A Assembleia da República aprovou por larga maioria em 9 de abril, a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital. Este documento implementa em Portugal a Estratégia Europeia Contra a Desinformação e enquadra-se nas prioridades definidas pelo Plano Europeu de ação apresentado pela Comissão Europeia em dezembro de 2018.
A nova “carta portuguesa” foi aprovada sem votos contra e debatida sem notória polémica nem ruído, algo de profundamente surpreendente face à dimensão e à importância do que está em causa. Aparentemente, só a valorização feita pelo Governo dos princípios aprovados no contexto da Presidência Portuguesa da União Europeia, em particular com o anúncio da Declaração de Lisboa – por uma democracia digital com propósito, fez acordar alguns agentes políticos e parte da sociedade civil para um debate essencial.
Nos seus 23 artigos, a carta regula temas diversos de que são exemplo entre vários outros, os direitos de acesso ao ambiente digital, a liberdade de expressão e de criação, a proteção da privacidade, as questões éticas correlacionadas com a inteligência artificial e os robôs, o acesso e as qualificações e o direito de proteção contra a desinformação. Este último ponto, objeto do artigo 6.º do articulado foi o que levantou mais polémica e ainda bem. A sociedade portuguesa precisa de um bom debate sobre um tema que já foi objeto de algumas destas minhas crónicas. A definição do que é verdade ou mentira e de quem pode decidir sobre isso, é um dos grandes dilemas éticos, morais, jurídicos e políticos do nosso tempo.
Combater a desinformação num contexto democrático é um desafio crucial e maior, mas não é fácil de concretizar e tem riscos que devem ser avaliados e debatidos. É fundamental garantir que os direitos prevalecentes na sociedade analógica, sejam transpostos para a sociedade a Gigabits. O direito a uma informação credível, verificável e não manipuladora é um deles.
O Estado, e em particular o Estado democrático, não pode alhear-se desta função. Desregulação significa lei do mais forte e do menos ético. A experiência recente tem mostrado evidências claras de que a uma regulação mínima corresponde normalmente uma manipulação máxima. O mais forte instrumento de regulação é a capacitação dos indivíduos para separar o trigo do joio e identificar e não propagar notícias falsas ou manipuladas. Mas essa autorregulação tem-se demonstrado em muitos países, até mesmo em democracias com longa tradição e solidez, insuficiente para conter ameaças deliberadas de construção de perceções falsas sobre a realidade, de promover o discurso do ódio e minar os fundamentos e os valores do Estado democrático.
É por isso que disposições como as contidas no artigo 6º antes referido são essenciais, sem prejuízo de em sede de regulamentação alguns conceitos e disposições necessitarem de clarificação. Fazer o que quer que seja neste domínio tem sempre um duplo risco; o risco da subjetividade e o risco da captura de procedimentos de defesa do Estado Democrático por forças que o não são. O risco da inação, que alguns agentes políticos em Portugal parecem abraçar, não é, no entanto, um risco menor. Antes pelo contrário, rasgar a “carta” pode significar rasgar a democracia e a liberdade pelas quais tantos lutaram e continuam a lutar.
Eurodeputado do PS