Nos últimos meses a discussão sobre o novo quadro comunitário de apoio e a negociação da chamada bazuca europeia relançaram uma antiga reivindicação dos nove concelhos a sul do Tejo: reverter a decisão tomada em 2013 pelo governo de Passos Coelho de integrar a Península de Setúbal na região mais rica do país, que é também a mais convergente com a Europa.
A razão é evidente: a pertença da Península de Setúbal à mesma Unidade Territorial para Fins Estatísticos (NUTS) de Lisboa cria uma artificialidade estatística sobre toda a área Metropolitana de Lisboa (AML). Apesar de no seu conjunto, Almada, Alcochete, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Sesimbra e Setúbal registaram um PIB per capita equivalente a 58% da média da União Europeia, a NUTS II AML não reconhece a existência de uma região mais periférica e mais pobre do que a capital e impede o seu acesso a fundos europeus necessários para projetos de desenvolvimento económico e social.
As razões pelas quais ainda nada foi feito para corrigir este erro permanecem um mistério.
Apesar da unanimidade teórica de todos os partidos na região, no Parlamento e no Governo a prática é outra. O PSD, autor da mudança, só viu o problema quando deixou de ser Governo. Já o PS tem andado em avanços e recuos que em nada facilitam o debate.
Em 2017, o ex-ministro do Planeamento Pedro Marques declarou que a pretensão era impossível à luz das regras de Bruxelas, tendo sido desmentido por representante da Comissária Elisa Ferreira quando respondeu que cabe aos Estados-membro iniciar o processo de mudança e que “nenhum pedido foi submetido por Portugal nesse sentido aos serviços da Comissão no prazo regulamentar previsto – até 1 de fevereiro de 2019”.
No final de 2020, a ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, considerou que era urgente constituir a NUT III. No entanto, já em janeiro de 2021 defendeu uma “nova estratégia específica e especial para a Península de Setúbal, sem necessidade da criação de uma NUT III” e que “qualquer alteração a ser feita às NUT não seria feita em tempo útil para aplicar ao Portugal 2030”. Mais recentemente, o secretário de Estado do Desenvolvimento regional afirmou que para cumprir a sua pretensão, Setúbal teria de deixar a AML e integrar-se na NUT II do Alentejo. No entanto, esta semana a Comissão Política da Federação de Setúbal do PS aprovou por unanimidade uma moção em que se pede “justiça para a Península de Setúbal no acesso aos fundos comunitários”. É um caminho tortuoso para ficar tudo na mesma.
Sobre esta matéria, há duas coisas que devem ser ditas. A primeira é que o acesso a fundos europeus não é a única razão pela qual a Península de Setúbal sofre de problemas estruturais como a falta de transportes coletivos públicos de qualidade e tendencialmente gratuitos, a dificuldade na mobilidade inter-concelhia, as debilidades na proteção ambiental, a desorganização urbanística, a grave emergência habitacional ou os baixos níveis de acesso a cuidados de saúde primários, a par da fragilidade social que se revela em taxas de pobreza, desemprego e até de violência doméstica superiores às de Lisboa.
Tanto o Partido Socialista, agora com mais responsabilidades governativas, como o Partido Social Democrata têm feito do acesso aos fundos comunitários o alfa e o ómega do desenvolvimento da região, sem assumirem responsabilidades pela privatização ou quasi-desmantelamento de indústrias estratégicas como o Arsenal do Alfeite ou a EMEF (para não ir mais atrás); pela ausência de uma política de portos coerente; pelos atrasos persistentes em grandes investimentos como o Hospital do Seixal, a ponte Seixal-Barreiro ou a expansão do Metro Sul do Tejo (só para citar alguns); pela explosão de precariedade numa área industrial que em tempos orgulhou as lutas operárias; pela irresponsabilidade de investimentos avulsos e de curto-prazo como a construção de um aeroporto no Montijo.
A segunda é que depois de tantos avanços e recuos, é tempo de tomar uma posição firme.
O Bloco de Esquerda considera que a reivindicação da Península de Setúbal para a constituição de NUTS autónoma que permita reforçar o acesso a fundos europeus é justa e merece apoio. Essa alteração não deve pôr em causa a articulação estratégica no âmbito da Área Metropolitana de Lisboa, nem substituir-se às responsabilidades de investimento público que têm falhado em sucessivos governos, pelo contrário, deve promover a coesão com políticas de igualdade, reforçar o investimento público e ajudar a desatar o nó da transição energética.
Deputada do Bloco de Esquerda