Cabo Delgado. Governo diz que a situação está “sob controlo”, mas tudo indica o contrário

Cabo Delgado. Governo diz que a situação está “sob controlo”, mas tudo indica o contrário


Os ataques jiadistas não abrandam em Palma, o número de deslocados cresce de dia para dia e Maputo é acusado de usar minas terrestres.


O Governo de Moçambique tem-se esforçado para mostrar que a situação está quase tranquila em Cabo Delgado, que as suas Forças de Defesa e Segurança (FDS) estão a conquistar terreno e os insurgentes a recuar. “De um modo geral, a situação está sob controle e estamos a infringir golpes pesados para o inimigo por isso estão a ver uma relativa calma”, considerou o ministro da Defesa Jaime Neto, citado pela RFI, esta quinta-feira. No entanto, essa já era a conversa do costume do Governo antes do ataque a Palma, em março, que visou uma vila estratégica, nos arredores de gigantescas explorações da petrolífera francesa Total, surpreendendo tudo e todos, mostrando a incapacidade das forças moçambicanas e a escala do poder de fogo dos insurgentes jiadistas – que tudo indica estarem cada vez mais entrincheirados nas extensas matas desta província no norte do país, sem grandes perspetivas de que sejam batidos tão cedo.

Palma – que o Governo fez sua prioridade, declarando a localidade como estando totalmente sobre o seu controlo – virou quase vila fantasma, e mesmo assim continua a haver ataques dos insurgentes, trocas de fogo, decapitações e gente em fuga, segundo a imprensa moçambicana. “As pessoas são decapitadas e as casas incendiadas”, contou Mariamo Tchimbuata, uma habitante que escapou recentemente para Pemba, ao jornal moçambicano O País. É uma das poucas fontes acessíveis aos jornalistas – as Forças de Defesa e Segurança continuam a vedar todo o acesso da imprensa à vila, havendo até relatos de que parte da localidade continua nas mãos dos jiadistas, ou pelo menos é disputada.

Já no mato nem se fala, os jiadistas estão instalados de armas e bagagens, até já montaram toda uma estrutura económica, alimentando as suas tropas com recurso às pescas e à agricultura. Bem como a uma rede de infiltrados em Pemba, a capital distrital, dedicada exclusivamente a controlar o fluxo de provisões e dinheiro dos jiadistas, contou uma prisioneira do grupo que escapou, citada pelo Armed Conflict Location and Event Data Project, que tem uma parceria com media moçambicanos, dedicada exclusivamente a cobrir o conflito em Cabo Delgado.

Os jiadistas – em tempos conhecidos pelos locais como os Al-Shabaab, ou “a juventude”, em árabe, pela sua semelhança com o grupo jiadista somali homónimo, com o qual não mantêm nenhuma ligação que se conheça – contam ainda com um crescente número de gente sequestrada, como possível fonte de recrutas e trabalhadores forçados, como se viu acontecer em tantos outros conflitos noutras partes do continente. Nem as crianças escapam aos sequestros – mais de meia centena foram raptadas desde o início do conflito, denunciou a ONG Save The Children a semana passada, assumindo que esses são os casos que conseguiu confirmar, podendo estar muitíssimo abaixo da realidade.

Entretanto, fica cada vez mais claro que as crianças estão entre as principais vítimas do conflito no norte de Moçambique. Entre as mais de 732 mil pessoas deslocadas, 46% são crianças e jovens, segundo a ONG Ajuda em Ação. Muitas destas crianças chegam sozinhas e em pânico a localidades como Pemba, após terem-se perdido das suas famílias durante os ataques.

Até o próprio Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), citado pela Lusa, já avisou que o conflito continuou a crescer no primeiro semestre de 2021, impulsionando deslocações generalizadas e uma crise humanitária em rápido desenvolvimento”.

Entretanto, as acusações de que as Forças de Defesa e Segurança estarão a usar minas terrestres – Moçambique, que enfrentou uma longa e sangrenta guerra civil, entre a Frelimo e a Renamo, é um país com muitos traumas causados por minas – não estarão a ajudar o Governo a conseguir o apoio da população. O Governo moçambicano negou todos os relatos, salientando, pelo porta-voz do ministério da Defesa, Omar Saranga, que “Moçambique assinou o Tratado de Ottawa sobre a proibição de uso, armazenamento, proibição e transferência de minas anti-pessoais e sobre a sua destruição em Dezembro de 1997”, assegurando que “Estas explosões, é verdade, só podem ser obra dos terroristas”. Mas a dúvida ficou no ar.