Tanto no distrito de Viseu como no de Vila Real, o mês de junho não tem sido fácil para os agricultores e viticultores: Além do Estado de Calamidade pedido pelo presidente da Câmara Municipal de Tondela na semana passada, o município de Peso da Régua estima ter perdido 930 hectares de vinha e o de Lamego fala em “culturas perdidas a 100%”.
Ao i, o professor universitário licenciado em Geofísica e doutorado em Física Nuclear Filipe Duarte Santos explica que este tipo de fenómenos não constituem uma novidade, mas tenderão “a acontecer com mais frequência” devido às alterações climáticas. “A atmosfera tem mais energia e, uma vez que o aquecimento global causa uma intensificação do efeito estufa da atmosfera – que consequentemente lhe confere mais energia – é como se ela estivesse zangada”, explica o professor.
A verdade é que é cada vez mais frequente ouvir falar de fenómenos meteorológicos extremos, sejam eles granizo, trovoadas ou ventos fortes, que acabam por destruir plantações e impossibilitar as colheitas.
Este tipo de acontecimento é, no entanto, mais comum no interior norte do país uma vez que é uma zona que tem mais tendência a aquecer.
Esse aquecimento provoca uma subida da temperatura do terreno “fazendo com que o ar suba e a humidade também; a temperatura arrefece e o ar acaba por se transformar numa nuvem denominada por cumulonimbus que depois provoca trovoada ou pedras de granizo, que podem ser de grandes dimensões”, explica ao i Filipe Duarte Santos.
À TSF, o cientista climático João Santos adiantou, por outro lado, que a durabilidade extensa deste período – com trovoadas a acontecer desde o final de maio – é explicada pelo facto de o anticiclone dos Açores, que funciona como uma espécie de estudo para Portugal, andar “enfraquecido”, sendo que “assim que se intensificar, vai bloquear estas situações” no continente.
Estragos no Douro Desde o início de junho que os produtores do Douro vinhateiro têm vindo a ter dificuldades em manter as suas plantações em bom estado devido às fortes tempestades de granizo que têm assolado a zona.
O presidente da Câmara Municipal de Lamego, Ângelo Moura, afirma que apesar de a tempestade ter causado danos em infraestruturas, aquilo que “mais preocupa e onde os danos são maiores são as vinhas e os pomares de várias frutas”. O autarca adianta que “há também novas plantações que sofreram danos profundos e que, apesar de terem sido logo tratadas, só os próximos dias é que vão revelar o real prejuízo e até que ponto foi feito o dano na planta e se estão ou não comprometidas as colheitas dos próximos anos”.
Em termos de prejuízo causado, Ângelo Moura salienta que “só com o passar dos dias é que vão ser contabilizados” mas afirma que se pode falar “em dezenas de milhares de euros”.
Já a autarquia de Peso de Régua estima que “no que respeita à cultura de vinha, o prejuízo ronde os 2,2 milhões de euros”. As contas são feitas pelo município que viu cerca de 930 hectares de vinhas destruídas e “considerando a produção média de oito pipas por hectare”. Dentro da autarquia, o território mais afetado foi o das uniões de freguesias de Poiares e Canelas e de Galafura e Covelinhas.
O presidente da Câmara Municipal de Armamar, João Paulo Fonseca, vê o seu município numa situação igualmente pouco animadora. O “granizo severo”, causou danos quer “nas plantas, quer na vinha, quer no pomar, o que vai comprometer a produção do próximo ano, ou mesmo dos próximos anos”, referiu, o que causou no imediato danos no setor agrícola “acima dos três milhões de euros”.
O autarca reuniu-se entretanto com a diretora regional da Agricultura do Norte, sendo que, desse encontro saiu “pelo menos, a intenção de criar uma linha de apoio para os nossos produtores, que já tinha sido anunciada até por causa de Vila Real também [região igualmente afetada]”, contou.
Também os concelhos de Murça, Valpaços, Ribeira da Pena e Chaves se viram afetados pelo mau tempo, mas, neste caso, as ocorrências registadas pela Proteção Civil foram sobretudo inundações.
Medidas a tomar Segundo Filipe Duarte Santos, não há muito que se possa fazer para minimizar o impacto destes fenómenos ou mesmo impedi-los de acontecer: “Isso é praticamente impossível, a menos que se consigam controlar as alterações climáticas”, referiu ao i. Entretanto, no Douro, das zonas mais afetadas, há ideias para mitigar o problema, nomeadamente de granizo, sendo uma delas o lançamento de balões de hélio para transformar o granizo em água antes de cair. Tem faltado, segundo os viticultores, financiamento.
Quanto às alterações climáticas, no dia 10 deste mês os 27 estados-membros reuniram pela última vez em Conselho de ministros do Ambiente, onde foi aprovada a nova estratégia de adaptação. O ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Matos Fernandes, atual presidente do Conselho de Ambiente, afirmou que as conclusões adotadas “dão início a um reforço da ação de adaptação”.
Citado num comunicado divulgado pelo Conselho, Matos Fernandes adianta que “a nova estratégia centra-se na melhoria dos dados e numa melhor utilização dos dados existentes, na promoção de soluções baseadas na natureza, na integração de aspetos financeiros e económicos e na intensificação da ação a nível internacional”.
Nas conclusões do Conselho de Ambiente é reconhecida “a importância da correlação entre o clima e a água” e salientado “o importante papel que as soluções baseadas na natureza desempenham no reforço da resiliência às alterações climáticas, na manutenção ou reforço da biodiversidade, bem como na proteção e restauração dos ecossistemas”.
A nova estratégia de adaptação às alterações climáticas da UE foi apresentada em fevereiro e é uma das principais ações identificadas no Pacto Ecológico Europeu, a grande “bandeira “ desta comitiva que tem como presidente Ursula Von Der Leyen. De acordo com um relatório divulgado este mês, os países mais ricos do mundo podem ver as suas economias encolher duas vezes mais do que com a crise causada pela covid-19 se os governos não conseguirem lidar com o aumento das emissões de gases de efeito estufa.