1. Por mais justificações públicas minimizadoras que políticos e entidades publicas tentem dar, a final da Champions correu mal. Falhou tudo, salvo o que se passou dentro do estádio em termos desportivos e de adeptos. Falhou o anúncio de organização rigorosa de Mariana de Vieira da Silva (quem sai aos seus…), falhou o Cabrita (como todas as semanas), falhou a tutela do Desporto no Governo, falhou a bolha, falhou a dupla DGS-Marta Temido, falhou a PSP e falhou a câmara do Porto. Vieram depois os indignados chorar sobre a tolerância dada aos ingleses bêbados e a intolerância em relação aos portugueses (tirando claro os adeptos do Sporting da noite do título). São lágrimas de crocodilo vertidas com raro cinismo. Se há coisa que todos os políticos, especialistas médicos, analistas e jornalistas sabiam e esperavam é que ia acontecer exatamente aquilo que aconteceu. Aliás, sabia-se também que, provavelmente, para evitar os desmandos teria bastado uma providência cautelar. Mas futebol mexe montanhas! Era curioso ver a reação do governo e das polícias se, nos próximos dias, os portugueses saíssem para a rua aos milhares para festejar os santos populares. Só um marciano poderia achar que não haveria distúrbios e falta de segurança sanitária na final da Champions que não movimenta propriamente a mesma gente que comparece às jornadas da juventude católica convocadas pelo Papa para a região de Lisboa. Aí é que cenas de pancadaria e bebedeiras serão improváveis. Pode ser que o aconteceu no Porto sirva para flexibilizar as regras para alguns eventos internacionais (de congressos a concertos) que fazem muita falta à economia portuguesa e são suscetíveis de ser organizados dentro de regras seguras. Haja, ao menos, esse retorno ao bom senso. Talvez o ministro Siza Vieira aproveite a circunstância para mostrar que não está no Governo só para a fotografia e dar um toque de civilidade e de classe. Esperemos que não haja flexibilidade em Albufeira e severidade, por exemplo, na pacata Beja.
2. A maledicência não tem limites. Então não é que houve quem criticasse o desgraçado do ministro do Ambiente, Matos Fernandes, por inaugurar um espaço para guardar quatro (4) bicicletas na estação de metro do Senhor Roubado, em Odivelas? Pobre criatura tão sistematicamente vilipendiada! O seu mérito é total e só comparável ao de Sua Excelência o senhor secretário de Estado do Desporto, dr. João Paulo Rebelo, que, há dias, inaugurou uma vedação no Estádio Capitão Josino da Costa, em Lagoa, no Algarve. A fotografia dessa obra monumental e respetiva placa está plasmada na última edição do Nascer do SOL. Ao grandioso evento esteve presente também o respetivo presidente da Câmara, dr. Luís Encarnação. A Pátria enternecida agradece a todas estas excelências a dedicação e as obras de que as gerações vindouras poderão usufruir. A Bem da Nação! Portugal, Portugal! Havia o Estado Novo e agora o Novo Estado!
3. O encontro do MEL (Movimento Europa e Liberdade que todos estranhamente chamaram congresso das direitas) e o congresso do Chega confirmaram uma coisa que as sondagens têm demonstrado amplamente nos últimos meses: não há nenhuma alternativa à geringonça, que vai subsistindo nesta altura, apesar de não estar assente em nada escrito. Os adeptos da direita podem tirar o cavalo da chuva. Na área deles não há crescimento. O que ganham os novos partidos corresponde apenas ao que o PSD e CDS vão perdendo. Em termos de blocos nada de novo. A esquerda vale em Portugal cerca de 60% do eleitorado. Por isso mesmo, a estratégia ganhadora no PSD nunca foi falar do campo político onde o partido se situa, desde logo porque cabe lá quase tudo. Foi sempre apresentar objetivos nacionais, claros, concretizáveis e reformistas. O segredo de Cavaco foi evitar falar de ideologia, dirigindo-se às pessoas e aos seus anseios. Quanto ao posicionamento de Sá Carneiro ele correspondia evidentemente ao que é hoje a esquerda, sendo na altura o mais à direita que havia em termos de partidos nascidos da sociedade civil. Há que ver que o CDS foi, em grande parte, estimulado a aparecer pelos próprios militares, a quem convinha um partido democrata cristão de centro, depois de ter ilegalizado o PDC (Partido da Democracia Cristã) e, sobretudo, o Partido do Progresso, este sim um partido de direita saudosista do Estado Novo, criado pelo pai de Pacheco de Amorim, que atualmente é o cérebro do Chega.
4. Adoramos dizer que somos um país democrático, com nove séculos de história, o mais antigo nas suas próprias fronteiras e que temos uma Constituição muito avançada que confere direitos iguais a todos o cada um. Visto assim, é bonito e fator de orgulho. Mas vai-se ver e tudo ou quase tudo funciona com base em exceções corporativas ou de outra ordem. No emprego a estabilidade tem vantagens excecionais para quem é do Estado. Nas vacinas somos todos iguais, mas, por exemplo, os professores passaram à frente. No estacionamento todos temos que pagar à EMEL, mas os polícias municipais têm um parque gigante no meio de Lisboa. Os casos excecionais são às centenas. Praticamente, cada português tem uma situação especifica que o distingue dos outros. O princípio até poderia estar certo se se limitasse efetivamente a questões fundamentais e justificadas, nomeadamente as decorrentes de situações de saúde ou sociais. As especificidades corporativas e inerentes privilégios são uma praga. Acabam por ser um custo indireto ou uma quebra de receita. A estas situações juntam-se sobreposições de instituições que partilham responsabilidades sobre certas áreas, decidindo de forma antagónica porque, precisamente, cada uma defende a sua quinta. É a agricultura que colide com o ambiente. É o ambiente que choca com a indústria. É a grande distribuição que esmaga o direito do consumidor. São as operadoras, seguradoras e bancos que humilham a cidadania. São os reguladores que não regulam bem. São os grandes grupos que fazem gato sapato do Estado e é o Governo que é forte com os fracos e fraco com os fortes. Temos conflitos estranhos e incompreensíveis. Com uma GNR que quer ser uma guarda costeira à americana. Uma marinha que recorrer a material do exército, enquanto as suas fragatas estão encalhadas em reparações. Cada dia há notícia de maior confusão, com menos campo para que haja efetivamente soluções pragmáticas. O caso mais recente tem a ver com o salário mínimo. O seu valor foi subido, mas há empresas que não vão conseguir acompanhar. O governo anunciou que as vai subsidiar. É um contrassenso, pois o salário mínimo deve ter como referência aquilo que efetivamente as empresas conseguem pagar. Por isso, em Portugal, tem um valor e no Luxemburgo é cinco vezes maior. Numa esperteza saloia, o governo publicitou os tais apoios, mas logo inventou um esquema de acesso altamente complexo que os torna inacessíveis na prática, o que pode levar a despedimentos. Não há maior cinismo do que carregar na tecla da burocracia.
Escreve à quarta-feira