Estranhas formas de fazer política


Estamos desorientados nesta fase de combate à pandemia, sem ver bem onde estão as falhas e sem ter uma estratégia de contenção.


1. Não sabendo o que fazer, o governo fingiu que tomou medidas perante o agravamento dos números da pandemia na área de Lisboa, onde as coisas são francamente preocupantes. Montou uma cerca muito flexível a três milhões de pessoas, de sexta a segunda. Nada impedia a circulação dentro desse espaço gigantesco, que abrange um terço da população do país. Valeu que o tempo esteve mau e que houve bola. Evitou que houvesse uma multidão a correr para a praia e as esplanadas. Até o resultado da seleção travou festividades. O alastramento da pandemia e da variante Delta mostra, desde logo, que os ingleses sabem mais do que se passa cá do que os nossos responsáveis. Se assim não fosse, não teriam cancelado abruptamente o corredor verde da vinda de turistas por causa da variante que eles próprios nos trouxeram. Só isso diz muito sobre a nossa impreparação. Estamos numa fase complicada e a meio da ponte. As medidas a tomar têm de ser eficazes e científicas, coisa que não está a acontecer. A logística está a funcionar muito aquém do que a propaganda fez crer. O número de vacinados é curto. Os horários de vacinação há muito que deveriam ter sido alargados e os fins de semana não podem ser desperdiçados. Não temos muita gente com a vacinação completa, em comparação com outros países. A variante Delta é muito mais agressiva e está a crescer, fulgurantemente, atacando quem não está totalmente vacinado, ficando mais exposto. Há casos a eclodir nos lares supostamente clandestinos onde ainda há idosos não vacinados. O plano de vacinas vacila. O sistema de inscrições e chamada apresenta falhas nos segmentos mais jovens que são aqueles que mais convivem. É importante pensar e preparar a vacinação das crianças abaixo dos 15 anos, precisamente em altura de férias, eventualmente quando estão fora da residência habitual. Como vai ser? O que pensam os responsáveis máximos, começando no Governo e acabando no vice-almirante? É preciso um esclarecimento cabal e não conversas de 30 segundos para as televisões. O país não pode parar em agosto e setembro, como sucedeu o ano passado. O estudo das consequências da doença é nulo. A amostragem feita em espetáculos falhou. Há presos a ser soltos quando já não se justifica. A covid continua a ser uma pandemia desastrosa, sendo certo que a mortalidade diminuiu fortemente. Mesmo assim, estamos mal e em contraciclo. Não podemos andar a passar de melhores para piores sistematicamente.

2. António Costa foi reeleito líder do PS com uma percentagem à moda da Coreia do Norte. Era previsível. Nunca como agora o aparelho de Estado esteve nas mãos de uma família política tão tentacular. É um regabofe de cumplicidades e assalto ao tacho. Até é estranho como Costa se ficou só pelos 94% de votos. Será que ainda há 6% de militantes e simpatizantes a colocar? Ou o adversário Adrião, eterno micro concorrente, funciona como um adorno para democrata ver?

3. A candidatura de António Oliveira a Gaia acabou como começou: mal, muito mal mesmo. A responsabilidade foi de Rio. Foi surpreendente por ter a ver com alguém ainda ligado ao futebol, que o líder laranja dizia abominar pelos seus meandros. Rio (onde anda ele e o seu staff depois do conselho nacional?) tem de explicar tudo isto porque as afirmações de António Oliveira a justificar o abandono são gravíssimas. Oliveira invocou uma necessidade higiénica, por se ter confrontado com comportamentos miseráveis e os piores defeitos da espécie humana. Parece que a política é pior ainda do que o futebol. Era sabido que as estruturas locais não queriam Oliveira. Até Cavaco, que tinha uma autoridade enorme sobre aparelho do PPD/PSD, sabia que a política é a arte do possível. Rio não percebeu isso. Os sociais democratas estão perante dificuldades enormes em cidades como a Guarda, Coimbra, Porto e Gaia (além da simbólica Figueira) que estavam ao alcance. Em Lisboa há mal-estar entre Carlos Moedas e o braço direito autárquico de Rio, Hugo Carneiro. Ora a situação na capital raramente foi tão favorável ao bloco da direita. Lisboa está cheia de problemas para os cidadãos que nela vivem. Começam nos transportes públicos e acabam nos apoios sociais, passando por questões de saúde, corrupção urbanística, segurança e proteção civil. Nem vale a pena falar do episódio lamentável da festa do título (ainda sem inquérito concluído) e das conclusões deploráveis da investigação interna sobre a prática de denunciar os nomes de promotores de manifestações às entidades visadas. A justificação de Medina foi a fuga cobarde que se esperava: um erro da burocracia. Um chefe burocrata foi demitido e criou-se uma estrutura nova. Por pouco era um porteiro que pagava as favas. Uma vergonha digna do ministro Cabrita. Falando em Cabrita é importante não perder de vista as conclusões do inquérito ao atropelamento e morte de um trabalhador pelo seu carro oficial. A que velocidade vinha o veículo? Quem o guiava e como é que estamos de seguros nesse caso? É o tipo de situação que pode levar anos a resolver. Fica escrito para memória futura.

4. Numa das reportagens referentes ao Dia de Portugal na Madeira, via-se o Presidente da República a conversar com alguns jovens. Estes sentados à mesa e ele de pé. A muitos de nós, já é capaz de parecer normal, mas não pode ser. Está muita coisa mal, quando um cidadão perde a noção de que não deve ficar sentado quando o chefe de Estado se lhe dirige. Não precisamos da etiqueta britânica, mas não podemos cair no extremo oposto. A popularidade e o afeto do Presidente não deve ser pretexto para que se abandonem certos formalismos e sinais de respeito, genericamente aplicáveis aos mais velhos quanto mais ao Presidente.

5. O exibicionismo adolescente do diretor de recursos humanos da TAP levou à sua suspensão. Estava em Madrid para, com um colega local, escolher um novo diretor de carga e postou uma “piadola” depois de um jantar. Nuns segundos uma carreira inteira pode ser manchada pelas redes sociais. A questão suscita várias dúvidas. Uma é saber se não há ninguém na TAP cá com capacidade para a função em Madrid e que esteja em vias de ser dispensado? Outra é política. A que título é que o ministro Pedro Nuno Santos, o socialista Porsche, veio a público falar de indignação do Ministério da tutela? Então a criatura já não é só o ministro? Ele é o ministério todo? Ele é o Estado? Os dislates de Pedro Nuno estão a tornar-se tão insuportáveis como repetitivos. Atenção à concorrência, Cabrita!

6. O jornalista Jorge Gonçalves manteve durante anos na RDP/Africa a Opinião do Dia, onde, nomeadamente, analisava a atualidade africana, com audiências muito apreciáveis e influentes. Recentemente reformou-se, mas agora está presente no YouTube, com o Olhar da Coruja, uma rubrica semelhante e a crescer muito em termos de seguidores. A não perder. Já o Debate Africano que Gonçalves conduzia naquele canal passou a ser moderado por João Pereira da Silva, um expert em política africana com grande conhecimento do terreno por ter sido largos anos jornalista em vários Palop. Top!

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