Champions. Fez-se a festa britânica na cidade do Port(o)

Champions. Fez-se a festa britânica na cidade do Port(o)


A final da Liga dos Campeões, no sábado, viu o Chelsea sagrar-se campeão europeu. No Porto, cidade acostumada à presença britânica, foi uma grande e eufórica festa, que começou dias antes do apito inicial no Estádio do Dragão


O Chelsea tornou-se campeão europeu no Estádio do Dragão, e uma certeza já pairava no ar antes do apito inicial da final da Liga dos Campeões: a festa seria inglesa. 14 110 adeptos ocuparam as cadeiras do Estádio do Dragão, e muitos mais fizeram a festa pela cidade, entrando no país como turistas, sem bilhete para a final, mas empenhados em apoiar as suas equipas, pondo de lado máscaras, distanciamento social e álcool gel. No sábado, a casa do FC Porto recebeu a sua primeira final de uma competição de clubes europeia, e seguiu-se uma imponente festa, na Avenida dos Aliados, protagonizada pelos adeptos do Chelsea, que conquistou o segundo título da Liga dos Campeões da sua história. Mesmo com as luzes desligadas, e com forte pressão policial para acabar com a festa (dois adeptos acabaram detidos por agressões a agentes da autoridade), a folia fez-se, e a pandemia da covid-19 parecia ter desaparecido por uns dias. Afinal de contas, a festa acabou na noite de sábado, mas tinha já começado na quarta-feira anterior.

E que melhor lugar para uma celebração “à inglesa” do que a Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto? Afinal de contas, os britânicos são praticamente locais na cidade há já vários séculos, onde se instalaram como comerciantes na área dos têxteis e, claro, do vinho do Porto. Essa iguaria das vinhas do Douro, guardada nas caves em Vila Nova de Gaia, do outro lado da margem, que tanto delicia o mundo e, especialmente, os britânicos, que dão o nome às casas mais importantes do vinho fortificado. A praça da Ribeira, os Aliados e a Cordoaria foram tomados de assalto pelos britânicos, e a zona ribeirinha da cidade parece ter sido o palco perfeito para os visitantes britânicos. Ao fim e ao cabo, do outro lado da margem brotam os apelidos anglo-saxões que marcam os rótulos das garrafas do vinho que bebem.

A cada dia que passava, mais e mais camisolas do Manchester City e do Chelsea ocupavam a baixa da cidade. O crescendo culminou no dia do jogo, e a euforia começou cedo. No sábado, o relógio marcava pouco depois das 14h, e já a Avenida dos Aliados estava repleta por uma maré azul de adeptos do Chelsea, todos eles fornecidos da gasolina que move as massas futebolísticas: a cerveja. Centenas e centenas de litros desse néctar milenário destinados às massas britânicas que apoiavam as suas equipas, a horas do apito inicial, numa fanzone dedicada aos blues.

Cânticos, cachecóis, um distanciamento social praticamente nulo e poucas ou nenhumas máscaras à vista. Foram esses os quatro ingredientes da festa prévia (e posterior) à final da Liga dos Campeões, que transformou a baixa da cidade num autêntico parque de diversões futebolístico.

Locais preocupados O i ouviu três motoristas de TVDE diferentes, e o discurso era comum: “Foi uma invasão, as regras sanitárias não eram cumpridas, e os ingleses vinham para se divertir e não para manter distâncias de segurança”. Ainda assim, também há um destaque comum: a cidade não se mexia assim há meses, e o negócio para os motoristas rendeu bem durante todo o sábado.

Alguns dos adeptos ouvidos pelo i não se mostraram ansiosos ou desapontados com as medidas de segurança. Isto, claro, dependendo do sítio onde se encontravam. Aqueles que celebravam, por exemplo, na fanzone dos Aliados, mostravam-se menos respeitosos das regras sanitárias impostas. Por outro lado, espalhados pelas artérias da cidade e nas esplanadas da zona da Rua da Picaria, vizinha aos Aliados, outros adeptos, distanciados e protegidos por máscaras, não se mostravam preocupados. “Muitos daqueles que estão ali na festa nem têm bilhete, vieram só para estar ali” comentavam alguns adeptos do Manchester City. “Nós chegámos hoje, gostávamos de ficar mais tempo, mas a seguir ao jogo vamos logo de volta para o Reino Unido”, explicaram os ávidos seguidores da equipa de Rúben Dias, João Cancelo e Bernardo Silva.

De regresso às origens Os britânicos ocuparam as ruas do Porto, mas a imagem não é inédita, nem perto disso. A relação luso-britânica é tão velha quanto este país à beira-mar plantado, não tivessem os cruzados ingleses ajudado D. Afonso Henriques nas conquistas aos Mouros, no século XII, nem a mítica livraria Lello inspirado a autora inglesa J.K. Rowling, que viveu no Porto, para a criação do universo fictício de Harry Potter, o miúdo feiticeiro que vagueava pelas escadas da Lello… ou de Hogwarts, afinal de contas, são praticamente as mesmas.

A influência vai de Norte a Sul. O primeiro bispo de Lisboa após a conquista aos Mouros foi o britânico D. Gilberto de Hastings, um dos cruzados aliados à coroa portuguesa, e o Algarve bem podia ser considerado um território além-mar britânico. Mais a Norte, no entanto, foi onde a aliança teve mais expressão, culminando no casamento real – na Sé do Porto – entre D. João I e Filipa de Lencastre, em 1387. Um sítio que, agora, mais de 600 anos depois, voltou a encher-se de britânicos, que, em vez de celebrarem o casamento da sua rainha, apoiavam as suas equipas de futebol.

Hoje em dia, o número de famílias britânicas no Porto é uma sombra das cifras no século XVIII e XIX, e os apelidos Croft, Symington, Taylor, Sandeman, Cockburn e Dow deixaram de ser tão comuns como outrora o foram pelos caminhos do Passeio Alegre e da Foz do Douro.

O dia (e a noite) de sábado, no entanto, viu uma maré de britânicos invadir a cidade, como que num regresso ancestral ao sítio onde os seus bisavós e trisavós investiram e encontraram um produto que comercializaram pelo mundo fora. Isso sim, na fila para a livraria Lello, apesar da ligação intrínseca com a série de livros escrita pela autora britânica, não se avistava uma única camisola alusiva ao Manchester City ou ao Chelsea. Parece que, se os adeptos futebolísticos vieram criar filas e confusão na maioria das zonas da cidade, os fãs de literatura não se tiveram de preocupar com as enchentes.

Mudança de última hora A final da Liga dos Campeões foi inicialmente apontada para acontecer na Turquia mas, devido às restrições impostas pelo combate à pandemia da covid-19, acabou trasladada para a cidade do Porto. De uma forma tão rápida e inesperada, até, que a maioria das credenciais e dos brindes oficiais fornecidos ao staff e aos jornalistas presentes no jogo ainda liam “Istanbul 21”. Em causa esteve a menor incidência do novo coronavírus na cidade portuguesa, onde se prometeu e se garantiu que os adeptos chegariam numa “bolha”, para salvaguardar tanto a sua segurança sanitária como a dos portuenses e outros visitantes. Aliás, foi até aprovado um horário excecional de funcionamento do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, entre as 00h00 e as 06h00 de dia 30, para que os britânicos pudessem deixar solo português o mais rapidamente possível após o jogo. Os adeptos estariam “em território nacional menos de 24 horas”, assegurava a ministra de Estado e da Presidência, dias antes da final.

Ainda assim, e apesar de todas as garantias de segurança e de “bolhas” sanitárias, a realidade foi outra. Nas ruas, poucos eram os ingleses preocupados com as regras sanitárias, circulando sem máscaras e sem distanciamento social, a aproveitar o bom tempo e, como muitos fizeram questão de realçar, os baixos preços das bebidas alcoólicas. Muitos chegaram ao país como turistas, mesmo sem bilhete para o jogo, simplesmente com o objetivo de apoiar as suas equipas e passear. Os britânicos surgiram lentamente por entre as esplanadas portuenses, aos poucos chegando à cidade. Se é certo que o Governo português exige que os visitantes façam um teste PCR de covid-19 antes de entrar no país, pouco mais parece ter sido feito para controlar os contactos entre os britânicos e a cidade. E, aliás, os pedidos de “bolhas” e de contenção pareciam destoar com a enorme réplica da taça da Liga dos Campeões instalada no centro da cidade, na Avenida dos Aliados. Foram, aliás, criadas duas fanzones pelo Porto. Uma nos Aliados, para receber os adeptos do Chelsea, e outra na Alfândega, para os citizens.

Os sucessivos anúncios de permissão de adeptos no estádio vieram deitar por água abaixo a esperança de que não se formassem aglomerados de hooligans em várias partes da cidade, lembrando uma memória agridoce dos festejos ‘leoninos’ do campeonato nacional. A UEFA começou por aprovar a venda de 12 mil bilhetes para os adeptos britânicos, com o aval das autoridades portuguesas. E eis que, a quatro dias da final, o órgão que tutela o futebol europeu disponibilizou 1700 lugares para o público geral, fossem britânicos, portugueses, ou de outras nacionalidades. Desde que fossem apaixonados pelo futebol, poderiam comprar um destes bilhetes… isto é, se chegassem a tempo. Em poucas horas, a nova fornada de lugares esgotou. Augurava-se então que os 16500 lugares permitidos pela UEFA e pelas autoridades portuguesas, cerca de 30% da lotação do estádio do FC Porto, fossem estar repletos na noite de sábado, sem contar os esperados “turistas” que, sem bilhete, se aproximariam das imediações do Estádio do Dragão para apoiar a sua equipa favorita. O número ficou pelos 14110 dentro do estádio, mas a onda britânica que varreu o Porto pareceu exceder esse número, desde o início da partida até às horas seguintes, em que os adeptos do Chelsea voltaram à Avenida dos Aliados – alguns deles não chegaram a sair do centro do Porto – para celebrar a segunda conquista da Liga dos Campeões.

Os festejos após o jogo, no entanto, viram uma menor quantidade de adeptos percorrer as ruas do Porto. Já se fazia tarde, e muitos acabaram por aproveitar os voos charter para regressar ao Reino Unido ainda na madrugada de domingo. Ainda assim, houve tempo para confusões na baixa do Porto, onde dois adeptos britânicos acabaram detidos por agressões a agentes da autoridade.

A cidade esteve em festa durante praticamente quatro dias. Os adeptos ingleses esvaziaram as reservas de cerveja e tremoços dos diferentes cafés e bares, e, após a final que viu o Chelsea vencer o seu segundo título da Liga dos Campeões, alguns ainda fizeram a festa na baixa, mas outros regressaram às suas casas no Reino Unido.

Britânicos de Norte a Sul Muitos foram os adeptos britânicos que aproveitaram a final da Liga dos Campeões para rumar ao Algarve, local de eleição de milhares de turistas oriundos do Reino Unido todos os anos. A final também se celebrou no Sul, por adeptos que, ainda que a mais de 500 quilómetros de distância do Estádio do Dragão, fizeram questão de ocupar as esplanadas e os cafés desde Sagres até Vila Real de Santo António, a apoiar as suas respetivas equipas. E para além desse curioso detalhe, o sábado foi uma prova de que, apesar do facto de as duas equipas na final da Liga dos Campeões terem sido britânicas, esta é uma prova europeia, e até mundial. Camisolas do FC Porto fizeram-se ver pela cidade no dia do jogo, bem como se ouviram sotaques oriundos de lugares um pouco por todo o Velho Continente. E, para além das fronteiras europeias, adeptos de países como o México e o Brasil também se fizeram sentir no centro da cidade do Porto, vestidos a rigor com as cores do Manchester City e do Chelsea.