Nós e a França


Nas eleições regionais francesas do último fim de semana, foi a direita democrática que travou a direita radical, apesar da enorme abstenção – cerca de 70%. Uma verdadeira lição para Portugal.


A nossa relação com a França tem sido controversa.

A nação foi fundada por uma dinastia de Borgonha cuja origem é francesa.

Ao longo de séculos, os nossos reis por várias vezes se casaram com princesas francesas, alternando com inglesas, tentando a todo o custo manter a equidistância entre as duas grandes monarquias da época: a França e a Inglaterra.

A última rainha consorte de Portugal, mulher do rei D. Carlos e mãe do último rei português, D. Manuel II, foi também francesa, D. Amélia de Orleães.

A nossa cultura foi fortemente influenciada pelos ares de Paris, cidade para onde foram viver alguns dos nossos maiores intelectuais e até onde alguns faleceram, como Eça de Queiroz.

O genial escritor, numa carta a Oliveira Martins, datada de maio de 1884, afirmava mesmo:

“A nossa arte e a nossa literatura, vêm-nos feita de França. Eu mesmo não mereço ser excetuado da legião melancólica e servil dos imitadores. Os meus romances no fundo são franceses, como eu sou, em quase tudo, um francês – exceto num gosto depravado pelo fadinho.”

Foi, como se vê, construída uma forte ligação entre os dois países ao longo dos séculos, manchada, sem dúvida, pelas invasões francesas do início do século XIX, resultado do plano expansionista de Napoleão e na tentativa de acabar com o poderio económico da Inglaterra, velha aliada de Portugal e que Portugal se recusou a trair.

É da época das invasões francesas, que conseguimos derrotar, que surge a expressão “ir pró maneta”.

Um livro com o mesmo título, da autoria de Vasco Pulido Valente, revela a história do general francês Henri Loison, que participou nas três invasões a Portugal, que não tinha um braço, resultado de um acidente de caça, mas que ficou conhecido no nosso país pela sua especial crueldade, sobretudo pela forma brutal como torturava os prisioneiros portugueses.

Assim se criou a expressão “ir pró maneta”, associada a um final de vida especialmente cruel.

Mas a França foi também, mais de um século e meio depois, um verdadeiro porto de abrigo para muitos milhares de portugueses que, ao longo dos anos 60 do século passado, para lá emigraram, procurando uns uma vida melhor e outros fugindo a uma guerra com a qual não concordavam.

De França vêm também nos últimos dias sinais políticos que nos devem servir de alerta.

Nas eleições regionais francesas do último fim de semana, e que se concluem no próximo, foi a direita democrática que travou a direita radical, apesar da enorme abstenção – cerca de 70%.

Uma verdadeira lição para Portugal e a confirmação de que só a direita democrática é capaz de travar a direita radical. E onde a primeira não existe, ou é residual, a segunda cresce.

Finalmente, no europeu de futebol, o encontro com a França saldou-se por um empate, que permitiu a passagem de Portugal à fase seguinte.

Podemos assim dizer claramente que, desta vez, não fomos pró maneta.

Jornalista