sinalização, etc.) o ocorrido? Não deveria o gabinete deste ministério ter dado o exemplo máximo de respeito pela vida humana que ceifou a sua viatura? Devia, mas não o fez. Mesmo após a Brisa vir a público desmentir um comunicado oficial.
Terceiro, a dignidade política e pública. Foi uma viatura oficial do Governo, em que seguia um Ministro, que atropelou uma vida humana. Será que, agora sim, analisando o atabalhoado percurso político recente e impopularidade de Eduardo Cabrita, o Ministro não deveria ter prestado no imediato declarações e ter apoiado mais a família da vítima? Ninguém está a atribuir-lhe culpa direta no acidente! Sabemos que não conduzia a viatura, ninguém misture coisas sérias. Mas, por defesa política ter-se remetido ao silêncio não é vergonhoso num caso em que ele próprio deveria dar a cara para pedir desculpa e apurar a verdade dos factos? Creio que devia.
Com este caso, que é um caso de análise inquestionavelmente, perdeu-se uma vida humana que estava no exercício das suas funções profissionais. Porventura, pelo carro causador do acidente ser do Estado, claro, o mediatismo e duração da exposição pública deste acidente está a ser maior. Que, na infelicidade do momento, saiba a elevação política dar dignidade humana ao caso. Afinal, os cargos políticos servem (deviam) para dar o exemplo maior de dignidade, respeito e humanidade.