Boavista. O curioso caso das camisolas esquisitas…

Boavista. O curioso caso das camisolas esquisitas…


As camisolas aos quadradinhos do Boavista surgiram pela primeira vez no dia 29 de janeiro de 1933, numa vitória por 4-0 contra uma reserva do Benfica.


Há muitos anos eu estava em Milão. Ou, para ser mais correto, nos arredores de Milão, em La Pinetina, o centro de estágio e de treinos do Inter. O sorteio da Taça UEFA fizera com que Inter e Boavista se cruzassem e, nesse tempo, o jornal A_Bola tinha a boa prática de enviar um jornalista para acompanhar durante alguns dias os adversários das equipas portuguesas nos torneios internacionais de forma a fornecer aos leitores notícias frescas sobre elas e não pacotes requentados de um bricabraque de banalidades. Era um grande Inter, treinado por Trapatonni, com três alemães, Matthaus, Brehme e Klinsmann, mas nem por isso deixaram de se eliminados pelo conjunto na altura comandado por Manuel José, com quem viajei depois para Roma para assistirmos juntos ao_Roma-Inter.

O guarda-redes dos interistas era Walter Zenga, conhecido por Walterone. Conversei um bocado com ele sobre a eliminatória e sobre o Boavista. Às tantas, encolheu os ombros e disse: “No lo so niente di Boavista. Apena qui ha dei camicie particolare”. Na minha obrigação de traduzir tal frase para português, frase que me soava a título, já agora, passei o “particolare” a esquisitas e, durante uns tempos, o nome acabou por pegar: o Boavista era o clube das camisolas esquisitas.

Não sobram dúvidas que o equipamento de xadrez (ao qual antigamente também chamavam de damas – afinal os tabuleiros são iguais) é dos mais originais e mais marcantes do futebol português. Mas o facto que fica por cima, tanto da subjetividade do gosto como da atualidade – é que o Boavista não nasceu de camisolas aos quadradinhos. E a estreia das camisolas esquisitas só se deu a 29 de janeiro de 1933, numa vitória rotunda sobre o Benfica por 4-0.

 

De preto

A primeira versão do Boavista dava pelo nome de The Boavista Footballers, fundada por um grupo de comerciantes ingleses instalados no Porto, como está bem de ver, e nascida no dia e fundada a 1 de agosto de 1903. O equipamento escolhido formava-se de camisola preta e calção preto e havia uma influência muito grande de dois irmãos, Harry e Dick Lowe, que tinham recebido do pai uma bola vinda diretamente de Inglaterra e promoviam disputas contra o grupo de compatriotas que trabalhava na Fábrica Graham. Em 1909 surgiram os problemas: por questão religiosa, muitos dos jovens ingleses recusavam-se a jogar aos domingos, o que fez com que começassem a ser substituídos por portugueses de tal forma que até o nome do clube mudou – nascia o Boavista Futebol Clube.

Pelo caminho, muitos dos jogadores e adeptos passaram a considerar o equipamento negro demasiado fúnebre para um clube que se queria jovem e positivo. Alteraram-se as camisolas para riscas horizontais brancas e pretas, mas ainda assim havia críticas a mais. Ninguém estava verdadeiramente satisfeito com a mudança. E, dessa forma, promoveu-se uma revolução total: em 1928, a equipa entrou em campo com camisolas às riscas vermelhas brancas e azuis, calções pretos e meias às riscas horizontais brancas e pretas. Há que dizer que também eram camisolas essencialmente esquisitas.

É então que o presidente do clube, António Oliveira Valença, um sujeito de grande bagagem cultural que escrevia no jornal Os_Sports, numa viagem por França deparou-se com um jogo no qual uma das equipa vestia uma curiosíssima camisola aos quadradinhos. Logo aí tomou a decisão de aplicar o modelo ao seu Boavista. A distinção em relação a todos os outros clubes nacionais era tanta que foi possível, sem alarde, recuperar o inicial branco e preto.

A mudança parece ter agradado a toda a gente, desde adeptos a jogadores. De tal ordem que, no mesmo dia em que se disputava um Portugal-Hungria, uma equipa secundária do Benfica foi ao Porto perder por 0-4 com os rapazes das camisolas esquisitas. Eram esquisitas mas ficavam-lhes bem.