Euro-2020. Atenção! Munique não pode esperar!

Euro-2020. Atenção! Munique não pode esperar!


De repente, mais uma fronteira se fecha aos portugueses. Mas se a seleção já foi para casa, nós, os outros, ficamos sem saídas.


SEVILHA – Mais um dia que ferve ainda que temperado por esse vento louco a que deram o nome de tramontana na cidade que o grande Federico García Lorca escreveu alguns dos seus poemas mis belos e onde foi traído pelo esbirro que o condenou ao fuzilamento. A pouco a pouco, jogadores, treinadores, simples adeptos, tomam o caminho de casa, ombros dobrados pela desilusão, uma vontade que o tempo volte para trás e lhes devolva a ilusão com que demandaram esta fase final de um Campeonato da Europa dividido por 11 cidades e que obrigou, uns mais do que outros, a traçar quilómetros atrás de quilómetros.

A notícia chega de Lisboa: a Alemanha fecha as portas aos portugueses, outra vez vistos como perigosos propagadores da doença do século, e obriga-nos a uma quarentena à entrada, a despeito da confirmação da vacina e do teste feito no espaço das 24 horas anteriores. Os testes tornaram-se o grande negócio do torneio. De cada vez que mudamos de cidade, surge o aviso: é preciso apresentar um teste negativo à covid. Coleciono testes. Já vou no quarto, todos pagos e bem, claro está, e o único local onde me pediram o maldito papelinho foi à entrada de um restaurante onde me avisaram, obsequiosamente, de que não precisava dele se preferisse comer na esplanada. Foi uma bela sugestão.

O caminho a seguir era Munique, novamente. Contávamos, alguns mais do que outros, de que poderíamos ir aí defrontar a Itália nuns quartos-de-final que poderiam ser apaixonantes. A burocracia em exagero bule-me com o bestunto. Não sei se regressarei a Munique, apesar de o Itália-Bélgica ter tudo para colar as pessoas às cadeiras, esta Itália nova de Mancini, rejuvenescida e recriada, que já vai com quatro vitórias em quatro jogos e já não sabe o que é uma derrota desde que perdeu, precisamente, no_Estádio da Luz, por 0-1 (golo de André Silva), no dia 10 de setembro de 2018 a contar para a Liga das Nações. Mas saber como, se estamos aqui sem informações, ainda que a UEFA garanta que se pode requisitar uma declaração anti-quarentena para os representantes da Comunicação Social. Há muito tempo que cumpro religiosamente esta aventura de Europeus, nada menos do que desde 1996, e nunca vi a organização passar por tanta turbulência.

Sem Munique, para já, fico à espera. Para quem, como eu, gosta de aproveitar estas competições para ver jogos entre outras seleções e aproveitar o privilégio de entrar em todos os estádios do mundo e observar ao vivo os grandes jogadores do planeta, o Euro 2020 passado para 2021 é uma desilusão. A diferença de regras sanitárias de uns países para os outros são abissais. Ainda anteontem, pela beira do Guadaalquivir, centenas de jovens percorriam as calles atirando máscaras para o ar, comemorando a decisão do Governo espanhol de terminar com a obrigação de usar máscaras na rua. Por outro lado, numa das viagens que fiz entre Budapeste e Munique, fui obrigado a comprar uma máscara especial porque, segundo o polícia fronteiriço, a minha era de uma banalidade inaceitável. Olhamos para o Reino Unido e tentamos ainda perceber como lá entrar para assistir às meias-finais e final já que Baku e Sampetersburgo ficam longe demais para uma deslocação rápida de dois dias e escalas numerosas pois  Sevilha não está propriamente no centro das rotas da aviação internacional.

 

Adeptos

É natural que os adeptos também manifestem insatisfação. Bom seria para os portugueses que a seleção nacional jogasse sempre em Sevilha, apenas a umas cinco horas de automóvel de Lisboa, um vaivém cansativo mas que se faz de uma penada. Mas a seleção já não tem aqui nada mais para fazer e Sevilha deixou de fazer parte do Euro a partir do Portugal-Bélgica, sem grande pena minha, confesso-o, tão pobre e degradado é o Estádio de La Cartuja.

Faço horas, portanto. Como dizia Álvaro de Campos: “Falo com alemães, suecos e ingleses/E a minha mágoa de viver persiste”. Mágoa de estar parado, eu que procuro como Chatwin a anatomia da errância, limito-me a esperar. Em Copenhaga, Espanha e Croácia batem-se num daqueles encontros que costumam ser abertos. Depois a França tem a obrigação de despachar os suíços em Bucareste e, ao contrário da Equipa-de-Todos-Nós, mostrar porque é a campeã do mundo. Não, nunca se viu um Europeu tão espaçoso, mesmo que habitemos o continente mais pequeno da Terra. Haverá tempo para se perceber se, num dia de imaginação mais abundante, Michel Platini, na altura presidente da UEFA, teve ou não uma ideia brilhante. Para já, as queixas são muitas e vêm de toda a parte. Caem como as gotas de chuva que molhavam as ruas de Munique no dia em que Portugal, crente de que lá voltaria no próximo dia 2 de julho. Não voltará. A sua ambição foi de menos para uma exigência tão grande. E isso tem custos que doem.