SEVILHA – Inglaterra-Alemanha: eis um jogo que mexe com toda a gente, e não precisam de ser britânicos ou germânicos. Há no meio disso, um toque de velhas justas que metiam cavaleiros a derrubarem-se uns aos outros à custa de lanças compridas. Ontem, uns vestidos de branco e os outros de negro, pareciam peças de xadrez a proteger as rainhas, ou as balizas por elas, e à medida que o tempo ia passando, o jogo transformava-se num daqueles inesquecíveis problemas do João Cordovil – “As brancas jogam e ganham” – cuja solução aparecia numa página de anúncios. Enfiados num estilo defensivo que envergonharia os seus trisavós ou tetravós que se bateram na Batalha das Ardenas, ingleses e alemães praticamente não remataram à baliza. Ora, entre brancos e pretos, quem resolveu foi um preto vestido de branco, de longe o melhor jogador do encontro que rasgou a defesa germânica com movimentos de bisturi e cavalgadas impressionantes que lhe valeram o golo decisivo, aos 75 minutos. Kane fez o 2-0 sete minutos depois
Embora a rivalidade entre os dois adversários de ontem tenha uma certa aura medieval, a verdade é que, no futebol, só começou verdadeiramente após a final do Mundial de 1966. A Alemanha conseguiu um empate satisfatório (3-3) na estreia dos jogos entre ambos os países, em Berlim (houve quatro jogos anteriores, entre 1908 e 1913, mas que a Federação Inglesa não considerou oficiais – 5-1, 9-0, 2-2 e 3-0, para os ilhéus) sendo necessário ter em conta que nesse ano de 30 já o profissionalismo estava fortemente implantado em toda a Grã-Bretanha enquanto os alemães eram absolutamente amadores.
Os jogos seguintes trataram de revelar essa realidade: 1935 (3-0); 1938 (6-3); 1954 (3-1); 1956 (3-1); 1965 (1-0); 1966 (4-2). Ora bem, incluem-se nesta meia-dúzia de desafios que foram naturalmente interrompidos pela II_Grande Guerra, dois momentos fundamentais da História do futebol inglês. O primeiro data de 1938, dia 14 de maio: em Berlim, em pleno regime nazi, com Hitler, Goebbels e Goering na bancada monumental do Estádio Olímpico, ficou marcado pela ignomínia de ver os onze jogadores ingleses perfilados e fazendo a saudação nazi. Mais tarde, ficou-se a saber-se que a ordem para aquela atitude infame viera diretamente do Foreign Office, os serviços de estrangeiros, e que teria como objetivo demonstrar simpatia para o Governo nacional-socialista numa altura em que a paz, impossível de manter, continuava a ser discutida nos corredores do poder e o primeiro-ministro, Neville Chamberlain ia-se fiando na conversa de Hitler para embalar meninos.
Se esse é um episódio verecundo da vida do futebol inglês, outro houve, no dia 30 de julho de 1966, que jamais se repetiu, o da vitória em Wembley (4-2 após prolongamento) na final do Campeonato do Mundo. Na verdade, até hoje, esse é o único título conquistado pela seleção inglesa. E não deixou de servir para acicatar a ironia de uns rapazes, Ian Broudie, Frank Skinner, David Baddiel, que formaram uma banda chamada Baddiel, Skinner and the Lightning Seeds, e cantavam: “Everyone seems to know the score/They’ve seen it all before/They just know/They’re so sure/That England’s gonna throw it away/Gonna blow it away/
But I know they can play/‘Cause I remember/Three Lions on a shirt/Jules Rimet still gleaming/Thirty years of hurt/Never stopped me dreaming…” Se a Taça Jules Rimet continua a brilhar no coração dos ingleses, eles já sabem que a Inglaterra irá desperdiçar mais uma oportunidade, mais um momento de glória, mas nem 30 anos de sofrimento (agora já vai em 55) os impedirá de sonhar.
Vitória alemã
Foi preciso esperar até ao dia 1 de junho de 1968 para que, respondendo ao desafio de repetir a final de dois anos antes, em Hannover, os ingleses perdessem com os alemães (0-1), isto só depois de um empate e seis vitórias consecutivas. O futebol alemão ganhara um força cada vez mais poderosa. No Mundial do México, a desforra de 1966 foi obtida à custa de um resultado de 3-2 que afastou a Inglaterra nos quartos-de-final. A superioridade alemã parecia ter tendência a tornar-se um hábito. Em 1972, na qualificação para o Europeu, a Alemanha voltou a ser superior (3-1 e 0-0). Nas meias-finais do Mundial de 1990, depois de um empate (1-1) ao fim 120 minutos, os alemães foram mais resistentes no desempate por penáltis (4-3). Ainda assim, era a melhor presença da Inglaterra em grandes torneios desde 66. Em 1996, no Europeu organizado pelos ingleses e no qual depositavam tantas esperanças, voltaram a ser eliminados pela Alemanha nas meias-finais, com 5-6 nos penáltis depois de 1-1 no jogo ao fim do prolongamento. A história repetia-se. Curiosamente, o homem que falhou o penálti decisivo foi Gareth Souhtgate, atual selecionador inglês. Quatro anos mais tarde, no Euro-2000, Alemanha e Inglaterra repartiram o grupo da primeira fase com Portugal e Roménia. No jogo entre ambos, a Inglaterra ganhou por 1-0, mas não chegou para passar. Na fase primária do Mundial de 2002, a Alemanha foi a Wembley, mas a resposta inglesa foi tremenda no segundo jogo, em Munique (5-1). Finalmente, nos oitavos-de-final do Mundial de 2010, em Bloemfontein, a Alemanha respondeu à bruta (4-1). Infelizmente, ontem, estiveram ambos muito longe de serem as grandes equipas que se apregoa. Nem Wembley mereceram.