Debruço-me no parapeito e vejo o Sado correr tranquilo ao sabor das marés. O lodo acumula-se sobre as margens, ao longe os arrozais já foram encharcados, pelo que não tardam as hordas de mosquitos, o calor é bruto embora seja ainda cedo para o sol estar a pino. É hora de partir mais uma vez, e eu sempre vivi para as horas de partir.
Talvez seja, como disse um dia o Torga, um barco que se recusa ao destino de ter cais, mas a verdade é que a sedentariedade me inquieta. “Restlessness”, chamou-lhe Bruce Chatwin, o homem da errância. Sempre soube, desde miúdo, de certeza adulta, que viajaria pelo mundo, pelo mundo todo, por todos os continentes, que iria um dia a Timbuktu, que atravessaria as estepes no sacolejar do Transiberiano e desceria à cratera do Ngorongoro. Era uma certeza tão intensa que nunca a pus em causa.
A manhã mansa sossega-me. Ou talvez seja já o apaziguamento da viagem, o regresso ao trabalho nas salas de imprensa, ao cruzamento com camaradas de profissão de outros países, outros Mundiais, outros Europeus – e já vão sete, desde 1996 – ao observar atento dos jogos, do público, do ambiente lá no assento que me reservaram na bancada onde escreverei as minhas crónicas.
Há qualquer coisa que não sei explicar mas que bule no meu sangue ao ritmo das seivas. Aquela necessidade da reportagem, de ir buscar histórias onde elas se encontram, a vontade de esclarecer e de ser útil, como dizia o grande Alfredo Farinha, de levar o leitor ao local onde não está e deixá-lo ver através dos meus olhos o que não consegue ver com os seus. Foi por isso que escolhi este caminho no momento em que me deparei com a inevitável encruzilhada da vida. Está, portanto, na hora. De carregar a mala e o o computador e sair pela porta para só voltar quase a meio de Julho.
De rodar a chave devagarinho, sem ruído algum. Também é fundamental que até ao meu regresso os fantasmas que povoam a minha casa possam dormir em paz.