Houve muito tempo para refletir, não teria sido necessária qualquer pandemia, mas sim o foco evolutivo das várias modalidades possíveis de trabalho, onde o teletrabalho é uma delas e sempre existiu. Porém, fica também a nu, tal como as fragilidades, que nunca foi realmente “levado a sério” por empregadores e trabalhadores. Assim, ainda na passada semana, na quarta-feira, vimos os partidos com assento no Parlamento português apresentarem uma dezena de projetos de lei para densificar e/ou alterar o Código de Trabalho. Houve consonância em vários pontos, de ideologias totalmente dispares, como as despesas, o direito a desligar e os acidentes de trabalho, embora tenham proposto diferentes soluções o que não deixa de ser interessante.
Sem entrar na discussão prática e efetiva, correria o risco de desbravar a troca de argumentos que ocorreu a semana passada na Assembleia da República, há diferenças de posição grandes em matérias que ainda vão baixar à especialidade para discussão. Basta focar um ponto desses, primordial para alguns desses partidos políticos: Quem paga as despesas implicadas no teletrabalho? A resposta dividiu os partidos. Uns remeteram a solução para a negociação entre o empregador e o trabalhador (PS, PSD e BE) e outros que diziam que deveria ser fixado um valor mínimo a pagar ao trabalhador (PCP e PAN).
Para vermos que há destrinças em todos os pontos, até num de conclusão unanime como o período de descanso do trabalhador – que todos defendem – há diferentes soluções propostas pelos partidos.
Uns defendem que a entidade patronal deve abster-se de contactar o teletrabalhador no período de desligamento, outros sugerem que o empregador deve respeitar o horário de trabalho e os tempos de descanso e de repouso da família do trabalhador… Há depois os excessos de linguagem, e não só, de análise e limitação, como PCP e o BE que colocam por escrito o “indício de assédio” no reiterar de contactos em período não laboral ou ainda o estanque de horário das 8:00 às 19:00 como se fosse tudo robotizado.
Há, portanto, soluções para todos os gostos.
O que é certo é que o teletrabalho veio para ficar, e que o Governo deve manter o teletrabalho obrigatório em todo o país até ao final do mês de maio, segundo relatos que deverão ser confirmados esta quinta-feira após o Conselho de Ministros.
Atualmente, em vigor, o regime é obrigatório até 16 de maio, pelo que esta decisão irá prolongar mais duas semanas as regras que têm estado em vigor desde o confinamento. O teletrabalho já passou a ser obrigatório desde janeiro, ao abrigo do Estado de Emergência. Porém, ao passarmos para estado de calamidade a 1 de maio, passou a produzir efeitos em pleno o decreto-lei que o Governo prorrogou até 31 de dezembro de 2021 sobre este tema onde se prevê a obrigatoriedade. Houve expectativa que fosse aplicado apenas nos Municípios de maior risco, mas não foi assim.
Ou seja, sempre que as funções sejam compatíveis e o trabalhador tenha condições para tal, está obrigador a trabalhar nesta modalidade.
Ficou e o resto é evolução laboral. Uns serão capazes de responder e atualizar-se, sendo que já há vários empregadores que assumiram esta modalidade como realidade permanente e colocam os teletrabalhadores a receberem refeições em casa (algumas delas de forma fundamental na manutenção de postos de trabalho, para dar viabilidade aos refeitórios que dispunham no período pré-pandemia), material de exercício físico em vales-oferta para que, mesmo em casa, haja preocupação com o sedentarismo e os colaboradores possam exercitar-se ou, ainda, as sessões digitais de bem-estar onde existe já uma panóplia de oferta quase tão grande como a que os grandes Ginásios oferecem entre Yoga, Meditação, Alongamentos, etc.
Tudo isto é positivo, é uma clara tentativa de que, sejam 10 ou 1000 os quilómetros que separam o teletrabalhador da Sede da sua empresa, a proximidade laboral continue com uma clara preocupação com o bem-estar, saúde e atividade pessoal de cada um nesta nova-normalidade.
Agora coloca-se a questão: Mas algum negócio deixou de ser feito só por exclusiva culpa desta modalidade de trabalho? Não. As empresas e os clientes não aguentaram as videochamadas ao invés das reuniões presenciais, que tinham gastos de deslocação e até poluição ambiental excessiva, que outrora era a única forma de apresentar uma solução a um possível cliente? Aguentaram. O teletrabalhador que prepara a sua proposta, gere unidades de negócio ou acompanha equipas que executa esse trabalho desde o Algarve não tem a mesma qualidade de trabalho que um seu colega que está em Lisboa ou outra colega que o faz em Trás-os-Montes? Tem.
E se, porventura, o colaborador que está em Lisboa a residir, for dez dias para Madrid, respeitando a diferença horária e tendo uma boa ligação de internet, não pode continuar a trabalhar com a mesma qualidade e brio que se estivesse nesses dez dias na capital portuguesa e não na espanhola? Claro que pode.
É este o passo que deve continuar a ser trabalhado.
Se a modalidade de teletrabalho foi apenas regulamentada – ou melhor, está a ser – quando forçada a tal, e vendo que já poderia estar num estadio muito mais avançado, será que o trabalho a partir de qualquer ponto do mundo (o dito, globalmente, Anywhere Work) não deverá começar a ser ponderado, trabalhado e discutido para o assegurar permanentemente para quem o entender? Claro que sim. Não temos de esperar por um momento de exceção como a pandemia destes anos para pensar como reagir. Deve haver ação própria.
Devemos perceber que o foco é e continuará a ser a qualidade no serviço que acompanhará a transição digital atual, forte e global, independentemente da modalidade de trabalho. Desde que haja acordo e consonância laboral, legal e cumprimento do acordado entre o Empregador e o Colaborador, é evidente que é uma modalidade tão correta como o tradicional posto de trabalho físico presencial na sede ou escritórios da entidade patronal.
Que não seja preciso ser forçado, que se olhe para o futuro já no presente porque o teletrabalho pode deixar de ser obrigatório, mas isso não significa que esta modalidade ou o trabalho-em-qualquer-lugar não tenha a mesma liberdade de existir como 2020 e 2021 demonstrou ser possível.