José Augusto. “Sermos campeões enche-nos o peito!”

José Augusto. “Sermos campeões enche-nos o peito!”


O homem que marcou dois golos à Hungria no jogo de estreia do Mundial de 1966 (3-1), está confiante como nunca no sucesso da selecção nacional.


Dia, 13 de Julho de 1966, Manchester, Old Trafford. O Coluna vinha na frente, capitão da malta, o José Augusto logo atrás. Imagens antigas da entrada em campo da primeira Selecção Nacional que jogou a fase final de um Campeonato do Mundo. Adversário igual ao de hoje, a Hungria. Logo aos dois minutos a bola vem da esquerda, centro largo de Simões, Torres subiu e subiu, atrapalhou uma carrada de húngaros e o Zé vinha atrás dele, disparado: meteu a cabeça e fez 1-0. Manuel da Luz Afonso dissera na altura do sorteio: “Somos gente pobre que tem de ganhar a vida”. Era uma metáfora, claro. Mas que começávamos a ganhar bem a vida, aí não há discussão.

– Que sentiram vocês nesse dia, Zé?

– Era muito importante fazermos uma boa estreia – responde o José Augusto, hoje, antes do Hungria-Portugal para a fase final do Campeonato da Europa de 2020 que passou para 2021. – Sabíamos que num grupo como aquele, quem perdesse ficava arrumado. Naturalmente que sentimos essa situação, um certo nervosismo. Mas eu marquei aquele golo, logo a começar…

– Uma Hungria forte, essa. Jogadores de classe: Bene, Farkas, Florian Albert…

– Muito forte! Uma Hungria muito forte. Não ficava a dever nada à nossa equipa. Mas nós conseguimos ser melhores do que eles!

O povo nas bancadas, cheias. Quase tudo homens, alguns garotos. De fato. Muitos de gravata, geralmente preta. De cada vez que a televisão os filmava, acenavam e gritavam. Era o tempo dos Beatles. Os gritos estavam na moda. E fumar também. O Artur Agostinho no fim do jogo, a entrevistar o Zé para a RTP, de cigarro na mão. O Zé já limpinho, casaco de fato de treino com vincos engomados nos braços.

– É preciso dizer que, nessa altura, a Hungria tinha um futebol famoso por toda a Europa._Não era só a selecção. Os clubes também eram fortes. Aliás, viu-se pela maneira como, a seguir, ganharam ao Brasil.

Mas o_Brasil foi depois. Primeiro Portugal: 3-1. Resultado de truz! Logo para abrir. A equipa jogou com: Carvalho; Morais, Alexandre Baptista, Vicente e Hilário; Coluna e Jaime Graça;_José Augusto, Eusébio, Torres e Simões. O Zé ia e vinha, do meio-campo para o ataque, do ataque para o meio-campo. Ora apoiando os dois do centro, ora surgindo perto de Torres para criar aborrecimentos aos centrais, Matrái e Sóvari.

 

Golos! Partiram a cabeça ao Eusébio ainda na primeira parte. Ficou uns minutos de fora, entregue às mãos do feiticeiro Manuel Marques. Jogou com ela enfaixada num pano branco, parecia que estava na frente de batalha.

– Não me recordo muito bem desse lance – confessa o Zé. – O Eusébio lesionou-se, mas não me lembro porquê. Ele tentou muito marcar, fez vários remates, mas nessa tarde não lhe saíram bem.

– Já a ti, saiu tudo bem. Um canto, o guarda-redes a ficar-se nas covas e outro golo, na altura o do 2-1, aos 67 minutos, sete minutos a seguir ao empate.

– Sim. Eles marcaram pelo Bene. Era um jogador extraordinário, o Bene.

– E tu? Também tinhas bons movimentos por alto, marcavas várias vezes com a cabeça…

– Sim. Mas não era como o Torres, claro! O_Zé Torres tinha quase dois metros de altura. Metia medo. Eu ia aproveitando as oportunidades. Nesse jogo tive duas e marquei dois golos. Foi a eficácia total. Dois golos de cabeça, por acaso.

– Ou talvez não por acaso…

– Claro que treinávamos muito os lances aéreos. Ele, sobretudo. Trabalhava muito nos treinos. Eu tirava proveito daquele movimento dele, quando a bola sobrava.

Faltavam vinte minutos para o fim, a Hungria atirou-se para a frente e, reconheça-se, não teve a sorte pelo seu lado. Uma bola na barra do Carvalho. Depois dois lances ao estilo de Florian Albert que chutava maravilhosamente com a parte de fora do pé, à três dedos, dois remates que falharam por pouco.

Portugal aguentava e aguentava bem. Hilário e Morais fechavam os flancos, se fosse preciso a bola era despachada sem cerimónias, e Baptista e Vicente andavam numa roda viva.

– Foi preciso sofrer um bocado, mas claro que valeu a pena – diz o Zé. – Precisávamos de um resultado daqueles para ganharmos confiança para o resto do Mundial e foi o que aconteceu.

Nesse ano de 1966, Otto Glória era o treinador e pegou-se com o árbitro: “Chamou-me maluco e eu respondi-lhe igual. No outro banco, o_Baroti fez o que quis e o árbitro nunca o advertiu”, contava ele ao Artur Agostinho.

O árbitro era um tal de Leo Callagham, do País de Gales. O Baroti era Lajos Baroti que, nos anos 80, foi para Lisboa treinar o Benfica.

O José Augusto estava orgulhoso no final, falando para a televisão: “ Estivemos muito bem. E merecemos ganhar. Isto vai moralizar-nos para o resto da competição”.

Isso era ele a falar. Agora é ele a falar, mas agora de agora, ontem mesmo: “Sabíamos muito bem como eles jogavam. O Otto Glória e o seleccionador, o Manuel da Luz Afonso, já os tinham visto e explicaram-nos tudo”.

O agora de agora mete um Hungria-Portugal já hoje, no Estádio Ferenc Puskás. Temos o direito de defender o título de campeões da Europa no campo do adversário, o que só acentua as responsabilidades. Mas o José Augusto está confiante. E muito.

– Esta equipa de Portugal é muito boa. Mesmo muito boa. A quantidade e qualidade dos jogadores portugueses é de fazer inveja a qualquer outra das selecções que estão neste Europeu.

– Então o que pode fazer a diferença?

– Acho que o facto de entrarmos em campo como campeões europeus enche o peito dos jogadores. Pelo menos a mim, enche. Depois isso também tem peso na forma de jogar dos adversários. Têm medo de nós. Sinto que temos todas as condições para voltarmos a ser campeões. Todas. O trabalho que o Fernando Santos tem feito é extraordinário e só há razões para estarmos confiantes._Claro que temos duas equipas fortíssimas no grupo, a Alemanha e a França, mas vendo bem, para já é preciso vencer a Hungria. Mesmo que jogando fora, estou convencido de que eles nos temem. E muito.

Daqui a bocado já se vê…

Em 1966, os Húngaros não tiveram medo de Portugal, jogaram cara a cara e perderam. Hoje, provavelmente, terão outro tipo de cuidados, até porque os últimos resultados face à Selecção Nacional não foram animadores. Por outro lado, recordando o que aconteceu em França há cinco anos, as coisas podem ser tão livres sobre a relva que se repita o 3 a 3. Convenhamos: se é preciso escolher, escolha-se 1966 em vez de 2016 – três a um é bem melhor! O_José Augusto que o diga…