Audição a Medina. Começou calmo, mas acabou furioso

Audição a Medina. Começou calmo, mas acabou furioso


Fernando Medina foi ontem ao Parlamento defender-se da polémica e acusar a oposição de oportunismo político. Viajou dos risos à fúria.


Fernando Medina admitiu ontem que induziu os portugueses em erro quando afirmou, em entrevista à RTP, que “apenas” as embaixadas que recebiam a manifestação à sua porta eram notificadas com dados pessoais. O mea culpa foi feito durante a audição ao Presidente da Câmara de Lisboa, sobre a partilha de dados pessoais dos organizadores de um protesto realizado em frente à Embaixada da Federação da Rússia pela libertação de Alexey Navalny. A audição, requerida pelo PSD, foi realizada pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias em conjunto com a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, e ficou marcada por contestação sólida e unânime ao sucedido. A contestação foi acérrima à esquerda e à direita – com exceção do deputado José Magalhães, do PS, que se dirigiu sempre com um tom amistoso ao camarada de partido que estava a ser escrutinado.

Telmo Correia, do CDS, de gravata azul a condizer com o partido, estreou a palavra para afirmar ter “registado” que Fernando Medina procurou, “de todas as formas”, esquivar-se à responsabilidade deitando culpas para os outros. Pediu – assim como o seu partido e outros haviam já feito – responsabilidade política, ou seja, a demissão, relembrando Jorge Coelho e o sucedido em Entre-os-Rios. Seguiu-se-lhe, nesta roda, Carlos Peixoto, do PSD, cuja contundência foi sempre evidente. Peixoto começou com um exercício de retórica, relembrando o caso e exacerbando-o: “Só faltou cópia do cartão de cidadão dos manifestantes”. Afirmou ainda que esta ação da Câmara “colocou Portugal como um país de 3º mundo” aos olhos dos outros, pedindo explicações de Medina “sem rodriguinhos” e “sem gaguejos”. Após ter classificado o seu exercício do cargo como “deficiente”, opinou que Medina deve ser “escrutinado até ao limite – a bem do país e a bem dos lisboetas”.

Medina respondeu – sem “gaguejos” ou “rodriguinhos”. Calmo e sereno, começou por admitir à audição que considerava o assunto “grave” pois mexia com o direito dos lisboetas se poderem manifestar “confiantemente e em liberdade” – um tema que, como já explicara, lhe é querido. Não obstante ser-lhe querido, foi um direito violado, como ele fez questão de reconhecer mais uma vez nesta sua intervenção. Explicou que quando se apercebeu destas violações solicitou uma auditoria interna urgente – “balizada pelo seu tempo curto” – para “entender o que se sucedeu”. A auditoria, explicou, procurava entender se isto se tratava de um procedimento relativamente a todas embaixadas ou apenas a algumas embaixadas em particular (dando a entender serem aquelas que representem países menos democráticos).

Como já havia feito, Medina, em sua defesa, voltou a recorrer aos governos civis, afirmando que a prática do envio de dados “vinha de trás”, dando um exemplo de 2002 referente a uma manifestação que envolvia a Guiné-Bissau. Dirigindo-se a Carlos Peixoto, do PSD, disse que quem estava à frente do Governo Civil, nessa altura, era o seu partido. Explicou que estes faziam “avisos integrais” às embaixadas, nos quais constavam o “nome, presidente da associação, morada, profissão”, etc. Uma lei de fornecimento de dados que viria a ser mudada em 2013, por António Costa, a qual Medina admite, porém, que o seu executivo incumpre desde então: “A partir de 2013, a Câmara devia-se limitar a receber os comunicados e a reencaminhá-los para a PSP e o MAI – sem mais”.

Medina sustentou ainda, com um exemplo prático, a mudança na atuação da Câmara relativamente à proteção de dados: “Há poucos dias atrás realizou-se, em frente à Assembleia da República (AR) uma manifestação. Esta foi-nos comunicada e nós comunicamo-la à AR. Da AR, a CML recebeu pedidos adicionais de dados extra sobre os manifestantes, contudo, a CML não os enviou”.

A oposição, nas pessoas de Telmo Correia e Carlos Peixoto, acusou ainda Medina de ter encontrado em Luís Feliciano – Encarregado da Proteção de Dados da CML – um “bode expiatório”. Carlos Peixoto – suportado por bastantes “muito bem” – garantiu que, “se isto fosse na Alemanha”, Medina não voltaria a ser candidato à Câmara, acusando ainda o edil de “realizar uma auditoria deficiente e exonerar um candidato depois de lhe ter renovado o mandato”. Pediu ainda que Medina clarificasse “concretamente” quando é que tivera conhecimento do caso, acusando-o de ter “problemas patológicos com a verdade” – ao que Medina reiterou ter sabido pela Comunicação Social. Perante o escrutínio democrático levado a cabo pelo deputado social-democrata, Medina ria-se. Mas por pouco tempo.

Se Medina começou calmo e sereno, não foi assim que terminou a audição. Vermelho – ou encarnado por ser em Lisboa –, irritado, apontou dedos a quem lhe apontara antes, acusando os acusadores de estarem a montar uma cabala com vista à sua demissão. “O que aqui está, confundido com uma preocupação legítima, é o oportunismo político: não é preciso fazer um boneco para ilustrar o que eu aqui disse”.