Hoje, dia 21 de maio, é o dia do meu aniversário. Sei por isso que depois do jantar se repetirá o mesmo cerimonial de sempre – a família e os amigos, poucos este ano, juntar-se-ão à minha volta para celebrar o meu nascimento.
Gostava de falar-vos, não sobre o meu aniversário em particular, mas acerca da própria cerimónia, por certo familiar a todos.
Pode parecer estranho falar em cerimonial, porém, é disso que se trata. Cada gesto, cada palavra, cada ambiente criado, têm um sentido cujo significado habitualmente não nos explicam seja na infância ou já adultos.
Tudo começa quando se apagam as luzes e se faz silêncio para ver chegar um bolo encimado por uma ou mais velas em torno do qual todos se juntam para cantar. Terminada a cantiga, o aniversariante sopra, apagando as velas. Entretanto acendem-se as luzes e há troca de abraço, beijos e cumprimentos. Depois, o anfitrião corta o bolo em fatias e entrega uma a cada um dos convivas.
Aqui e acolá encontramos ligeiras variantes com mais ou menos tradição como, por exemplo, o gesto de pedir um desejo enquanto se morde, em cima de uma cadeira ou debaixo de uma mesa, uma das velas.
Foquemos, contudo, o essencial e comecemos pela escuridão que invade o ambiente festivo e que nos remete para o momento em que nos encontrávamos no ventre da nossa mãe, lugar encantado onde o nosso coração bateu pela primeira vez. Lugar privilegiado que nos acolheu durante os primeiros nove meses da nossa vida. Mergulhados em amor, protegidos do mundo. Lugar onde tudo é reconfortante, onde tudo começou.
A chegada de um bolo iluminado representa-nos – a nós, corpo e à nossa vida, a alma. É como se a nossa individualidade estivesse definida por aquele brilho único que nos distingue dos demais. Trata-se de uma chama que nos foi transmitida por outrem, razão pela qual a vela deveria ganhar luz pela mão dos pais.
Depois da música, sinal de alegria, o aniversariante sopra, apagando as velas. A sua vida passou a ser autónoma, já não depende da vida materna. Ora, recorde-se que para soprar é necessário encher os pulmões de ar, ou seja, inspirar fortemente. Esse sopro de vida, evoca a nossa primeira inspiração, o primeiro ato depois do nascimento, ato do qual a nossa vida passa a depender. Depois, as luzes voltam a acender-se, porque agora o novo ser já está fora do ventre materno. A mãe deu à luz.
Finalmente, partindo e distribuindo o bolo, é como se distribuíssemos um pouco de nós, da nossa vida, do nosso tempo a cada convidado.
Considerações à parte, talvez alguns a partir de agora passem a distinguir o ritual do simples ato de comer e beber.
Professor e investigador