1 de junho de 1955. Bezerros na grelha e a sede do elegante embaixador alemão

1 de junho de 1955. Bezerros na grelha e a sede do elegante embaixador alemão


Abria, na Palhavã, a Feira Popular. Muitas novidades prometidas, pavilhões gigantes da França, da Alemanha e da Itália, e a Rua do Arraial a ferver de gente com sede e sem dispensar os petiscos de todo o género.


A noite estava amena e a excitação tomou conta da zona da Palhavã. A Feira Popular abria para satisfação dos lisboetas, e não só. Gente vinda um pouco de todo lado, sobretudo dos arredores para cair na farra. A organização gabava-se de ir apresentar uma série de novidades que iriam encantar os visitantes. Notáveis melhoramentos, afirmavam os responsáveis. Foi espalhado por toda a parte, dos jornais a panfletos, a seguinte mensagem: “A entrada principal passa a fazer-se pela Praça de Espanha, frente ao palácio da embaixada, e faz-se sob uma feliz fotomontagem de Horácio Novais, com risonhas cabeças de crianças do actual estágio da Colónia Balnear O Século. Na lateral da porta, em grandes proporções, uma escultura de criança, da autoria de Margarida Schimmelpfenning, logo se entrando na Praça da Colónia, alargada este ano pela retirada da Montanha Russa e da Ribeira Misteriosa, com duas fontes luminosas, montadas pelo Electro Reclame, oferecendo fantástico aspecto”.

Lisboa estava feliz nesse dia 1 de junho. A Primavera tomara conta da cidade, deixara os seus habitantes com aquela saudável vontade de se divertirem, de se distraírem das suas responsabilidades profissionais, de aproveitarem uns momentos para visitar a sempre festiva Feira Popular que, nesse tempo, não era como foi durante anos a fio, em Entrecampos mas sim na Palhavã, nas traseiras da Gulbenkien.

Na Praça da Colónia, que recebia os visitantes mal entravam, funcionava um pavilhão oferecido pelo jornal O Século, que esteve muito tempo ligado ao evento da feira, sendo responsável por muitas das barracas de diversão, à Assistência Nacional de Tuberculosos e fazia-se uma acção continuada de rastreio e onde qualquer dos interessados podia fazer, gratuitamente, uma fotografia do tórax. Porque se queria que a Feira não se reduzisse à ideia simples do divertimento. Vontade de trazer para junto do povo preocupações cívicas, embora envolvidas num ambiente distraído e descontraído.

Muitos pavilhões se espalhavam por todo o recinto. Por exemplo, o Pavilhão da Agência Internacional Sueca surgia numa fileira de outros pavilhões entre os quais se destacavam três enormes espaços: o da Alemanha, o da França e o da Itália. Era uma forma de trazer aos portugueses conhecimento sobre esses países e levá-los a interessarem-se por tudo o que ficava para além deste rectângulozinho minúsculo entalado entre Espanha e o Atlântico. A II Grande Guerra terminara há dez anos, os países do centro do continente, queriam atirar para o poço fundo do olvido as divergências que tinham conduzido à morte de milhões de pessoas. Também era bem visível e bonito o pavilhão erguido pela Agência do Ultramar, desta vez dedicado à Índia Portuguesa e decorado com esculturas do escultor Heine Semke. Tendo em conta que, entretanto, a Índia tinha invadido os territórios de Goa, Damão e Diu, a exposição não deixava de ser uma espécie de provocação perante os países europeus que tinham defendido o direito dos indianos aos territórios anteriormente ocupado pelos portugueses.

Petiscos. Não há Feira Popular sem bebidas e petiscos. Era o que faltava. Ou melhor: era o que não faltava! Na Praça do Alentejo, novos pavilhões, um deles da Fábrica de Chocolates A Favorita. Na Rua do Arraial é que era! Barracas de comes e bebes ao gosto do freguês. Estilo popular, um toque de tabernas nortenhas, copinhos de tinto, cerveja à pressão, bifanas e pregos e sanduíches de presunto.

Um fila muito razoável esperava com paciência à porta do restaurante Pôr do Sol. Outra fileira de gente à entrada do Aquarium, que anunciava nova gerência. Que dizer, então, de O Patrício? Bezerros na grelha em vez dos habituais frangos. A Casa do Campo tinha uma máquina para servir vinho a copo. Mas A Isaura e a Casa dos Bifes também estavam a abarrotar.

O embaixador da Alemanha, Gehrard Seelos, fez questão de aparecer. Vinha acompanhado por uma série de altos funcionários e inaugurou um pavilhão de truz: o da Indústria Alemã. Não resistiu a beber uma cervejinha num dos balcões antes de sair do recinto, com pompa e circunstância, suscitando a curiosidade dos passantes por aquele grupo de senhores tão bem ataviado.

Ninguém tinha dúvidas que, perante tantos melhoramentos, a Feira Popular de 1955 iria ser uma das mais espetaculares de sempre. E não se esqueciam os agradecimentos devidos à benemérita Colónia Balnear de O Século, responsável pela organização, e ao seu principal mentor, Carlos Alberto Pereira da Rosa, e ao arquiteto Jorge Segurado que se dedicara à elaboração do espaço.

Lisboa gozava o espaço a que se afeiçoara há anos, muitos anos antes de a Feira Popular ter sido arrasada e ter ficado presa no limbo de uma promessa de regresso, vá lá saber-se onde. Talvez os tempos que vivemos já não tenha espaço para um organização do género, nem haja vontade de regressar ao passado. Mas nunca se perde tempo quando se desembrulha a memória…