Novos ricos


O modelo de desenvolvimento económico que temos hoje em dia, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não tem qualquer racionalidade económica e social. Veja-se os casos de telemóveis, computadores, aspiradores, etc. que são substituídos assim que é lançado no mercado o modelo de última geração, mesmo que os equipamentos estejam perfeitamente funcionais e…


O modelo de desenvolvimento económico que temos hoje em dia, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não tem qualquer racionalidade económica e social. Veja-se os casos de telemóveis, computadores, aspiradores, etc. que são substituídos assim que é lançado no mercado o modelo de última geração, mesmo que os equipamentos estejam perfeitamente funcionais e sem qualquer dano.

Não falarei sequer do problema que este comportamento representa para a capacidade de autorregeneração dos recursos naturais do planeta, mas em Portugal este comportamento privado é muitas vezes mimetizado à escala macro do Estado e dos seus investimentos. Basta ver o exemplo da nossa política de transportes públicos ferroviários.

Andaram-se décadas a gastar os “parcos” recursos (digo parcos, porque por muitos milhões que tenham sido, obviamente, foram sempre em escala insuficiente para as necessidades) em aquisições novas e alugueres de material circulante ao mesmo tempo que se desinvestiu no existente e na sua manutenção. Só uma mentalidade de “novo rico” é que permitiu que houvesse centenas de composições e locomotivas ferroviárias deixadas ao abandono um pouco por todo o país ao mesmo tempo que o serviço público de transportes ia definhando lentamente da mesma forma que a ferrugem e o vandalismo se apoderavam dos comboios que poderiam continuar a ser usados, como acontece em países com bem mais recursos financeiros que Portugal.

Infelizmente, esta mentalidade não é exclusiva do Governo da cor A ou da cor B, do Gestor C ou D, é quase como que um impulso que os fundos comunitários ajudaram a institucionalizar: “O pavilhão que tens se tiver a manutenção adequada é mais que suficiente, mas aquilo que pretendes mesmo é inaugurar um novo com direito a placa com o teu nome. Mais uns milhões de fundos europeus para mais um novo pavilhão construído ao lado do pavilhão velhinho deixado ao abandono.”

Um dos últimos exemplos desta visão é o que se está a passar no setor dos resíduos, evidenciado através de um estudo recente, elaborado para a Agência Portuguesa do Ambiente, para a criação de um novo sistema de depósito de embalagens, identificado no setor pelo acrónimo SDR (Sistema de Depósito e Retorno).

Não aprofundarei aqui todas as lacunas do estudo encomendado e as questões, que para mim são neste momento, inultrapassáveis, sem alterar de novo todo o modelo de funcionamento do sistema de gestão de resíduos que ainda anda às voltas na Assembleia de República. Salienta-se, contudo, que ainda não nasceram as novas alterações propostas no final do ano passado e já se preparam as alterações às alterações. Mas isso deixarei para outro dia.

Nem tampouco me posicionarei contra o sistema de depósito e reembolso, que poderá, devidamente enquadrado entre todos os players atuais dos sistemas, ter algum mérito e ajudar a aumentar a percentagem de reciclagem do país.

Não posso é deixar de realçar que, e de acordo com estimativas do próprio estudo serão necessárias várias dezenas de milhões adicionais em relação ao que atualmente é disponibilizado no setor para compensar os custos das operações dos municípios pela recolha, encaminhamento, triagem e tratamento dos materiais.

Pouco importa se o município de Lisboa, por exemplo, investiu mais de uma centena de milhões de euros para implementar recolha seletiva porta-a-porta de embalagens e de outros recicláveis para aumentar a sua taxa de recolha seletiva e reciclagem e reduzir os resíduos em aterro, contando com a receita da venda das embalagens para pagar parte desse investimento e reduzir a tarifa aplicada aos seus residentes. Pouco importa se os investimentos de triagem e recolha do sistema multimunicipal de que faz parte também tenham sido significativos e ao abrigo de um contrato de exclusividade e onde a venda dos materiais recicláveis às entidades gestoras dos fluxos específicos fizesse parte da receita que ajuda a reduzir a tarifa de resíduos aplicada ao cidadão.

Tal qual Noruega ou Suíça (que não o fazem) todos esses investimentos nada importam e o que interessa é criar todo um novo sistema de recolha com novos investimentos (duplicado os já existentes, diga-se) com um modelo de financiamento assente em presunções de inexistência de reembolso e em novas outras taxas, totalmente autonomizado das infraestruturas já existentes e das capacidades instaladas em todo o país. De facto, há quem não aprenda nada com a história recente do país. Se o que existe funciona mal corrija-se, não se faça é ao lado algo para a mesma função.

A criação do SDR faz lembrar a A1 e A29 que na zona de Ovar e Estarreja distam uma da outra escassas dezenas de metros. Ambas são autoestradas e vão para o mesmo sítio, a única diferença é que quem a gere são entidades diferentes. Ambas têm uma relação umbilical, no fim quem paga toda esta estupidez é o povo.

É isto que acontecerá com o SDR que se pretende criar. No fim quem pagará o que já existe e o que irá existir é o povo. Porque se o princípio da responsabilidade alargada do produtor fosse cumprido, os produtores e distribuidores já hoje estariam a contribuir com os valores corretos de compartida para os sistemas e não o fazem.

Pedro Vaz

Novos ricos


O modelo de desenvolvimento económico que temos hoje em dia, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não tem qualquer racionalidade económica e social. Veja-se os casos de telemóveis, computadores, aspiradores, etc. que são substituídos assim que é lançado no mercado o modelo de última geração, mesmo que os equipamentos estejam perfeitamente funcionais e…


O modelo de desenvolvimento económico que temos hoje em dia, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não tem qualquer racionalidade económica e social. Veja-se os casos de telemóveis, computadores, aspiradores, etc. que são substituídos assim que é lançado no mercado o modelo de última geração, mesmo que os equipamentos estejam perfeitamente funcionais e sem qualquer dano.

Não falarei sequer do problema que este comportamento representa para a capacidade de autorregeneração dos recursos naturais do planeta, mas em Portugal este comportamento privado é muitas vezes mimetizado à escala macro do Estado e dos seus investimentos. Basta ver o exemplo da nossa política de transportes públicos ferroviários.

Andaram-se décadas a gastar os “parcos” recursos (digo parcos, porque por muitos milhões que tenham sido, obviamente, foram sempre em escala insuficiente para as necessidades) em aquisições novas e alugueres de material circulante ao mesmo tempo que se desinvestiu no existente e na sua manutenção. Só uma mentalidade de “novo rico” é que permitiu que houvesse centenas de composições e locomotivas ferroviárias deixadas ao abandono um pouco por todo o país ao mesmo tempo que o serviço público de transportes ia definhando lentamente da mesma forma que a ferrugem e o vandalismo se apoderavam dos comboios que poderiam continuar a ser usados, como acontece em países com bem mais recursos financeiros que Portugal.

Infelizmente, esta mentalidade não é exclusiva do Governo da cor A ou da cor B, do Gestor C ou D, é quase como que um impulso que os fundos comunitários ajudaram a institucionalizar: “O pavilhão que tens se tiver a manutenção adequada é mais que suficiente, mas aquilo que pretendes mesmo é inaugurar um novo com direito a placa com o teu nome. Mais uns milhões de fundos europeus para mais um novo pavilhão construído ao lado do pavilhão velhinho deixado ao abandono.”

Um dos últimos exemplos desta visão é o que se está a passar no setor dos resíduos, evidenciado através de um estudo recente, elaborado para a Agência Portuguesa do Ambiente, para a criação de um novo sistema de depósito de embalagens, identificado no setor pelo acrónimo SDR (Sistema de Depósito e Retorno).

Não aprofundarei aqui todas as lacunas do estudo encomendado e as questões, que para mim são neste momento, inultrapassáveis, sem alterar de novo todo o modelo de funcionamento do sistema de gestão de resíduos que ainda anda às voltas na Assembleia de República. Salienta-se, contudo, que ainda não nasceram as novas alterações propostas no final do ano passado e já se preparam as alterações às alterações. Mas isso deixarei para outro dia.

Nem tampouco me posicionarei contra o sistema de depósito e reembolso, que poderá, devidamente enquadrado entre todos os players atuais dos sistemas, ter algum mérito e ajudar a aumentar a percentagem de reciclagem do país.

Não posso é deixar de realçar que, e de acordo com estimativas do próprio estudo serão necessárias várias dezenas de milhões adicionais em relação ao que atualmente é disponibilizado no setor para compensar os custos das operações dos municípios pela recolha, encaminhamento, triagem e tratamento dos materiais.

Pouco importa se o município de Lisboa, por exemplo, investiu mais de uma centena de milhões de euros para implementar recolha seletiva porta-a-porta de embalagens e de outros recicláveis para aumentar a sua taxa de recolha seletiva e reciclagem e reduzir os resíduos em aterro, contando com a receita da venda das embalagens para pagar parte desse investimento e reduzir a tarifa aplicada aos seus residentes. Pouco importa se os investimentos de triagem e recolha do sistema multimunicipal de que faz parte também tenham sido significativos e ao abrigo de um contrato de exclusividade e onde a venda dos materiais recicláveis às entidades gestoras dos fluxos específicos fizesse parte da receita que ajuda a reduzir a tarifa de resíduos aplicada ao cidadão.

Tal qual Noruega ou Suíça (que não o fazem) todos esses investimentos nada importam e o que interessa é criar todo um novo sistema de recolha com novos investimentos (duplicado os já existentes, diga-se) com um modelo de financiamento assente em presunções de inexistência de reembolso e em novas outras taxas, totalmente autonomizado das infraestruturas já existentes e das capacidades instaladas em todo o país. De facto, há quem não aprenda nada com a história recente do país. Se o que existe funciona mal corrija-se, não se faça é ao lado algo para a mesma função.

A criação do SDR faz lembrar a A1 e A29 que na zona de Ovar e Estarreja distam uma da outra escassas dezenas de metros. Ambas são autoestradas e vão para o mesmo sítio, a única diferença é que quem a gere são entidades diferentes. Ambas têm uma relação umbilical, no fim quem paga toda esta estupidez é o povo.

É isto que acontecerá com o SDR que se pretende criar. No fim quem pagará o que já existe e o que irá existir é o povo. Porque se o princípio da responsabilidade alargada do produtor fosse cumprido, os produtores e distribuidores já hoje estariam a contribuir com os valores corretos de compartida para os sistemas e não o fazem.

Pedro Vaz