Acusado de um crime de prevaricação, e chamado a tribunal no âmbito do caso Selminho, Rui Moreira está sob pressão e tem de decidir acerca da sua recandidatura à Câmara Municipal do Porto, a que preside desde 2013 como independente. Numa primeira instância, em reação à notícia de que seria mesmo julgado em tribunal, Moreira garantiu que o seu envolvimento no caso não irá influenciar a sua decisão e disse achar um “insulto e uma infâmia” ser acusado de ter beneficiado a sua família em detrimento do interesse municipal.
Ou seja, embora o autarca não abra o jogo, tudo aponta para que a recandidatura vá mesmo avançar, algo que políticos e politólogos ouvidos pelo i, bem como por figuras da sociedade portuense, também consideram provável.
Autoproclamando-se “inabalável como o granito” – no que pareceu uma alusão ao típico granito portuense –, o autarca reagiu, emocionado, à notícia de que seria julgado em tribunal. Rui Moreira tem sido alvo de acusações por parte da sua oposição política nos últimos tempos e, à medida que se aproxima a data das eleições autárquicas, a pressão parece intensificar-se. Algo que, segundo disse na Câmara Municipal do Porto, a seguir ao anúncio da sua chamada aos tribunais, já havia acontecido nas últimas eleições: “Tal como há quatro anos, estamos perante um processo que surge em vésperas de eleições”. Mais tarde e no mesmo dia, em entrevista à RTP2, voltou a questionar o timing da notícia e explica que “não é um calendário da inocência”.
Portuenses manifestam-se
João Pereira Coutinho, Manuel Serrão e Eduardo Barroco de Melo – todos eles figuras ligados à cidade do Porto – consideram que Rui Moreira continua a reunir as condições necessárias para uma recandidatura.
Ao i, o politólogo João Pereira Coutinho não se alonga sobre o momento em que a notícia foi lançada, e ainda menos sobre as questões judiciais. Questionado sobre se poderia estar aqui envolvida alguma pressão política contra Moreira, é, também, sucinto: “Eu não acredito em bruxas, mas que as há, há”. O politólogo e professor universitário desvaloriza porém os efeitos da ligação de Rui Moreira ao caso Selminho, garantindo que efetivamente poderá haver alguma influência negativa, mas insuficiente para que Rui Moreira, caso se recandidate, não seja reeleito. “Rui Moreira continua a ser um nome importante nas candidaturas no Porto”, reitera o politólogo, apontando o dedo à fraca popularidade dos candidatos do PS e do PSD à autarquia.
Sobre o assunto, contactado pelo i, Manuel Serrão, notório empresário da cidade do Porto, é também sucinto nas suas declarações: “Se optar pela recandidatura, que é uma coisa que poderá fazer de acordo com a sua consciência, o que eu aconselharia é que escolhesse um número dois igualmente forte, porque vai ser confrontado com essa questão várias vezes durante a campanha eleitoral”. Sobre o efeito na opinião pública do envolvimento do autarca neste caso judicial, Serrão, mais uma vez, é firme na sua opinião: “As pessoas que gostam dele vão ficar na mesma com ele, as pessoas que não gostam vão ter mais um argumento para ir contra ele”, conclui o empresário.
Também Eduardo Barroco de Melo, jovem deputado socialista eleito pelo Porto, entende que, embora a acusação seja “grave” e a pronúncia da juíza “violenta”, Rui Moreira continua a ter todas as condições para se candidatar. Reforça acreditar no “Estado Direito e no princípio de presunção de inocência”, embora admita que a situação se possa alterar “dependendo do que acontecer antes das eleições”. Questionado sobre um eventual recuo de Moreira, não descarta um “cenário em que ele faça essa avaliação e decida não avançar”. Por fim, rejeita uma eventual demissão de Moreira – alicerçando-se, novamente, no Estado de Direito. Mas há quem não a rejeite. Há, aliás, quem a exija. É o caso de Catarina Martins.
Catarina martins pede demissão
A dirigente do Bloco de Esquerda, Catarina Martins – também ela portuense –, veio, na noite de terça-feira e via Twitter, expressar a sua condenação a Moreira. Recorreu a João Semedo, que em 2017 fora anunciado como cabeça de lista bloquista à autarquia portuense (acabando por desistir devido a motivos de saúde). Catarina tweetou: “Em 2017, perante o insuportável conflito de interesses, João Semedo propunha uma solução a Rui Moreira: anular o acordo entre CMP e Selminho. Rui Moreira preferiu o negócio à cidade. Não vale fazer de vítima, agora que vai a julgamento. Não tem condições para continuar no cargo”.
Autarcas e leis
A discussão que envolve autarcas e problemas com a lei não é, obviamente, nova. Já em 2009, Luís Marques Mendes, antigo líder do PSD, se insurgia contra nomeações de candidatos autárquicos que fossem visados nessa conjuntura. Recorde-se que durante a sua liderança, Marques Mendes barrou as candidaturas autárquicas de Isaltino Morais a Oeiras e de Valentim Loureiro a Gondomar. Também o PS adotou uma postura semelhante, barrando Luís Correia à Câmara Municipal de Castelo Branco. No caso de Rui Moreira, sendo independente, certamente não terá quem o obrigue a abdicar.