Não dá sinais de abrandamento o aumento de casos em Lisboa e o número de doentes internados nos hospitais continua também a aumentar, com a grande Lisboa, sabe o i, a representar a maioria das hospitalizações – os dados por região não têm sido disponibilizados pela Direção Geral da Saúde.
Na última semana, Lisboa voltou a passar os 3 mil diagnósticos semanais, o que já não acontecia desde a última semana de fevereiro quando, ainda em confinamento, as infeções caíam a pique. Os dados da DGS, que o i analisou, mostram que a nível nacional a última semana voltou a passar a chegar aos 5 mil casos, em grande medida à conta do continuado aumento de infeções na região de Lisboa, a subir há cinco semanas.
É menor o reflexo na mortalidade, mas voltou a haver uma subida de diagnósticos em todas as faixas etárias, incluindo entre sexagenários e idosos com mais de 70 e mais de 80 anos, maioritariamente vacinados. Os jovens perfazem a maioria dos casos: na semana passada, um quinto dos infetados diagnosticados no país tinha entre 20 e 29 anos, mais de mil casos. O maior aumento em termos absolutos foi nas crianças até aos 10 anos, com 358 casos contra 207 na semana anterior.
Fernando Maltez, diretor do serviço de doenças infecciosas do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, confirma que não se nota ainda um abrandamento na admissão de novos doentes em Lisboa. Sendo a maioria pessoas que não tinham idade ou critério para ser vacinadas, têm dado entrada no serviço pessoas de todas as faixas etárias, algumas já com uma ou duas doses da vacina, assinala.
Ontem uma equipa britânica que gere uma aplicação de rastreio de sintomas de covid-19 alertou que nas últimas semanas tem mudado a sintomatologia mais frequentemente associada aos novos casos de covid-19, o que ligam à variante delta (indiana), que agora representa 90% dos casos no país.
As pessoas manifestam quadros ligeiros mais parecidos com constipação, referindo menos vezes a perda de olfato. Fernando Maltez ressalva que os casos que chegam aos hospitais são uma amostra pequena do universo de infetados, mas também existe a perceção de que os doentes estão a referir menos vezes esse sintoma. “O número de casos não é suficientemente grande para tirar conclusões mas esta variabilidade pode ter a ver com as variantes em causa”, admite o médico.
“Sabemos que não somos nós que governamos” Fernando Maltez sublinha que os serviços de saúde “não estão a colapsar nem sobrecarregadíssimos”, mas na grande Lisboa já foi necessário alargar as enfermarias dedicadas à covid-19 e há um aumento constante de doentes.
Por isso, diz não compreender as palavras do Presidente da República, que este domingo foi perentório no afastamento de um novo recuo no desconfinamento e pareceu mais uma vez demarcar-se da visão dos especialistas que vão dando parecer sobre a evolução da epidemia, depois de na última reunião do Infarmed ter levantado dúvidas sobre a relação entre incidência e severidade ou risco associado às novas variantes, nomeadamente a indiana, que agora já tem transmissão comunitária confirmada no país. “É bom que os especialistas digam o que têm a dizer, agora o país não é governado pelos especialistas. o país é governado por quem foi eleito”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, em Santarém.
“Quero acreditar que as declarações do senhor Presidente da República foram um lapsus linguae e que a esta hora está arrependido. Considero que foi muito infeliz”, admite ao i Fernando Maltez, que tem estado na linha da frente da resposta à pandemia em Lisboa desde fevereiro do ano passado, quando o Curry Cabral foi dos primeiros hospitais mobilizados.
“Não é preciso o Presidente dizer que não são os especialistas que governam o país, mas pensava que os governantes precisam de alguma indicação de quem sabe do assunto para se orientar. Sabemos que não somos nós que governamos mas também não é o senhor Presidente da República que vai aos hospitais tratar dos doentes”, diz o médico, recusando também que se possa neste ponto da pandemia, mesmo com progressivamente mais pessoas vacinadas, afastar definitivamente a necessidade de medidas mais restritivas.
“Não compreendo que possa afirmar que não voltaremos atrás. A não ser que tenha alguma solução no bolso que nos não conheçamos. Ninguém pode fazer uma afirmação daquelas. Se os números continuarem a aumentar e a pressão sobre os serviços a aumentar, não há outra maneira se não voltar atrás.”
Também sobre as palavras de Marcelo, Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, ouvido pelo i, defende que é sobretudo necessário separar as águas. “Desde há muito tempo que defendo a separação entre a questão técnica e política e cada um assume as suas responsabilidades. Esta confusão entre as duas é prejudicial”, diz, admitindo que as declarações podem gerar uma mensagem contraditória à população.
“Um dos grandes problemas de gestão da pandemia tem sido a comunicação e continuamos. É normal, atendendo ao que vai sendo dito, que haja aqui uma perceção pública que não tem grande tração da realidade. Com a vacinação, temos tido um agravamento menos negativo dos indicadores de severidade, de internamentos, de mortalidade, ainda bem que assim é, o que não quer dizer que não seja necessário manter um conjunto de regras e cautelas.
Se olharmos à volta, é isso que vemos estar a acontecer. O Reino Unido, que está a braços com um aumento de casos da variante delta, já decidiu protelar o desconfinamento Ninguém está a defender fechar o país neste momento mas há um conjunto de cautelas que as pessoas têm de continuar a ter se queremos manter a situação controlada.”