A turma da marquise


É marquise de irresponsabilidade sujeitar os adeptos portugueses à proibição de acesso aos estádios e aos pavilhões para depois permitir o regabofe nos festejos do campeonato e na final da Champions, em total violação das regras em vigor no país.


A marquise é uma instituição nacional de desenrasca e de conquista de espaço útil para o conforto do lar. Portugal está cheio de marquises, mas só a do Ronaldo tem destaque, porque a inveja, o preconceito e o arbítrio são modos de vida de alguns que filtram as relevâncias públicas e mediáticas. Não houve marquise quando Madonna se instalou em Lisboa com benesses a que outros não têm acesso, como tantos outros famosos ou poderosos em diversos pontos do país. Não há marquise quando plantadores de eucaliptos, produtores de pasta de papel e donos de grupos de media poluem o rio Tejo e esmifram os solos com água. Não haverá marquise nas sistemáticas afirmações de dois pesos e duas medidas da governação ou do esvair da autoridade do Estado na imposição da lei geral em função de interesses concretos, num bailado de discriminação, injustiça e falta de senso que só alimenta a revolta contida, os populismos crescentes e outras ameaças à democracia.

A turma da marquise em funções apraz-se com a margem de manobra de que dispõe, com uma oposição política medíocre, uns media pouco exigentes e um povo complacente com o exercício político na expectativa do acesso ao pecúlio da bazuca europeia ou de uma outra mitigação qualquer. O populismo não cai do céu, é gerado na terra, pelas ações e pelas omissões, pela falta de critério e pelo vislumbre de sentido de justiça das opções. E assim se alimentam os monstros que dizem querer construir, sendo que o crescimento do monstro fustiga partidos democráticos impedindo-os de serem reais alternativas. Pode ser uma espécie de jogada de laboratório de político habilidoso, que pode acabar mal, como se vê hoje nos Açores.

O problema da marquise, além das questões legais e estéticas, é que sendo uma estrutura envidraçada, ao invés de outros mecanismos de posicionamento individual ou comunitário na política e nos negócios, ela é transparente e evidencia as intenções, os meios e os fins dos especialistas em caixilharia política.

A turma da marquise em funções está a implodir qualquer sentido de coesão territorial, reanimando tensões antigas norte-sul, litoral-interior, sem sentido nenhum a não ser o de acarinhar alguns protagonistas políticos e de manter uma linha de sobrevivência política, sem qualquer compromisso com o interesse geral.

Com a vacinação encarreirada, ao ritmo da entrega de vacinas pela indústria farmacêutica, na comunicação e na concretização, o desconfinamento está a ter desvios preocupantes porque se constituem em fatores de injustiça, de ausência de compromisso individual com o que falta fazer e de erosão da legitimidade do Estado para agir.

É marquise de irresponsabilidade sujeitar os adeptos portugueses à proibição de acesso aos estádios e aos pavilhões para depois permitir o regabofe nos festejos do campeonato e na final da Champions, em total violação das regras em vigor no país, mas, ainda assim, com dois pesos e várias medidas. Uma vez mais, o contraste entre o que foi dito de segurança e organização para fundamentar a ocorrência do evento com público e a realidade é gritante e geradora de um incomensurável sentimento de injustiça. Aliás, além do chamado cansaço pandémico, é este posicionamento do Estado que está a penhorar o compromisso individual que existia com as normas de proteção, “se eles podem, porque é que hei cumprir”. Depois de tudo isto, com que legitimidade é que as autoridades fiscalizam a restauração no cumprimento das medidas, num exercício ridículo de escrutínio ao longo do dia e devassa total à noite nos pontos de convergência após o encerramento dos estabelecimentos, sem distâncias e máscaras. E depois da final da Champions no Porto, onde estão os energúmenos que se atiraram aos festejos do campeonato em Lisboa como uma expressão das nuances Norte-Sul?

É marquise de irresponsabilidade continuar a persistir num registo que tem subjacente, na comunicação e na ação, a ideia de que “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem”, com evidentes impactos na coesão territorial e na geração de oportunidades para os populismos. Depois de se ter fustigado territórios de baixa densidade com limitações por surtos e de muito pouco ou nada de estrutural ser feito para superar as realidades que existiam e vão continuar a existir, é impensável que as regras possam ser alteradas só para acomodar a proteção aos grandes centros urbanos ou ao setor do turismo. É neste tipo de coisas que André Ventura nem precisa do acocorar de Rui Rio, é uma espécie de via verde do populismo. A reprodução de dualidades de critérios na governação, de reiteradas respostas para determinados segmentos da população e da indiferença perante quem está fora da órbita dos nichos eleitorais ou não tem peso para ser considerado como público-alvo são as raízes da afirmação dos populismos. Não agir sobre as causas e persistir nas marquises da falta de critério, da dualidade de critérios e do fomento da perceção popular de injustiça é gerar demasiados telhados de vidro para a democracia portuguesa. Enquanto o foco estiver na marquise do Ronaldo, muitos folgam as costas.

 

NOTAS FINAIS

SOTÃO. A democracia como a justiça não se deviam suspender, mas também não precisam de estar sujeitas às motivações de circunstância. A miríade de buscas judiciais a autarquias locais em rota de convergência com as eleições autárquicas são uma infeliz tradição do país, num bailado que conjuga interesses eleitorais com a investigação judicial, a partir de denúncias anónimas. Porventura, será difícil haver transparência sobre a fronteira entre o arquivamento sumário e a investigação, mas exige-se noção da solidez dos indícios, do tempo e dos impactos da ação. O que paira sobre nós, individual ou coletivamente, tem de ser formatado na lei e na existência de critérios.

CLOSET. A imposição de gosto governamental de erradicar a transmissão de touradas do novo contrato de concessão do serviço público suscitou a contestação mediáticas de algumas personalidades, salvo melhor opinião os impulsos seguintes devem ser direcionados à Provedoria de Justiça e ao Tribunal Constitucional.

ARRECADAÇÃO. O congresso das direitas dos saudosismos, dos remotos, em relação a Salazar e dos contemporâneos, associados ao D. Sebastião (Pedro Passos Coelho) presente na sala do ajuntamento, foi incapaz de gerar o que quer que seja em relação à proposta alternativa à realidade criticada e ao exercício do poder pelo PS com a anuência da restante esquerda e afins. Sem saírem da arrecadação não chegam à sala das refeições, até porque pelos Açores são muitos os sinais de inconsistência e inconsequência, apesar das anuências presidenciais com o exercício.