Portugal e os portugueses


Na década de 70 do século XIX, ficou célebre uma polémica entre alguns intelectuais portugueses e uma aristocrata nascida na Irlanda mas naturalizada francesa, Maria Ratazzi…


“Patriota? Não: só português./ Nasci português como nasci louro e de olhos azuis./ Se nasci para falar, tenho que falar-me’’.

Alberto Caeiro, Fragmentos

 

Ainda ontem nos celebrámos enquanto povo, teimosamente ocupando este pequeno território há quase nove séculos.

Uma vez por ano, ouvimos falar bem de nós, entre nós, deixando todos os outros dias para dizermos mal, igualmente entre nós. Sim, porque se for outro a dizer mal – por outro leia-se estrangeiro – então a coisa muda de figura.

Esta é uma das nossas características – ou defeitos: podemos dizer mal do nosso país – o que fazemos com bastante frequência – mas não admitimos que outros o façam.

Na década de 70 do século XIX, ficou célebre uma polémica entre alguns intelectuais portugueses e uma aristocrata nascida na Irlanda mas naturalizada francesa, Maria Ratazzi, que, num livro intitulado Portugal de relance (Portugal à vol d´oiseau), ridiculariza uma série de costumes portugueses, descrevendo-nos como indigentes, sobrando-nos como qualidades “a bondade”, “a paciência” e “a resignação”.

Sobre ela não caiu o Carmo e a Trindade, mas caíram os impropérios de escritores como Camilo Castelo Branco, que a apelidou de “escritora virago” que escrevia “lerdas chalaças”, esquecendo que alguns colegas seus de escrita, como Eça ou Ramalho Ortigão, eram bem mais mordazes que a princesa no que toca aos portugueses. Mas estes eram, isso mesmo, portugueses.

O Rei D. Carlos ter-se-ia referido a Portugal como a “piolheira”, afirmação que, segundo alguns investigadores, teria sido inventada pelos seus detratores, entre eles Rafael Bordalo Pinheiro, citado pelo ativista republicano Raul Brandão, nas suas Memórias.

Temos, portanto, uma grande curiosidade sobre tudo o que os estrangeiros dizem do nosso país ou de nós próprios. Adoramos os elogios e odiamos as críticas.

Outra característica negativa bem nossa é a proverbial inveja, palavra que, como sabemos, fecha a epopeia camoniana, Os Lusíadas.

Somos valentes, quando é necessário, mas frequentemente fanfarrões.

Toleramos em demasia a corrupção, embora ergamos a voz contra ela.

Temos opinião sobre tudo, mas desistimos com facilidade de a fazer valer.

Somos fatalistas.

Somos, demasiadas vezes, como o gato do poema de Inês Lourenço:

“O meu gato/é um português vulgar, um tigre/doméstico dos que sabem caçar ratos e/arreganhar dentes a ordens despóticas/ Mas desistiu de tudo, desde os comícios nocturnos/das traseiras até ao soberano desprezo/pela ração enlatada, pelo mercantilismo/veterinário ou pela subserviência dos cães/vizinhos”.

Um artigo publicado na revista Activa, há uma década atrás, citava um site inglês (www.quintessential.co.uk) onde se descreviam alguns hábitos dos portugueses vistos pelo olhar britânico: “Dar emprego a pessoas conhecidas (vulgo cunha) é bem visto porque é um sinal de confiança”.

Acrescentava ainda que somos “formais e conservadores”, e que “respeitamos e adoramos hierarquias”.

Na generalidade, acham-nos “simpáticos, mas desorganizados”, temos “pouco espírito de equipa”, uma “burocracia de bradar aos céus”.

Para concluir, repararam que qualquer tipo de relação passa por “longas refeições”.

Será este um retrato fiel?

Será que carreguei no lado negativo?

É possível. Sou português.

 

Jornalista


Portugal e os portugueses


Na década de 70 do século XIX, ficou célebre uma polémica entre alguns intelectuais portugueses e uma aristocrata nascida na Irlanda mas naturalizada francesa, Maria Ratazzi...


“Patriota? Não: só português./ Nasci português como nasci louro e de olhos azuis./ Se nasci para falar, tenho que falar-me’’.

Alberto Caeiro, Fragmentos

 

Ainda ontem nos celebrámos enquanto povo, teimosamente ocupando este pequeno território há quase nove séculos.

Uma vez por ano, ouvimos falar bem de nós, entre nós, deixando todos os outros dias para dizermos mal, igualmente entre nós. Sim, porque se for outro a dizer mal – por outro leia-se estrangeiro – então a coisa muda de figura.

Esta é uma das nossas características – ou defeitos: podemos dizer mal do nosso país – o que fazemos com bastante frequência – mas não admitimos que outros o façam.

Na década de 70 do século XIX, ficou célebre uma polémica entre alguns intelectuais portugueses e uma aristocrata nascida na Irlanda mas naturalizada francesa, Maria Ratazzi, que, num livro intitulado Portugal de relance (Portugal à vol d´oiseau), ridiculariza uma série de costumes portugueses, descrevendo-nos como indigentes, sobrando-nos como qualidades “a bondade”, “a paciência” e “a resignação”.

Sobre ela não caiu o Carmo e a Trindade, mas caíram os impropérios de escritores como Camilo Castelo Branco, que a apelidou de “escritora virago” que escrevia “lerdas chalaças”, esquecendo que alguns colegas seus de escrita, como Eça ou Ramalho Ortigão, eram bem mais mordazes que a princesa no que toca aos portugueses. Mas estes eram, isso mesmo, portugueses.

O Rei D. Carlos ter-se-ia referido a Portugal como a “piolheira”, afirmação que, segundo alguns investigadores, teria sido inventada pelos seus detratores, entre eles Rafael Bordalo Pinheiro, citado pelo ativista republicano Raul Brandão, nas suas Memórias.

Temos, portanto, uma grande curiosidade sobre tudo o que os estrangeiros dizem do nosso país ou de nós próprios. Adoramos os elogios e odiamos as críticas.

Outra característica negativa bem nossa é a proverbial inveja, palavra que, como sabemos, fecha a epopeia camoniana, Os Lusíadas.

Somos valentes, quando é necessário, mas frequentemente fanfarrões.

Toleramos em demasia a corrupção, embora ergamos a voz contra ela.

Temos opinião sobre tudo, mas desistimos com facilidade de a fazer valer.

Somos fatalistas.

Somos, demasiadas vezes, como o gato do poema de Inês Lourenço:

“O meu gato/é um português vulgar, um tigre/doméstico dos que sabem caçar ratos e/arreganhar dentes a ordens despóticas/ Mas desistiu de tudo, desde os comícios nocturnos/das traseiras até ao soberano desprezo/pela ração enlatada, pelo mercantilismo/veterinário ou pela subserviência dos cães/vizinhos”.

Um artigo publicado na revista Activa, há uma década atrás, citava um site inglês (www.quintessential.co.uk) onde se descreviam alguns hábitos dos portugueses vistos pelo olhar britânico: “Dar emprego a pessoas conhecidas (vulgo cunha) é bem visto porque é um sinal de confiança”.

Acrescentava ainda que somos “formais e conservadores”, e que “respeitamos e adoramos hierarquias”.

Na generalidade, acham-nos “simpáticos, mas desorganizados”, temos “pouco espírito de equipa”, uma “burocracia de bradar aos céus”.

Para concluir, repararam que qualquer tipo de relação passa por “longas refeições”.

Será este um retrato fiel?

Será que carreguei no lado negativo?

É possível. Sou português.

 

Jornalista