Milhares de milhões de cigarras saídas do chão para acasalar e ver chegar ao fim a sua passagem pelo mundo. É assim a cada 13 ou 17 anos com as cigarras periódicas. Este ano, a emergência da geração X, a maior, tornou-se um fenómeno popular nos EUA, com as redes sociais a servirem de trampolim para a partilha de fotografias e de um pouco mais da sua história, que dada a dimensão e aspeto sinistro dá ares de praga apocalíptica. Em Nova Jérsia, a imprensa não deixou de notar que tomaram de assalto o Van Nest Park em Grovers Mill, onde aterraram os aliens na Guerra dos Mundos na mítica adaptação para a rádio que causou a histeria em 1938. Porém, e mais uma vez, não é o fim dos tempos e o fenómeno, além de ser conhecido desde a chegada dos primeiros europeus à América, é bom para o ecossistema.
Quem o garante é Gene Kritsky, diretor da Faculdade de Ciências Naturais e do Comportamento da Universidade Mount St. Joseph, em Cincinnati (Ohio). Também conhecido como “Indiana Jones” das cigarras, é autor de livros sobre o tema, desde logo um sobre esta geração X que conta curiosidades como no século XVIII se pensar que as linhas nas asas previam tempos de guerra ou paz, caso formassem um W (war) ou um P (peace). Como formam um W, eram sempre presságio de guerra. Este ano, Kritsky lançou uma aplicação para divulgar mais informação sobre os insetos, Safari Cicada, que já recebeu 420 mil fotografias e vídeos, o que fará desta emergência de cigarras a mais documentada na história dos EUA e da entomologia.
O que têm de especial? “Os anos de cigarras periódicas são muito benéficos para a ecologia da região”, explica ao i o investigador, por email. “Os túneis através dos quais emergem funcionam como arejamento natural do solo. O grande número de cigarras adultas garante abundância de alimento para todos os tipos de predadores, o que tem um impacto positivo nas suas populações. O facto de as fêmeas depositarem ovos nas árvores funciona como uma poda natural, que resulta em mais flores e frutos no ano seguinte. Finalmente, quando as cigarras morrem, os corpos em decomposição fornecem uma quantidade massiva de nitrogénio e outros nutrientes para o solo”, resume Gene Kritsky.
São sete as espécies de cigarras periódicas documentadas nos Estados Unidos. Estas, que emergem a cada 17 anos e de forma sincronizada em função das gerações – os filhos das cigarras que agora se andam a passear por 15 estados norte-americanos, do norte da Georgia a Nova Iorque, verão a luz do dia em 2038 – são de três espécies: Magicicada septendecim, Magicicada cassinii and Magicicada septendecula. A geração X foi documentada pela primeira vez em 1715 e é a mais extensa. Na altura, chamaram-lhes moscas, durante anos confundidas com gafanhotos… agora até há merchandising, de t-shirts a bugigangas. Ou quem lhes chame uma food trend: alguns chefes renderam-se ao petisco, por exemplo Joseph Yoon, rosto da marca Brooklyn Bugs e “embaixador de insetos comestíveis”, com propostas por exemplo de saladas com cigarras da geração X.
Mais barulhentas do que seria legal
Antes de as acharem saborosas, já eram barulhentas. Só os machos cantam, sons ligeiramente diferentes consoante a espécie, podendo chegar aos 100 decibéis, o que é mais barulho do que faz uma máquina de lavar ou uma mota. O Centro de Controlo de Doenças norte-americano não recomenda que se esteja mais de 15 minutos a levar com 100 decibéis e as zonas residenciais costumam ter limites inferiores, o que o exército de insetos de olhos vermelhos não respeita. O que fazem nos 17 anos debaixo de terra? “São ninfas de cigarra. Fazem túneis e alimentam-se dos fluidos das raízes das árvores. Estão vivas e bem de saúde”, diz Gene Kritsky, apaixonado pelos insetos, sublinhando que este é sempre um momento de divulgação. “Não há nenhum inseto que chame a atenção do público como as cigarras periódicas. Moldaram as experiências dos Peregrinos quando se instalaram no Novo Mundo e hoje, quando emergem, recebem uma grande cobertura mediática. A maioria dos insetos, quando andam a viver as suas vidas, escapam à atenção humana, mas não estes. Quando aparecem é mesmo uma invasão e cantam tão alto que não dá para ignorar. E depois desaparecem por 17 anos, mas nunca desaparecem, continuam a viver aos milhões nas raízes das árvores. A recorrência numa região é um evento histórico previsível, é como esperar por um eclipse ou pelo regresso do cometa Halley”, diz.
Kritsky fez o primeiro mapeamento da emergência de uma geração de cigarras periódicas em 1976, na altura a geração XXIII e nunca mais parou. Nos EUA, as cigarras periódicas têm ciclos de emergência de 13 e 17 anos. Além destas, o investigador diz que há mais uma espécie nas ilhas Fiji, que emerge a cada oito anos, mas as que estudam são o inseto com o ciclo de vida mais longo. “Há também algumas rainhas térmitas em África que vivem 50 anos, mas são só as rainhas, as trabalhadoras não”, acrescenta. “Na Europa há 100 espécies de cigarras, mas emergem todos os anos. Em muitos casos não sabemos quão longo é o seu ciclo de vida”, continua o investigador, considerando que mesmo no caso das cigarras periódicas ainda há muito para perceber. “Por exemplo, sabemos como analisar o fluido das árvores para contar os anos, mas não sabemos como é que elas se lembram em que ano estão”.
Se na última emergência da geração X, em 2004, não havia metade dos telemóveis, menos ainda com câmaras para fazer fotos e vídeos, como será em 2038? Para já, uma das conclusões é que parecem estar a emergir mais cedo com a subida da temperatura. Na década de 50, geralmente começam a sair do chão entre 20 e 28 de maio e agora começam a avistar-se em abril. De uma coisa Gene Kritsky não tem dúvidas: seja como for, cá devem continuar. Tanto as cigarras como as abelhas, garante, o seu outro tópico de estudo a par da história da entomologia, daí a alcunha. “É provável que a geração X já não esteja tão distribuída como estava há um século. Preocupo-me com o declínio dos insetos, mas se há algum grupo de animais que consegue adaptar-se rapidamente são eles”.