Turismo em Lisboa. “Sentimo-nos seguros aqui. É bom voltar a esta ‘normalidade’ que fazia tanta falta”

Turismo em Lisboa. “Sentimo-nos seguros aqui. É bom voltar a esta ‘normalidade’ que fazia tanta falta”


Ainda que as previsões indiquem que a recuperação do turismo só deverá ocorrer a partir de 2022, já há quem esteja a experienciar a capital portuguesa ao máximo. Um casal inglês, mãe e filha francesas, quatro amigos alemães e quatro amigas neozelandesas dizem o que os trouxe a Portugal e mostram entusiasmo e esperança num…


A poucos metros da estação do Rossio, Claire e Steve traçam planos para os próximos dias. “Estamos a gostar muito de Lisboa, mas ficámos apaixonados pela Quinta da Regaleira e pelo Palácio da Pena”, confessam os ingleses, de Londres, que regressarão ao seu país no final da semana. Questionados por que escolheram Portugal, descartam de imediato os festejos da Liga dos Campeões e riem-se. “Não viemos, de todo, por causa disso. Pareceu-nos ser uma boa escolha pelo bom tempo, pelas praias e por tudo aquilo que lemos online acerca do país. Até agora, encontrámos apenas pessoas extremamente amigáveis”, referem, ajeitando as máscaras e protegendo os olhos claros do sol.

“Sou professora e, por isso, sou testada duas vezes por semana. Além disso, fomos vacinados antes de viajarmos. Sentimo-nos seguros aqui e, acima de tudo, é bom voltar a esta ‘normalidade’ que fazia tanta falta”, explica Claire, de 50 anos. À semelhança de dois terços dos adultos do país, já foi inoculada com, pelo menos, uma dose da vacina.

Em Inglaterra o cumprimento das regras contra a covid-19 não é encarado com tanta seriedade quanto em Portugal. “Por exemplo, no exterior, não vemos muitas pessoas com máscara, enquanto aqui vemos toda a gente protegida”, adianta o casal, que está a realizar a primeira viagem desde que a pandemia surgiu, em março de 2020.

“Andamos pelas ruas e perguntam-nos se estamos perdidos, se precisamos de ajuda… Isso tranquiliza-nos porque já entendemos que todas as pessoas querem que o turismo e os seus negócios cresçam. Essa mentalidade animou-nos porque, quando vamos a outro país, nunca sabemos como seremos tratados, é uma incógnita. No entanto, sentimo-nos muito bem-vindos em Portugal”, esclarecem. No seu país, o domínio da variante indiana continua a causar preocupação.

Tem-se registado o crescimento dos casos e dos internamentos e, ainda que os sintomas sejam menos graves, há especialistas que pedem cuidado e defendem o adiamento da última fase do desconfinamento, que está previsto para 21 de junho e será ponderado pelo Executivo sete dias antes. Os contágios subiram quase 27% e os internamentos 23%. Verifica-se que os doentes são agora mais jovens e em estado menos grave.

 

Ei-lo, o regresso dos tuk-tuks

“Trabalho nesta área desde outubro de 2014. Estava tudo a correr bem e o turismo evoluía cada vez mais até aparecer o coronavírus”, diz Pedro Guedes, condutor de tuk-tuk. Tem transportado mais pessoas nos últimos dias, estabelecendo um paralelismo com as dificuldades que experienciou durante os sucessivos estados de emergência que vigoraram.

“Sofri, como todos os meus colegas. Não foi fácil para ninguém. Esta é a minha atividade principal, não tenho qualquer outra remuneração. A diferença é que não passei fome, mas sei que muitos a sentiram na pele. No fundo, tive a sorte de usufruir do layoff”, relata. A febre dos tuk-tuks invadiu Portugal há pouco menos de uma década. Importada da Tailândia, tornou-se um sucesso na cidade das sete colinas.

No entanto, o cenário modificou-se com as restrições ao turismo trazidas pela pandemia. A realidade é “bastante dura” na ótica de Pedro. “Apesar do regresso dos estrangeiros estar a animar-me um bocadinho, penso que não temos nem 20% do movimento anterior à pandemia”, confidencia. “Quem anda de tuk-tuk são os turistas descontraídos e, por isso, noto que não sentem medo. E eu também não. Não parecem, de todo, estar desconfiadas”, revela, rematando que ambiciona que “isto agora seja sempre a melhorar” devido ao desenvolvimento do processo de vacinação contra a covid-19.

 

Um pequeno périplo por Portugal

Com 25 anos, as neozelandesas Annabelle, Danielle e Eve trabalham em Londres e sentem os altos e baixos da pandemia como Claire e Steve. Há cinco semanas, decidiram que, depois de terem vindo a Lisboa em 2019, esta seria a época certa para regressar.

“Foi a nossa primeira opção, mas também era quase a única”, assumem, referegozijando-se com o facto de Portugal já não estar na lista vermelha do Reino Unido desde o dia 19 de março.

À época, o Governo britânico explicitou que a decisão foi tomada “na sequência de indícios de que se reduziu o risco de importação de uma variante preocupante destes destinos”, salientando que “Portugal adotou medidas para mitigar o risco das suas ligações com países onde as variantes se tornaram uma preocupação e agora tem vigilância genómica em vigor”. O Reino Unido autoriza os voos diretos e os turistas não estão sujeitos a quarentena em hotéis.

“Queremos visitar monumentos, estamos totalmente apaixonadas pela arquitetura. Especialmente, pelos azulejos”, destacam. Passaram três dias em Lagos e, na sexta-feira, seguirão para o Porto.

 

“Mesmo quando esperamos que não haja clientela, aparece sempre alguém”

Estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa e foi confrontada com o desemprego que, de acordo com dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional, cresceu 37% no espaço de um ano. Vendo-se forçada a trocar os pincéis e as telas em branco por outra ocupação, aos 23 anos, Beatriz começou a exercer funções enquanto empregada de balcão na Manteigaria – Fábrica de Pastéis de Nata, da Rua Augusta, há um mês.

“A minha área de formação já é difícil e, agora, ainda mais”, constata a rapariga que não baixou os braços e, todos os dias, tenta receber portugueses e estrangeiros com um sorriso. “Antes, tínhamos mais movimento aos fins de semana e havia muitos momentos mortos durante os dias úteis. Isso preocupava-me. Agora, mesmo quando esperamos que não haja clientela, aparece sempre alguém”, indica com entusiasmo.

“Os turistas não falam muito, mas converso com eles e perguntam-me quais são os pontos turísticos que não podem perder. Os portugueses interagem mais, principalmente aqueles que trabalham na restauração e na hotelaria”, diz. “Entre jovens e idosos, vê-se um bocadinho de tudo e, por isso, espero que a vacina os faça estar cada vez mais à vontade para viajar”.

 

“É percetível que os portugueses estavam ansiosos pela nossa vinda”

Na Alemanha, a incidência acumulada em sete dias aumentou até aos 36,8 novos contágios de covid-19 por cada 100 mil habitantes em relação aos 35,2 de terça-feira tratando-se do primeiro aumento em três semanas. Na quarta-feira passada, a incidência situava-se nos 46,8 caindo a níveis superiores a 50, pela primeira vez desde outubro.

O presidente do Instituto Robert Koch (RKI), Lothar Wieler, disse na terça-feira que as modulações indicam um “leve aumento transitório” que se explica com o levantamento gradual das restrições.

Naturais do país onde já morreram 88.774 pessoas por covid-19, Tim, Anna, Karl e Ella são amigos, com idades compreendidas entre os 25 e os 30 anos. “Viemos cá em 2018 e havia muitos mais turistas. Há um ponto positivo: finalmente agora conseguimos comer pratos tradicionais e aproveitámos a praia sem ajuntamentos. Estivemos à vontade”, sublinham, a poucas horas de regressarem à Alemanha. “Achamos que o turismo precisava de nós porque é percetível que os portugueses estavam ansiosos pela nossa vinda”, concluem.

 

“Estas pequenas coisas fazem tudo valer a pena”

Na Rua Garrett, num dos três cafés mais antigos de Lisboa, Miguel dá as boas-vindas aos turistas e mostra-lhes o exemplar d’A Mensagem, de Fernando Pessoa, editado pelo estabelecimento. “A Brasileira deve quase tudo a este poeta maior da língua portuguesa e, por isso, no dia 16 de abril, avançámos com este sonho, ainda que a medo”, diz, com a felicidade estampada no rosto, um dos funcionários do espaço inaugurado em novembro de 1905.

“Até agora, esta obra está disponível em português, inglês, espanhol, francês e mandarim. No entanto, nos últimos dias, tive pessoas que quase imploraram que fosse feita a tradução da mesma para italiano e russo”, revela o responsável pelo pequeno quiosque, enquanto declama o verso “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” do poema Mar Português, um dos seus preferidos.

“Os portugueses não dão o devido valor ao Pessoa. Trato-o por tu há quase 30 anos e tenho vindo a aperceber-me de que os estrangeiros valorizam-no muito mais”, indica com alguma tristeza. Porém, luta para que o panorama se inverta, abordando cada cliente que entra através da menção de que têm a oportunidade de se sentar às mesas onde, tantas vezes, o escritor ”se inspirou”.

 Na semana passada, um português residente em Inglaterra há quase 20 anos, comprou o livro em inglês e fez-lhe uma confissão. “As minhas filhas têm 14 anos e não sabem português. Eu não quero que desconheçam a língua do pai”, disse-lhe o emigrante. “Estas pequenas coisas fazem tudo valer a pena”, conta Miguel.

 

“É tudo magnífico aqui”

Catherine, de 55 anos, e a filha homónima, de 19, vieram a Lisboa depois da primeira ter conduzido até à capital, em 2018. Uma, é enfermeira, e, a outra, é estudante de Enfermagem. Conciliaram as agendas e, poucas horas após a chegada, vangloriavam-se da “barriga cheia com comida deliciosa”.

Mãe e filha vieram de França, o país que registou, esta quarta-feira, mais 8.743 infeções pelo novo coronavírus nas últimas 24 horas, um número que se mantém abaixo dos dez mil casos pelo quinto dia consecutivo. O número total de mortes aumentou esta quarta-feira para 109.787. Mas isso não impede as mulheres de sonharem com uma “Europa que possa respirar novamente” naquilo que diz respeito ao turismo.

“Sinceramente, até sentimos que há menos restrições aqui. Não podemos estar na rua depois das 21h, em Paris, e sair à noite está fora de questão. Por isso, estamos ansiosas por experienciar todas essas coisas”, desabafam, olhando para o Tejo. “Não nos podemos mesmo esquecer de ir à praia”, diz a jovem, enquanto a mãe sorri e responde “Definitivamente”.