O país da reação


Perderemos tempos infindáveis a reagir e comentar tudo e mais alguma coisa, o que até dá jeito ao Governo para fazer oposição à oposição.


1. Há muita reação em Portugal. É o alfa e o ómega de imensas vidas, desde logo na política. A reação é o entretém nacional. É a reagir e não a agir que quase todos nos dedicamos, mesmo sem disso termos a noção. Vivemos de catadupas de reações (por todos e em todos os meios de que dispomos) à enorme quantidade de coisas insólitas ou banais que acontecem entre nós, bastas vezes fruto de incompreensíveis incompetências, vindas de todos os quadrantes e instâncias. Na vida partidária atual, a reação está mais acantonada à direita, na medida em que esta é a oposição formal. Os seus dirigentes (designadamente os do PSD e CDS) entretêm-se a desfazer a lastimável governação que temos. Tentam ganhar créditos de popularidade, sem perceber que deveriam estar concentrados na conceção de modelos alternativos, deixando os gritos de rua para os mais radicais. Claro que à oposição cabe reagir e criticar. Mas estar praticamente limitado a isso, não é saudável. Nos últimos dias, não faltaram casos. A Pátria reagiu vigorosamente aos excessos e erros organizativos nos festejos da vitória do Sporting. O clube, os adeptos, a PSP, o MAI de Cabrita (sempre ele), a Câmara de Lisboa, a DGS e o secretário de Estado do Desporto (faz lembrar Harry Potter em versão jovem adulto) estiveram péssimos e foram reagindo uns contra os outros. O facto é que, praticamente, ninguém advertiu de forma prévia e veemente quanto ao que aí vinha (neste espaço ainda se fez um curto alerta escrito na véspera). Os média não transmitiram o jogo. Em contrapartida, mostraram tudo o que era pancadaria em direto, com excessos dos adeptos e dos polícias. Porém, só no dia seguinte, fizeram infindáveis programas sobre os deploráveis factos. Imeditamente, nem se falou do árbitro! O resultado foram trancas à porta! Depois da balda, veio uma segurança à Putin para um Benfica-Sporting a feijões. No caso dos emigrantes de Odemira e as colaterais asneiras do Cabrita foi a mesma coisa. Ouvem-se ainda reações aos milhares a essa situação tão desumana como conhecida. A verdade, porém, é que os desgraçados lá continuam explorados e sem condições dignas. Como o tempo mediático não permite saturações por causa do share, o tema Odemira foi caindo. Apareceram, em substituição, uns tipos no parlamento a tomar os deputados e os portugueses por parvos. Foi na comissão inquérito aos grandes devedores do Novo Banco e ao BES. O espetáculo é deplorável, mas instrutivo. Podemos ver ao vivo parte significativa, e supostamente ilustre em pergaminhos, da nossa classe empresarial e de gestão bancária. Que categoria! Porventura, mais valia ter mantido todos bancos na esfera do Estado. Agora são todos estrangeiros e a divida é nossa. Perante o desfile de S. Bento, o país reage com inúteis palavras indignadas. Não passa disso. É o tempo da reação! A reação está sempre à espreita para se manifestar! O Governo de Costa (que tem a escola socrática da política) percebeu há muito como tirar partido da coisa. Estrategicamente, adota a contra-reação, usando jornalistas. Alguns são meros pés de microfone. Docilmente recolhem e reproduzem reações sucessivas. Costa faz oposição às oposições e vai andando. Está como quer. Ninguém o questiona sobre o provável colapso do país, quando a tal bazuca (se cá chegar) for totalmente consumida em modernizações informáticas, em construções de obras públicas e não em injeções na economia real e papável (se é que ela existe). A bazuca não pode servir para cobrir as funções normais do Estado social. Tem de ser mola de progresso, sob pena de virar fisga. É um filme que vimos há uns anos, quando Sócrates (obedecendo a Bruxelas cega e convenientemente) achou que a solução estava só no investimento público. Acabou com uma intervenção à bastonada de uma troika, que deixou profundas nódoas negras na sociedade portuguesa. Se a cena se repetir, cá estaremos todos para comentar, reagir e contra-reagir anos a fio em regime de passa culpas. Valha-nos o Sol, que é, até ver, a nossa maior indústria e fonte de riqueza. Felizmente não depende da burocracia, da ‘geringonça’, da oposição, da União Europeia e da justiça para brilhar. E também não é sensível às reações que provoca.

2. Segunda-feira reabriram os voos do Reino Unido para Portugal. Só para o Algarve vieram 17 aviões de companhias low-cost, com mais de 5 mil turistas. Nenhum era da TAP. Há que repensar a estratégia. A companhia nacional tem de aproveitar mercados e oportunidades, adaptando-se. Recentemente o Governo reconduziu como chairman Miguel Frasquilho, um social-democrata com fraca visão de certas coisas. Não há memória de ter visto grande coisa no BES (dirigiu e coordenou o gabinete de Research durante 11 anos) ou no parlamento onde foi deputado. No governo não aqueceu o lugar. Pode ter asas, mas não voa alto. Vamos ver se não leva a TAP ao chão.

3. Não são fáceis os dias de Rui Rio. Viu Cavaco criticar as mudanças orgânicas nas Forças Armadas que dão mais poderes ao Chefe de Estado Maior General, em detrimento dos chefes dos três ramos. A mudança, que Cavaco considerou um escândalo se tivesse o apoio do PSD, tem a simpatia de Rio. É um incómodo, mesmo se respeita a tradição do PSD na matéria, como assegura Ângelo Correia, um especialista e interessado na matéria. Como se não bastasse, o líder social-democrata viu Alberto João Jardim exigir-lhe uma mudança de política, reforçando a oposição para não ser ultrapassado pelo Chega. Jardim, para já, não põe em causa o líder. Mas ficou escrito o aviso. Simultaneamente, uma sondagem no Correio da Manhã dava o pior resultado de sempre ao PSD. Eram 21,7%, contra 37,9% para o PS. A tudo isto junta-se uma turbulência excessiva na preparação das autárquicas, mesmo sabendo que é inerente ao processo. Esta agitação está novamente a desmotivar as bases, exatamente como sucedeu há quatro anos, com os resultados catastróficos que se viram para Passos Coelho. Rui Rio terá de prestar contas pelo bem e pelo mal que suceder, mesmo considerando que a parte operacional e a direção logística está nas mãos de Hugo Carneiro, um dirigente mais dado à burocracia do à criatividade e clarividência política.

Escreve à quarta-feira