O artigo de Pacheco Pereira do passado sábado, no jornal Público, sobre a má educação reinante apenas peca por defeito.
Tanto ou mais chocante do que a falta de educação que se verifica no dia-a-dia entre as pessoas no seu relacionamento privado, é a que se evidencia, cada vez mais acintosamente, no relacionamento institucional entre funcionários e agentes dos diferentes corpos da administração pública e no destes com os cidadãos em geral.
O desconhecimento de normas mínimas de cortesia, ou a vontade de a não as usar propositadamente, revela-se crescendo de agressividade, que corrói, queira-se ou não, o respeito necessário ao exercício de funções públicas e à imagem que delas deve ser transmitida a todos os cidadãos.
É provável que essa má educação institucional provenha já da forma indiferente como muitas pessoas se relacionam com as outras, designada e especialmente, nos grandes centros urbanos.
Acontece que, se isso é assim, o exercício de funções públicas deveria servir, precisamente, para ir corrigindo tais comportamentos e introduzir, na vida diária, regras de civilidade que, por muitas razões, se vão perdendo e que alguns, não tão ingenuamente como possa parecer, fazem mesmo por esquecer.
Poderemos perorar indefinidamente sobre as razões do embotamento geral da amabilidade e sobre a degradação das regras de convivência social.
O importante, porém, é – constatado esse fenómeno corrosivo da sã convivência entre cidadãos, e entre estes e as instituições da República – encontrar e promover ativamente soluções que o contrariem.
A degradação das normas de convivência entre cidadãos não descobre, como alguns tenderão a justificar, qualquer tipo de predisposição para uma atitude altruísta de transformação das estruturas sociais injustas.
Pelo contrário, tal degradação das normas sociais – da atenção amável para com os outros – encerra cada vez mais as pessoas no círculo fechado das suas amarguras e frustrações, nunca partilhadas e jamais, por isso, explicadas e racionalizáveis.
A grosseria social isola ainda mais os que, por qualquer razão, se sentem injustiçados.
Ao fomentar, também, com o seu relacionamento institucional degradado, esse estado de espírito, os responsáveis e agentes das instituições públicas, em vez de reconduzirem a relação com os cidadãos a um plano de solidariedade coletiva, apenas contribuem para o agastamento contra elas e, pior, contra o que elas deveriam representar de civilidade e coesão social.
Note-se que não falo deste assunto a partir de um ponto de vista teórico e abstrato.
O que aqui faço notar, verifico-o e sofro-o, como muitos outros – e estes, por certo, de forma muito mais expressiva – no meu trabalho quotidiano, que implica um contacto permanente com agentes públicos dos mais variados escalões hierárquicos e distintas responsabilidades.
Os mails que recebo com documentos anexos não vêm, frequentemente, acompanhados de qualquer esclarecimento educado do que se pretende com tal envio, por mais simples e sintético que possa ser.
Nada! Recebo mails com documentos que devo tratar provindos de autoridades e funcionários que nem se dignam explicar e o que querem que faça com eles.
Noutros casos, tendo, por dever de ofício, de contactar algum responsável pelo telefone para poder acelerar algum procedimento ou clarificar, em tempo, algum modo de atuar, quedo-me sem atendimento, sem resposta, ou apenas com a resposta limitada e insuficiente que, mais tarde, por outro meio, entenderam, por fim, dar-me: muitas vezes já sem qualquer utilidade.
O nível de tratamento institucional, cada vez mais dominante, para além de ignorar qualquer tipo de hierarquia funcional – mas respeitar, ainda assim, a normal civilidade entre pessoas, designadamente as do mesmo ofício – é cada vez mais desinteressado e, nalguns casos mesmo, descortês e arrogante.
Pergunto-me, por isso, como possa ser o nível de civilidade que existe no relacionamento entre tais responsáveis e os cidadãos que aos seus serviços acorrem.
Esta questão não é de somenos importância, nem pode ser relativizada e remetida para o plano da pura discussão moral e dos costumes.
Trata-se, sobretudo, de um problema político, na medida em que mina a coesão social e a confiança e respeito dos cidadãos nas instituições da República.
Uma sociedade em que os cidadãos pouco se considerem, reciprocamente, não fomenta a solidariedade necessária para fazer frente aos problemas comuns.
Instituições públicas que não se dão ao respeito minam a confiança dos cidadãos na República e na organização política e administrativa da democracia.
O azedume e a frustração daí derivados não corporizam sinais de irreverência ante as estruturas político-administrativas de uma sociedade injusta.
Pelo contrário, fomentam o aparecimento de soluções salvíficas e autoritárias que, invocando um tempo distante e idealizado como harmónico, na verdade, refletia apenas medo e dependência e não respeito e educação.